segunda-feira, 1 de abril de 2013

Chutando cachorro morto...



...mas como saber se está morto mesmo ? E se personagens medíocres como o deputado Feliciano não forem uma aparição tardia da espiritualidade medieval, mas sim um sinal dos tempos ? Por via das dúvidas, deixo de lado o tédio que me provoca argumentar contra o fundamentalismo religioso e assesto minhas baterias contra essa triste personagem: que naufrague miseravelmente, é o meu desejo mais profundo.

 De início, faço duas observações. Em primeiro lugar, considero religião uma forma autêntica de lidar com a espiritualidade. Dada a existência de uma espiritualidade humana e da necessidade de lidar com coisas assustadoras como a morte, a religião aponta para uma saída, seja oferecendo uma espiritualidade pronta e acabada (bastando aos fiéis seguirem seus ensinamentos), seja oferecendo um feixe coerente de possibilidades (que os fiéis amarram como quiserem; o que me parece uma prática bastante comum hoje em dia, pensando na forma como se pratica o Cristianismo no Brasil, por exemplo). Repito, considero as duas práticas saudáveis, uma vez que ajudam a lidar com angústias humanas incontornáveis. E, cá entre nós, alguém pode me citar uma invenção mais genial do que vida após a morte ?

 Em segundo lugar, observo o desvio fundamentalista: trata-se de alargar o campo da religião até que ele tome conta de outras esferas da vida. Dessa forma, subordinam-se atividades sociais, iniciativas econômicas e práticas políticas aos ditames da religião. Aí a coisa complica. No campo da política, o próprio princípio republicano de cidadania torna-se agredido: qual o sentido de uma “bancada evangélica” no Congresso ? Defender a Bíblia ? Todavia, dada a realidade do Congresso brasileiro hoje, não há surpresas: a bancada evangélica é igual às outras, o pessoal tá lá pra defender a turma.

 Mas vamos às considerações mais famosas do deputado Feliciano. A primeira, é aquela citação bíblica do AntigoTestamento, postada em seu twitter:

Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é polêmico (...)

O que mais chama atenção na declaração do deputado, além da imbecilidade intrínseca, é a expressão “isso é fato”. Como assim, “fato” ? Tá na Bíblia é fato ??? Desde quando ? Trata-se de um sintoma do fundamentalismo religioso mais indigente, que toma a Bíblia como uma verdade absoluta e interpreta suas citações literalmente. Me entedia até as lágrimas ter que argumentar sobre o absurdo de considerar como verdade absoluta um texto, qualquer texto. Ainda mais um texto antiquíssimo, escrito sabe-se lá por quem, sabe-se lá deus (hahaha, “deus”) quando. Aliás, quem quiser maiores informações sobre o episódio bíblico citado pelo deputado, pode dar uma olhada em Genesis 7:21 a 7:29.

Outra pérola da sabedoria do deputado foi pronunciada nesse fim de semana. Durante um culto, e referindo-se aos protestos contra sua pessoa que ocorriam na porta do templo, afirmou:

Essa manifestação toda se dá porque, pela primeira vez na história desse Brasil, um pastor cheio de Espírito Santo conquistou o espaço que até ontem era dominado por Satanás.

É isso aí. O deputado Feliciano tem o Espírito Santo, e os outros não. Aqui chegamos no âmago da postura imbecilizante de certas religiões neoevangélicas:  seus membros têm o Espírito Santo, nós não.  Em caso extremo, somos identificados com Satanás.  

Não é sempre, mas a religião tem a incrível capacidade de emburrecer. No nosso caso, não basta mais achar graça das sandices do deputado Feliciano: sua crença, bem como suas palavras e atos (devidamente fundados nessa crença) nos levam até nada menos que as portas do fascismo.