domingo, 17 de março de 2013

Boteco x chique




É o mesmo caso de banheiro-público: uma contradição de termos. Foi em algum momento da década de 1990 que surgiram os primeiros “botecos-chiques” em São Paulo. De imediato, ironizei: como diabos um boteco pode ser chique ? Os dois conceitos me pareciam excludentes e a ideia, como um todo, uma falsificação. Para coroar minha indignação, e reforçando a defesa dos bares bons e sem frescura, formulei um princípio: quanto melhor o bar, pior o banheiro.

Claro, foi um erro. Em pouco tempo, percebi que o conceito de boteco-chique incluía coisas como, por exemplo, um cuidado excepcional na conservação e serviço do chopp pedido. Jovens leitores nem imaginam o abismo que separa o padrão do chopp de hoje com o de uns vinte anos atrás. Por exemplo, outrora o chopp era coroado por uma espuma pouco espessa e sem gosto, o que acabou gerando o hábito nacional de pedir chopp sem colarinho. Hoje em dia, o normal é um generoso e saboroso creme espesso, que deixam um bigode feliz no rosto alegre do bebum.

Mesmo frequentando os botecos-chiques, o princípio relativo aos bares permaneceu, e logo comecei a recolher lembranças de banheiros cujo decrepitude chegava ao ponto do pitoresco. Por exemplo, os do inesquecível Champion, um daqueles restaurantes chineses da Liberdade que nos ajudam a conhecer uma deliciosa culinária chinesa, baseada em frutos do mar e muito além dos afamados rolinhos primavera e frangos xadrez, deus-nos-livre. Em episódio devidamente registrado pela imprensa, um caranguejo foi encontrado passeando pelos seus banheiros. Ou aqueles Cafés parisienses, alguns excepcionalmente charmosos, mas que fazem questão de manter as históricas “privadas turcas”, tão arcaicas, tão anti-higiênicas, tão francesas.

Na minha memória, há um lugar reservado para o bar do querido Ezequiel, de Ouro Preto, um estabelecimento absolutamente precário tocado por sua irmã, Celita, na garagem da casa onde moram. Servindo cerveja e suas deliciosas cachaças artesanais –  “temperadas” com mel, chocolate ou ervas – Ezequiel decidiu anos atrás construir um banheiro anexo à sua garagem, talvez para poupar o muro dos vizinhos. No cubículo em que mal se consegue permanecer em pé e mover a porta ao mesmo tempo, o simpático barman instalou uma pia, uma privada e, sem ter como encaixar a caixa d’água no pequeno espaço, instalou-a do lado de fora, ao ar livre, com seu acionamento sendo possível apenas estendendo-se a mão para fora da janela (um dos vidros da janela foi propositalmente quebrado para permitir a manobra, veja a foto acima).

 Mas, o meu campeão na série banheiros pitorescos em todos os tempos foi o do velho Duarte, quando ainda mantinha seu estabelecimento ao lado do Anglo. Pois em uma das poucas vezes que fui até seu bar, tomei um par de cervejas, quis ir ao banheiro e logo vi a placa pendurada na porta, “Banheiro Quebrado”. Falei, “Pô, Duarte, e agora, como vou fazer ?”. Ao que o bravo bartender respondeu, me estendendo as chaves: “Que é isso, professor, pode ir. Eu só pus a placa pra desencorajar o uso”.