segunda-feira, 27 de outubro de 2008

... e a Bienal foi pixada.





Em um desses “alegres colóquios” no último fim de semana, eu fazia fáceis previsões sobre o andar vazio da Bienal: será pixado (assim mesmo, com “x”, e que se dane a norma culta). É óbvio. Hoje em dia é mais fácil fazer previsões sobre arte do que nos tempos de Stalin e do realismo socialista.

Como todo mundo, diferencio grafite de pixação. Grafite se caracteriza pela elaboração estética mais refinada (o que inclui uso de cor e imagem), diálogo com o entorno, aspecto lúdico e proposta estética minimamente ambiciosa. Já a pixação se limita quase sempre à inscrição de um nome (seja do pixador ou de seu grupo/ gangue/ coletivo/ crew), uso predominante da cor preta, alfabeto de vaga inspiração rúnica, intervenção em área de risco (alto de prédios, viadutos, espaços tradicionais de exposição fechados e vigiados). Exemplos de grafite e da pixação estão no post abaixo, depois desse texto.

A partir dessa caracterização e das imagens abaixo, a conclusão fácil é: grafite pode ser um tipo de arte, pixação é “sujeira”. Porém, o que mais me chama atenção nas imagens que selecionei, nas três imagens, não é a diferença entre as duas formas de expressão mas a pobreza da arquitetura que serve como suporte. De fato, na cidade de São Paulo há uma abundância de superfícies verticais, brancas, cinzas, insossas, praticamente pedindo para que alguém faça algo. Na cidade, há uma forte cultura do cimento, do concreto, todo chão é cimentado, toda parede exibe o concreto. Fiação elétrica aérea, multiplicação de antenas e torres de antenas, cacos de vidro e arame farpado em concertina no alto dos muros, “plantações” de postes (jamais alinhados), tudo contribui para uma paisagem urbana francamente deteriorada. Diante disso, tanto o grafite quanto a pixação (em que pesem suas diferenças) cumprem uma bela função: chamam nossa atenção para a feiúra que nos cerca.

E aí vem a Bienal com suas propostas, "inovadoras" já há cinquenta anos. Ninguém mais agüenta a arte conceitual, do tipo que costuma ser exposto nas bienais. Desde décadas que as instalações artísticas contemporâneas giram em torno da pergunta, “o que é arte?” e, francamente, ninguém mais suporta isso. Alguns artistas já deixaram isso pra traz. Fernando Botero já deixou isso para trás, Lucian Freud já deixou isso para trás, só para citar dois. Ou melhor: eles certamente continuam pensando no significado de arte, mas pelo menos não nos impingem suas perguntas. E eis que vem a Bienal nos propor nada menos que um andar vazio, para que possamos refletir sobre a ausência, a criação de sentido, blábláblá. Ainda existe espaço para esse tipo de questionamento ?

A proposta da Bienal (http://www.bienalsaopaulo.globo.com/) diz, sobre o espaço vazio do segundo andar:

É nesse território do suposto vazio que a intuição e a razão encontram solo propício para fazer emergir as potências da imaginação e da invenção. Esse é o espaço em que tudo está em um devir pleno e ativo, criando demanda e condições para a busca de outros sentidos, de novos conteúdos.

Assim não dá. Na década de 1950, Robert Rauschenberg já expunha suas telas em branco, com um projeto que não se diferia em nada de “fazer emergir as potências da imaginação etc.” Apresentar uma proposta nesse sentido a essa altura do campeonato, só pode soar como empulhação ou provocação. Não acredito que o curador seja um enganador, resta portanto a hipótese de provocação: então, que sejam bem-vindos os pixadores. Sejamos todos pixadores e vamos emporcalhar o segundo andar da Bienal. Porém, não há um só lugar nessa história toda para onde olhemos e consigamos vislumbrar um fiapo de sanidade: a única virtude da pixação é chamar atenção para a pobreza da nossa arquitetura, mas o espaço aberto para a intervenção fica justamente no Pavilhão da Bienal, um dos raros exemplos de boa arquitetura da cidade.

Uma última palavra sobre pixadores, uma vez que os grafiteiros não apareceram na Bienal, pelo menos até o momento em que escrevo. Até onde percebo, os pixadores tem como características:

- o hábito de formação de grupos,
- a contestação da ordem em nome de valores que só eles conhecem ou reconhecem como verdadeiros (convertendo-se assim em uma minoria de portadores exclusivos da verdade),
- valorização de feitos físicos que implicam em risco ou coragem,
- valorização pura e simples da ação como forma de expressão que antecipa ou substitui o pensamento ou o discurso,
- manutenção de códigos próprios de comunicação e identificação,
- reconhecimento da violência como parte integrante ou possível de suas ações.

