Entrei com tudo
na programação da Mostra Internacional de Cinema deste ano, depois de longo
afastamento. O fato de logo o primeiro filme que assisti ter sido muito bom me
animou a estabelecer uma meta ambiciosa: assistir 14 filmes em 14 dias de
Mostra. Jamais cheguei nem perto dessa marca em outras edições.
Os Planos
Quinquenais ainda eram vistos como uma ferramenta adequada para “atingir e
ultrapassar” os Estados Unidos, na famosa frase de Khruschev, infelizmente não
mostrada no filme. O Comunismo ainda estava no horizonte e, lá pelas tantas, um
analista afirma que em mais uns 20 anos, a transição estará completa e o sistema
implantado.
Nesse contexto,
chama atenção a verdadeira obsessão das imagens produzidas pelo jornalismo
soviético em mostrar como os Planos estão sendo cumpridos com folga. Assim, vemos
um operário recebendo um prêmio, pois graças a uma ideia sua a produção da
usina siderúrgica ultrapassou as metas estabelecidas pelo Plano. Mais adiante,
um repórter de rádio entrevista o maquinista de um grande comboio ferroviário
que afirma, orgulhosamente, ter acrescentado dois vagões a mais do que o
previsto, uma vez que sua habilidade de condutor e o conhecimento da linha o permitiam conduzir
com segurança um trem deste tamanho. Finalmente, as colheitas de trigo na Fazenda
Coletiva número X, da Ucrânia, superaram todas as expectativas, graças ao
empenho dos cientistas soviéticos e dos camponeses em seu trabalho conjunto na
melhoria da semeadura. Em outras
palavras: as metas são sempre atingidas e ultrapassadas.
Impossível não pensar
no mundo corporativo e na forma como o discurso e a prática das metas
generalizou-se no capitalismo triunfante. Venda de unidades, satisfação dos
clientes, captação de matrículas, há sempre uma meta numérica a ser atingida,
e, num dado intervalo de tempo, um gráfico deve ser produzido, com suas curvas
ideais se projetando rumo ao infinito. É como se o fervor revolucionário dos
Comissários do Povo agora se transferisse para uma moderna casta de
engravatados, que lidam com multidões de números, estabelecendo metas, definindo
estratégias e apresentando orgulhosamente a superação dessas metas nas reuniões
de acionistas, que é como o Politburo todo poderoso agora é chamado.
Tanto nos
Comissários do Povo quanto na casta dos engravatados, o triunfalismo
entusiástico é o mesmo, bem como a alegre empolgação com a superação das metas.
Também se assemelham os volteios dialéticos e a lógica tortuosa que justificam as
curvas que surpreendentemente não seguem as previsões ambiciosas pré-estabelecidas.
Finalmente, o furor com que as cabeças são cortadas e os bode-expiatórios são
apontados: alguém falhou, mas nunca o sistema. E se na União Soviética tudo era feito
em nome do Comunismo, hoje o entusiasmo todo se esgota no presente e na
possibilidade imediata de realização de lucros no sistema financeiro.
* * *
Volto à Mostra.
Meu objetivo pessoal neste ano é assistir 14 filmes em 14 dias. Prometo que me
esforçarei ao máximo para não atingir a meta.