Foi no meio da agitação de fim de tarde de uma grande livraria que eu vi o Velho Escritor. Ele estava afundado em uma daquelas poltronas que fazem as pessoas parecerem menores do que efetivamente são, diante de prateleiras de DVDs e jovens vendedores e compradores, todos eles muito apressados. Anônimo, discreto, cinza, com visível dificuldade de locomoção – percebida pela bengala apoiada a seu lado – e gestos muito lentos, o Velho Escritor contemplava as pessoas coloridas à sua volta.
A lembrança de muitas fotos que vi fez com que eu o identificasse, e imediatamente me chamou atenção o contraste entre a pessoa frágil, que parecia quase esquecida em um canto da Livraria, e a mente ágil, que eu conhecia através de seus escritos. Na verdade eu li apenas um livro de sua autoria, que considero uma pequena obra-prima, mas também o conheço pelo seu trabalho realizado ao traduzir grande parte dos livros de Kafka. Sua dedicação à obra de Kafka certamente é um indício de seus interesses e do seu pensamento e, na pequena obra prima que escreveu, a descrição de uma certa cidade do interior paulista muitas vezes alcança tons surreais dignos do autor tcheco.
[Interlúdio Biblioteca-de-Babel: tenho orgulho de minha biblioteca particular e ciúmes dos livros que a compõem. Acredito possuir uns 4 ou 5 mil volumes, quase todos expostos em prateleiras projetadas por mim e adequadas não só aos seus tamanhos diversos, mas também à exibição meio arrogante de minha (vã) cultura. Divirto-me organizando as prateleiras, “promovendo” livros queridos aos lugares mais nobres e “rebaixando” livros dos quais já cansei a lugares mais remotos. Já faz alguns anos que a pequena obra-prima do Velho Escritor encontra-se em lugar nobre, na altura dos olhos, quase no centro da prateleira dos livros de ficção.]
A idéia foi imediata, sequer pensei quando me dirigi ao andar inferior da Livraria e, buscando na letra C, lá encontrei um exemplar da sua pequena obra-prima. Imediatamente tomei o exemplar em mãos e fui ter com o Velho Escritor, ainda afundado na sua poltrona. Aproximei-me pedindo desculpas (quais pensamentos nobres eu estaria interrompendo ? Ok, talvez ele só estivesse pensando na sopa que tomaria no jantar) e disse que ficaria muito feliz se tivesse uma dedicatória em meu exemplar. “Que curioso”, disse o Velho Escritor, “eu estava justamente pensando em que fim levou este livro”.
Trocamos algumas palavras rapidamente, tive oportunidade de lembrar que conhecia a cidade do interior em que se desenrola a trama do livro. Acrescentei que, além de me provocar lembranças, o livro sempre me surpreendeu pela firmeza da narrativa e delicadeza da história. Logo nos despedimos – “Boa sorte”, disse ele – e seguimos cada um para um canto.
Seja como for, hoje posso ler a singela inscrição logo no início do segundo exemplar que agora possuo do Resumo de Ana:
"Ao Gian, com o prazer e a surpresa, o melhor abraço do
Modesto Carone
30 / março 2011"