Tudo isso aproxima esses grupos daquilo que o século passado produziu de mais sórdido, e que continua existindo até hoje. Chamemos a besta pelo nome: esse grupos exalam um nauseabundo cheiro de fascismo. Só não sentimos mais claramente seu cheiro porque o fedor da cidade é ainda maior.

(imagens)









domingo, 19 de outubro de 2008

Blog e imagem



Lagostas infláveis, nus tribais, e velhos, muitos velhos. Hoje, pra variar, Maggie Cheung.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Jeff Koons em Versalhes


Publicar material inédito é a última coisa que eu imaginava quando comecei o blog. O texto abaixo é parte de uma matéria de Isabel Brandão sobre a polêmica exposição de Jeff Koons no Palácio de Versalhes (de onde foi tirada a imagem acima).


Ainda faltava muito para o dia 10 de setembro e a ministra da cultura da França já havia recebido uma carta exigindo o cancelamento da exposição de Jeff Koons, o artista vivo mais caro do mundo, no palácio de Versalhes. O ultimato era assinado por um tal de Arnaud-Aaron Upinsky, presidente da União Nacional dos Escritores da França, uma associação que, segundo ele, já contava com 400 membros, mas ninguém até então ouvira falar. Para Upinsky, que também é autor de livros esotéricos, esta exposição na sede da monarquia absoluta francesa é, além de uma “ofensa à obra de Luís XIV”, uma “mácula no que nosso patrimônio e nossa identidade têm de mais sagrado”.

Ideologias à parte, Upinsky mal sabia que Jeff Koons não só é considerado por especialistas o mais barroco dos artistas contemporâneos, como Luís XIV é uma das suas fontes de inspiração. “Puppy” (1991) é fruto de um devaneio do artista americano de 53 anos com o Rei-Sol. “Eu me perguntei ‘pela manhã, quando ele acordasse, qual fantasia gostaria de ver realizada antes do anoitecer”, explicou às dezenas de jornalistas presentes no dia da abertura da sua primeira exposição individual na França. A resposta imaginada por Koons, que nega ser um artista kitsch, foi uma escultura de 12 metros em forma de cachorrinho, inteiramente coberta por 90000 plantas vivas.

Um trabalho semelhante à “Puppy”, “Split Rocker” (2000), metade dinossauro metade pônei, enfeita ainda mais o jardim por onde a Corte Real passeava diariamente. Para os contestadores do evento, “Split Rocker” foi dos males, o menor. Quinze das dezessete obras selecionadas foram instaladas dentro dos aposentos do rei e da rainha. Até o fim da exposição, em dezembro, os visitantes do palácio de Versalhes pagam um e, queiram ou não, levam dois.

No salão de Marte, onde vez ou outra se realizavam bailes, “Lobster” (2003), uma lagosta inflável de dois metros de altura, foi - tal qual um lustre - preso ao teto decorado por Charles Lebrun, pintor favorito de Luís XIV. A escultura de mármore do rei à moda antiga, no salão de Vênus, é ofuscada por uma outra em porcelana dourada de Michael Jackson e seu chipanzé (“Michael Jackson and Bubbles”, 1988). Mais adiante, um vaso de flores (“Large vase of flowers”, 1991) enfeita o quarto onde Maria Antonieta dormia.

A aposta dos jornais para este cômodo era bem diferente da escolha de Koons: alguma das esculturas da série (“Made in Heaven”) em que o artista reproduz o “Kama Sutra” com sua ex-mulher, a porn star (e senadora nos tempos vagos) Cicciolina, cairia como uma luva sobre a cama da rainha decapitada. Os jornais botaram ainda mais lenha na fogueira ao questionarem as motivações da escolha de Jeff Koons pela administração do palácio de Versalhes. Liguem os pontinhos: a exposição foi quase inteiramente financiada por dois dos maiores colecionadores de Koons no mundo, o americano Eli Broad e o francês François Pinault. Jean-Jacques Aillagon, o antigo ministro da cultura e atual presidente do palácio de Versalhes, já administrou a coleção de François Pinault. O sucesso de uma exposição influencia positivamente a cota de um artista no mercado da arte.

