sábado, 17 de novembro de 2012

El bullying

 
Sempre me causou perplexidade o bullying, não pelo ato em si e muito menos pelo uso do termo em inglês (a essa altura já estamos todos used to), mas sim pela sua quase criminalização e pelo fato de existir um termo específico para esse conjunto de maldades e maus tratos que sempre fizeram parte do convívio social. Sobretudo entre jovens e adolescentes, que são cruéis, tremendamente cruéis, entre si, sempre foram, sem que em outras épocas tantas pessoas julgassem estar “sofrendo” bullying. Pode-se imaginar época mais cruel que o período, digamos, dos onze aos quinze anos de idade ? Penso em todas as ignomínias que presenciei e alegremente pratiquei nessa época da vida, e todos faziam isso e todos “sofriam” igualmente com isso.

 E, no entanto, fazia-se muito menos terapia.

Os apelidos eram cruéis. Lá pela 6ª série, havia um menino obeso, excepcionalmente obeso e que ainda por cima tinha o arcaico nome de Orlando. Claro, todos os chamávamos de Gorlando ou Gordolando, para sua fúria (e nossa diversão). Havia também o menino negro (o único que frequentava a escola privada de classe média, cheia de alunos branquelos). Era alegremente chamado de Berinjela, sem que ninguém se importasse muito seriamente com isso. O ponto culminante da prática de apelidos sórdidos veio com o Manuel, menino que entrou na 8ª série no meio do ano, além de tudo morador de uma cidade do ABC, e tudo isso já seria motivo suficiente para torná-lo Cristo honorário da turma. Pois este menino era alto, muito magro, com o rosto cavado e fundos olhos azuis, o que lhe valeu o singelo apelido de Holocausto.

E, no entanto, tomava-se muito menos antidepressivos.

Os xingamentos eram cruéis. Qualquer erro ou engano cometido era saudado com gritos de “retardado” ou “mongolóide”. O cuidado ao vestir era importante, não no sentido de exibir alguma riqueza, mas de evitar combinações que trouxessem o – ok, odioso  – epíteto de “baiano”. Ao mesmo tempo, comportamentos que indicassem a não compreensão da psotura adequada para esta ou aquela situação, na hora denunciavam o “maloqueiro”. Assim como os apelidos, os xingamentos eram discriminatórios, sublinhavam as diferenças, e mostravam como o todo buscava ser homogêneo. Éramos pequenos fascistas, todos nós.

E, no entanto, as pessoas não saíam por aí invadindo escolas e baleando os colegas.

No meio do circo dos horrores, aprendíamos a nos defender e, com o tempo, abandonávamos as práticas mais sórdidas, introjetando normas morais e aprendendo à força princípios de sociabilidade. Hoje, com a obrigação de combatermos o bullying, devemos proteger crianças frágeis e sensíveis que, provavelmente, jamais aprenderão a caminhar por conta própria, permanecendo crianças para sempre. Retardados para sempre.
 

4 comentários:

anna park disse...

é isso aí!

Cold Heart disse...

As crianças e adolescentes atuais usam não só as antigas bermudinhas como também fraldinhas. Em tempos passados o "bullyng", assim como a rigidez nas escolas e nas casas, era absolutamente normal.
O que mudou nos últimos anos foi o ponto de vista sobre essas coisas. Aquelas mensagens de pai para filho ou filha de "seja forte, lute contra isso, melhore" afrouxaram-se e viraram "quem fez isso? Papai falará com Fulano, mamãe dirá tal coisa para Sicrano, Beltrano fez isso? Ora, que malandro, vingue-se do fedido!". São criadas não mais crianças e jovens fortes, mas futuros adultos frágeis, coitados e vítimas do mundo.
As provocações sempre deram um ódiozinho, uma raivinha interna, um sofrimentozinho que muitas vezes fizeram com que os que sofreram o tal do bullyng se tornassem pessoas que nunca teriam se tornado sem isso. Lembro-me do discurso da atriz Kate Winslet ao receber um Oscar, ela disse algo como "agradeço também aos que fizeram bullyng comigo, tornaram-me a pessoa que sou hoje". Acho que todas as críticas são bem vindas, fazem-nos buscar o aprimoramento ou reforçam o nosso eu. E nada mais em falta nos dias de hoje do que a personalidade.

jotacosteleta disse...

Bullyng é estudar em uma Universidade pública em que os elevadores de deficientes não funcionam como na minha. Mas mudando de assunto, talvez o bullyng tenha alcançado um nível tão alto que as pessoas partem para a briga e armas. Ou não. Não saberia diagnosticar isso ao certo. Eu era o gordinho dessa história, e como todo gordinho sou muito bem humorado. Aposto que os branquelos davam mais trabalho e até hoje dão. Eu também zuava e essa prática se mantém na Universidade, mas com apelidos que conferem ao cara status eterno. Engraçado...

Mariane disse...

Também tenho dúvidas sobre essa problematização exagerada do bullying.
Parece que as pessoas se preocupam demais com a crueldade social, natural até certo ponto, do período da escola e ignoram o fato que essa crueldade só é realmente potencializada e se torna um problema quando a pessoa sai dessa época e se depara com o "mundo real" adulto, que é sem dúvida bem mais cruel.
Pra mim é esse mundo real que transforma o menino bulinado do colégio em um atirador assassino, ou num depressivo suicida, e não as piadinhas maldosas da escola.