domingo, 13 de maio de 2012

Dance, dance, dance




Eu acreditaria somente em um deus que soubesse dançar
            Nietzsche, Zaratustra

Não sei dançar. Nunca soube. No começo, eu disfarçava, como todos disfarçavam nos bailinhos da pré-adolescência. Praticava-se lá algo vagamente parecido com o dançar, em que garotos e garotas se atracavam ao som de baladinhas românticas no salão de festas do prédio. Nesse estranho jogo, os casais se abraçavam, com uma certa distância, e os meninos tentavam puxar as meninas cada vez mais para perto, enquanto as garotas faziam força para manter os corpos longe. Ignoro a sensação das meninas, mas para meninos de 13 anos, esse jogo de empurra era de uma sensualidade brutal. Ficávamos francamente excitados, e as piadas tornavam-se inevitáveis. O garoto se aproximava da garota que, surpreendentemente cedia e permitia que seus corpos se tocassem, enquanto Marvin Gaye cantava Heard it through the grapevine em um disco de vinil. A garota, sentindo um volume na calça do menino, perguntava, maliciosa: “Nossa, o que é isso que você tem no bolso ?”. O garoto, se achando mais esperto, respondia: “É Halls” – e acrescentava, cheio de malícia: “Você quer ?”. Ao que a garota dizia, reafirmando seu controle da situação: “Não quero, dá pra perceber que o pacote já tá no fim”.


         Com o tempo, ficaram para trás os bailinhos bobos em que não se dança de verdade e surgiram aquelas infinitas situações sociais nas quais as pessoas são quase obrigadas a encarar uma pista de dança. Foi quando eu comecei a perceber minha total incapacidade para dançar. Não adianta. Já tentei de tudo. E o momento mais difícil para  pessoas que não tem a mínima capacidade para a dança, é quando alguma boa alma, geralmente uma garota, resolve ensinar a dançar. São momentos constrangedores. Empolgados, aceitamos a oferta e vamos para a pista, só para passar por situações terríveis. A mais comum é quando a dedicada “professora” nos diz, “Não se preocupe, é fácil, é só dar dois passos pra lá e dois para cá”. Em seguida a pessoa exemplifica o movimento e você percebe que aquilo que ela faz é muito mais do que simplesmente dar dois passos pra lá e dois pra cá. Seus braços se movem, o corpo balança, a cintura requebra...como fazer tudo isso, meu deus, e ao mesmo tempo ? E você, perdido no meio da pista, dá dois passos pra lá, dois para cá, exatamente como foi ensinado e é incapaz de fazer qualquer outro movimento, provocando sorrisos piedosos e desvios de olhar constrangidos .

Percebendo minhas dificuldade, alguma alma filantrópica diz, “Mexa os quadris !”, e eu penso comigo: “Que quadris ?” Também existe aquela famosa instrução: “Feche os olhos e deixe seu corpo se soltar”. Como assim ? Tá achando que eu sou Robert de Niro em As idades do amor ? Impossível. Em uma situação dessas, se eu deixar meu corpo se soltar a única coisa que ele vai fazer é sair correndo para longe desse local de tortura e humilhação pública que é a pista de dança.

A essa altura da vida, já desisti de dançar. Sobretudo, desisti de dançar junto, “conduzindo” um par, como dizem no jargão. Não quero transformar minha falta de habilidade em humilhação pública imposta a outra pessoa. Quando muito, limito-me a tentar dançar sozinho, e isso quase sempre significa manter os pés colados no chão e mover levemente o corpo para cima e para baixo, vagamente ao som da música e com os braços sem saber muito bem o que fazer. Na verdade, danço igualzinho ao garoto do vídeo acima.

E não me importo nem um pouco. Lembro da frase de Nietzsche, sobre um deus capaz de dançar. A incapacidade de dançar faz com que eu me reconcilie com minha Humanidade e suas limitações, faz com que eu perceba que devo ser humilde e manter os pés no chão – aliás, igualzinho a quando eu tento dançar . Sou um ser humano, e não saber dançar me ajuda a lembrar da minha finitude e precariedade, da minha ignorância e impotência.  Ainda tenho muito o que aprender.