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Isabel Brandão, 24, é jornalista e estuda História da Arte na Sorbonne. Já colaborou nas revistas Piauí e L’Oeil, bem como no site http://www.artclair.com/ . E ela não está dançando só.

sábado, 11 de outubro de 2008

Nada menos que o Ser

Quinta-feira, 9 de outubro, fui surpreendido por uma equipe do SBT fazendo reportagem para um daqueles estranhos programas vespertinos. A coisa até que foi organizada, a equipe permaneceu quase toda a aula na sala tentando manter a discrição. A aula foi dada conforme o previsto e não ocorreram maiores contratempos. Porém, após o sinal, houve uma rápida entrevista, e não é que logo na primeira pergunta a moça-repórter me tasca assim, à queima-roupa, “O que é ser professor ?”

Como assim ? Trata-se de uma pergunta gigante, seriam necessárias horas de reflexão para dar uma reposta minimamente aceitável. Surpreendido, disse qualquer bobagem sobre subir no palquinho, falar coisas e ser compreendido, enfim, desfiei algumas tolices sobre aquilo que de mais evidente existe na atividade de professor. Mas a pergunta me acompanhou pelo resto do dia. Com o tempo, foi saindo uma resposta um pouco mais elaborada que tento esboçar em seguida.

Ser professor significa, em primeiro lugar, compartilhar com os alunos um lugar chamado sala de aula e lá criar nada menos do que um espaço de sociabilidade. Por espaço de sociabilidade entendo um local de troca, única forma possível de se obter um conhecimento verdadeiro. Em outras palavras, a experiência de sala de aula tem como pré-requisito a interação entre o professor (que deve ser mais do que um mero enunciador do discurso verdadeiro) e os alunos (que não devem se limitar a ouvintes passivos). A interação, todavia, se faz a partir de dois pressupostos: em primeiro lugar a existência de um indivíduo chamado “professor” que, de fato, passou por mais experiências de vida ou simplesmente leu mais livros que os alunos. Nesse sentido, o professor continua sendo o referencial na sala de aula, porém sem menosprezar a vivência do aluno: há experiências que não foram vividas pelo professor, há livros que não foram lidos. Em segundo lugar, a rejeição às fórmulas simples do “debate entre alunos”, que muitas vezes resultam em uma avalanche de achismos e na mera expressão desencontrada de obviedades.

Como proceder ? O espaço de sociabilidade começa a existir a partir do momento em que o professor se apresenta como uma personalidade (inventada ou não), ou seja, um indivíduo como os outros, dotado de dúvidas, angústias e incertezas. Isso abre espaço para um verdadeiro jogo de espelhos, uma vez que o aluno também tem os mesmos medos: entra em cena a dessacralização da figura do "mestre". Enxergar o professor como uma personalidade implica tornar possível identificação (ou rejeição) com essa figura, transformando o estudo, que deixa de ser a análise de objetos distantes e passa a ser uma análise de questões que envolvem a própria subjetividade do aluno e a sua constituição. O conteúdo das “ciências humanas” facilita essa prática ao abordar, mais cedo ou mais tarde, questões que remetem às paixões humanas.

Dessa forma, ser professor é apresentar essas questões, “levantar a bola”, aproveitando do espaço de sociabilidade criado para que as interações possíveis rendam frutos e levem a reflexão para diante. E aqui surge um aspecto decisivo do tal espaço: nos interstícios da relação professor-aluno, aquilo que foi sugerido na sala de aula é expandido. Nos encontros (fortuitos ou planejados), nos corredores, em outras atividades ou mesmo no blog, a aula prossegue, sob a forma de uma reflexão viva. Mas, sobretudo, a aula prossegue nas conversas entre os alunos, não sob a forma ao mesmo tempo desencontrada e cronometrada dos afamados “debates" de sala de aula, mas em suas vidas sociais, nos seus encontros, nas suas famílias. Nesse sentido, ser professor é ser um provocador.

