Sempre me causou
perplexidade o bullying, não pelo
ato em si e muito menos pelo uso do termo em inglês (a essa altura já estamos
todos used to), mas sim pela sua
quase criminalização e pelo fato de existir um termo específico para esse
conjunto de maldades e maus tratos que sempre fizeram parte do convívio social.
Sobretudo entre jovens e adolescentes, que são cruéis, tremendamente cruéis,
entre si, sempre foram, sem que em outras épocas tantas pessoas julgassem estar
“sofrendo” bullying. Pode-se imaginar
época mais cruel que o período, digamos, dos onze aos quinze anos de idade ? Penso em
todas as ignomínias que presenciei e alegremente pratiquei nessa época da vida,
e todos faziam isso e todos “sofriam” igualmente com isso.
Os apelidos eram
cruéis. Lá pela 6ª série, havia um menino obeso, excepcionalmente obeso e que
ainda por cima tinha o arcaico nome de Orlando. Claro, todos os chamávamos de
Gorlando ou Gordolando, para sua fúria (e nossa diversão). Havia também o
menino negro (o único que frequentava a escola privada de classe média, cheia
de alunos branquelos). Era alegremente chamado de Berinjela, sem que ninguém se
importasse muito seriamente com isso. O ponto culminante da prática de apelidos
sórdidos veio com o Manuel, menino que entrou na 8ª série no meio do ano, além
de tudo morador de uma cidade do ABC, e tudo isso já seria motivo suficiente
para torná-lo Cristo honorário da turma. Pois este menino era alto, muito magro,
com o rosto cavado e fundos olhos azuis, o que lhe valeu o singelo apelido de
Holocausto.
E, no entanto,
tomava-se muito menos antidepressivos.
Os xingamentos
eram cruéis. Qualquer erro ou engano cometido era saudado com gritos de “retardado”
ou “mongolóide”. O cuidado ao vestir era importante, não no sentido de exibir
alguma riqueza, mas de evitar combinações que trouxessem o – ok, odioso – epíteto de “baiano”. Ao mesmo tempo,
comportamentos que indicassem a não compreensão da psotura adequada para
esta ou aquela situação, na hora denunciavam o “maloqueiro”. Assim como os apelidos,
os xingamentos eram discriminatórios, sublinhavam as diferenças, e mostravam
como o todo buscava ser homogêneo. Éramos pequenos fascistas, todos nós.
E, no entanto,
as pessoas não saíam por aí invadindo escolas e baleando os colegas.
No meio do circo
dos horrores, aprendíamos a nos defender e, com o tempo, abandonávamos as
práticas mais sórdidas, introjetando normas morais e aprendendo à força
princípios de sociabilidade. Hoje, com a obrigação de combatermos o bullying, devemos proteger crianças frágeis e
sensíveis que, provavelmente, jamais aprenderão a caminhar por conta própria,
permanecendo crianças para sempre. Retardados para sempre.