A última pergunta da repórter foi, “Qual sua maior satisfação ?”. Por pouco não caí na armadilha, respondendo o óbvio: “a aprovação nos vestibulares bla bla bla”... conversa fiada, minha maior satisfação tem pouco a ver com isso. Balbuciei algo a respeito do aluno dizer “valeu” ao final do curso, com ou sem aprovação no vestibular. Porém, pensando mais no assunto, não tenho dúvida em dizer que a maior satisfação está em chegar em casa depois de uma manhã de aula, sentar na poltrona vermelha da sala e recordar o que aconteceu durante o dia. Nesse momento, fico imaginando se as pessoas estarão refletindo no que foi dito, nas coisas que aconteceram, nas bolas que foram levantadas. Fico imaginando até que ponto as pessoas mudaram, ou se sentiram melhores (ou piores) ou “mais sábias” depois da aula. Ou ainda, fico pensando até que ponto aquilo que aconteceu durante a aula ajudou cada aluno a avançar um pouquinho mais na direção do conhecimento daquilo que cada um de nós vagamente chama de “eu”. Diante dessas possibilidades, passar ou não no vestibular torna-se algo efêmero: quem não passa neste ano passa no próximo, quem não entra nesta faculdade, entra na outra; e daqui a 20 anos, tudo isso não fará tanta diferença assim. Mas se daqui a 20 anos a reflexão proposta ou a mudança despertada ainda fizer parte das pessoas, o troço todo valeu a pena. Para mim e para os alunos, pois fizemos de uma parte da vida uma experiência rica, de troca social e busca de conhecimento. O estudo para o vestibular acabou se transformando em uma mera desculpa para uma atividade que tem como horizonte o conhecimento de si mesmo.

(Vou além: se as pessoas que passam diante de nossa vida levam alguma coisa de nós e, de alguma forma, passamos a fazer parte de suas vidas - seja no jeito como elas são, ou na sua memória -, e se isso for passado ainda para outras pessoas, e depois outras, e com o passar do tempo ainda outras, acabamos por ganhar nada menos que a imortalidade. Dessa forma, o maior medo ancestral é superado, e um dia aprendemos a lidar com a morte, serenamente).

Em outras palavras, ser professor é uma forma que encontrei de levar a vida do jeito que ela deve ser vivida. A construção da personalidade que transporto para o palquinho (com tudo que tem de verdadeiro e de invenção) significa um questionamento constante sobre o meu próprio eu, principalmente porque essa construção nunca é feita a priori, mas vai surgindo ao sabor das aulas e da interação com as pessoas. Ser professor talvez seja exorcizar os medos mais íntimos.

E o que há de verdadeiro ou falso no texto acima vai do gosto do freguês.

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Na foto, Parmênides de Eléia, o primeiro a abordar a questão do Ser
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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sergei Eisenstein (1898-1948) e Leni Riefenstahl (1902-2003)


Nos últimos dias, falamos do totalitarismo, que tem como um de seus elementos integrantes o emprego dos meios de comunicação em massa seja para exaltar a figura do líder, seja para fazer propaganda do regime. Na primeira metade do século, duas das formas mais atuantes de comunicação em massa foram o rádio e o cinema, e tanto o regime nazista quando o stalinista fizeram uso desses meios em larga escala. Nesse contexto, destacam-se dois diretores de cinema que aliaram seu engajamento com o regime com um virtuosismo e espírito de inovação poucas vezes visto no cinema.

O russo Sergei Eisenstein nasceu de família abastada, e mesmo assim envolveu-se na revolução a partir de 1918, como soldado na Guerra Civil contra os exércitos brancos (contra-revolucionários). Em 1923 iniciou-se no teatro e rodou seu primeiro filme dois anos depois. Deve-se destacar que nos primeiros anos do regime soviético as artes tiveram um grande desenvolvimento, antes que o modelo estético stalinista passasse a dominar a produção cultural em geral. Se o socialismo era o futuro da humanidade, as artes futuristas (desde o cinema até a pintura abstrata) participavam do clima geral de renovação da sociedade com grande destaque. Foi por essa época (1925) que Eisenstein filmou sua obra prima, O Encouraçado Potemkin. O filme trata de um episódio dramático da fracassada Revolução de 1905, e apresenta inovações técnicas impressionantes, por exemplo, nos campos da edição e montagem. Seguiu-se o grandioso filme Outubro, parte das comemorações do décimo aniversário da revolução.

Após uma curta estadia nos Estados Unidos, meca da indústria cinematográfica mundial, onde não conseguiu emplacar nenhum projeto, Eisenstein retornou à União Soviética quando os rigores do stalinismo eram cada vez mais intensos. A aproximação da guerra resultou na produção de filmes anti-germânicos e nacionalistas, como Alexandre Nevski (1938) e Ivan, o terrível (1942-45, já durante a guerra). Nessas suas últimas grandes produções, a interferência do próprio Stalin resultou em diversas alterações no projeto original e na dificuldade de condução do filme de forma autônoma.

A cineasta alemã Leni Riefenstahl, por sua vez, contava com plena confiança do Partido Nazista para dirigir seus filmes. Após um início como atriz nos anos 20, Leni Riefenstahl fez alguns experimentos na direção e foi rapidamente convidada por Hitler para documentar o comício do partido em Nuremberg no ano de 1934. O resultado foi o filme O Triunfo da Vontade, que mostra claramente um dos aspectos da “estetização da política” conforme comentado em aula: o comício é plasticamente belo, coreografado e impregnado de dramaticidade, feito para impressionar a multidão que lotava o estádio. Em 1936, a cineasta alemã foi escolhida para produzir um documentário sobre as Olimpíadas daquele ano em Berlim, e o resultado foi o filme Olympia. Nos dois filmes citados, o preciosismo técnico é aliado a constantes inovações, especialmente no posicionamento das câmeras e enquadramento.

Após a guerra, Leni Riefenstahl disse desconhecer os crimes do nazismo, afirmando sua inocência diante das acusações de ter promovido o regime. Seja como for, sua carreira praticamente terminou: ninguém mais ousava se patrocinar ou mesmo se aproximar da cineasta do nazismo. Suas últimas obas foram politicamente “neutras”: nos anos 1970, fotografou tribos africanas no Sudão (de onde foi tirada a imagem acima; algumas das fotos tiradas na Àfrica trazem estranhas semelhanças com as imagens de corpos nus ou semi-nus no filme Olympia) e, mais tarde, ao completar cem anos de idade, distribuiu um documentário sobre a vida nos oceanos, seu último filme.

domingo, 5 de outubro de 2008

Passeando na imaginação

Ainda está em cartaz em São Paulo o filme com Marisa Monte sobre a velha guarda da Portela, O Mistério do Samba. Trata-se de um documentário com depoimentos dos membros mais antigos da escola de samba, que contam suas histórias e cantam seus sambas, dando origem a momentos de beleza indizível. Ao final do filme, a platéia, deliciada, não conseguiu segurar os aplausos: foi a primeira vez que essa reação não me causou constrangimento em uma sala de cinema.

O depoimento de velhos sempre provoca algum tipo de ternura, ainda mais quando sabemos que, no caso do filme, alguns deles morreram antes mesmo de ver o resultado final nas telas, casos de Argemiro Patrocínio (1923-2003) e Jair do Cavaquinho (1920-2006). O filme trata da memória: trata-se de uma grande coletânea de histórias e “causos” do passado envolvendo membros da escola, moradores de Oswaldo Cruz, subúrbio do Rio de Janeiro onde nasceu a Portela. No meio do emaranhado de relações pessoais – amorosas, familiares e de trabalho – que surge a partir dessa narrativa, vai nascendo o samba, contando as coisas simples da vida ao mesmo tempo em que desvenda estados de alma mais profundos. É assim que o filme nos “pega”, uma vez que compartilhamos de alguma forma essas experiências de vida. Quando lamentamos não ter a mesma sensibilidade dos compositores para transformar isso em arte, já é tarde; estamos irremediavelmente identificados com os “velhinhos”, não conseguimos conter o aplauso no final do filme.

A participação de Marisa Monte (que é branca, zona sul e bem falante) se faz serenamente. Em nenhum momento ela parece deslocada ou querendo roubar a cena. Não ocorre estranhamento sequer nas cenas finais, quando ela canta cercada dos membros da velha guarda na quadra da escola de samba. Nesse momento final, o tema é justamente o da continuidade, da permanência da tradição ou mesmo do surgimento de novas. Mais do que nunca, aflora a sensação de pertencimento a uma coletividade (o bairro de Oswaldo Cruz ? a Humanidade ?), através de sua expressão mais nobre: a arte.

(Como comparação, o músico norte-americano Ry Cooder não conseguiu evitar o estranhamento, em 1996, quando fez um documentário semelhante, reunindo a velha guarda da música cubana então em pleno esquecimento. O filme, Buena Vista Social Club, tem momentos constrangedores cujo auge é o concerto final, em Nova York, quando a slide guitar de Ry Cooder acompanha uma sucessão de boleros aguados.)

Assistam o filme, antes que saia de cartaz. Um trailer pode ser visto em http://www.omisteriodosamba.com.br/ , e a foto acima é de seu Argemiro, responsável por momentos verdadeiramente impagáveis.
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PS.: A direção competente é de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda.

sábado, 4 de outubro de 2008

... and bright. Joyous and bright.


Sem comentários.
(foto por Karina Neves, em Chicago, 3/8/2008)