quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Dois heróis da década de 1950


 
Oscar Niemeyer
 
Viver 104 anos já é uma forma de heroísmo. O repertório de lembranças acumuladas e o simples fato de sobreviver com lucidez diante dessa massa avassaladora já convertem o centenário em alguém que ultrapassa os feitos humanos, que se projeta para além do homem. Há porém alguma coisa triste no artista longevo: o tempo pode condená-lo à eterna repetição de si mesmo, e sua obra, a uma caricatura do que passou.

A arquitetura de Niemeyer é inseparável de seu tempo. Nas décadas de 1940 e 1950, ninguém dava muita bola ao ambientalismo, ou muito menos à – odeio essa palavra – sustentabilidade. Para os arquitetos dessa geração, amplas superfícies impermeabilizadas eram perfeitamente aceitáveis, assim como grandes edifícios envidraçados nos trópicos, consumindo energia elétrica violentamente em suas máquinas de ar enlatado.

Tampouco preocupava-se com a ligação do edifício com o entorno. Alguns pensavam o edifício como um monumento, uma marca a ser deixada na paisagem, e pobre da cidade que tivesse que conviver com uma multidão de monumentos empilhados, com a marca pessoal de cada arquiteto se perdendo no meio de um conjunto amorfo. Para essa geração, a saída era construir cidades inteiras, e Niemeyer foi um dos poucos que teve essa possibilidade.

No plano puramente estético, Niemeyer conviveu com o modernismo e a possibilidade da construção de edifícios brincando com formas geométricas. É um dos pais daquilo que eu chamo de “arquitetura de maquete” (aquilo que se ensina nas escolas de arquitetura hoje em dia): edifícios com formas geométricas básicas, que até ficam bonitinhos na maquete, mas que, uma vez construídos, parecem fora de qualquer dimensão humana.

A própria revolução das formas curvas, com as quais Niemeyer supostamente rompeu a rigidez da geometria modernista, pode ter tido o seu momento nos anos 1950. Todavia, uma vez repetida ad nauseam nos próximos 60 anos, acabou desvendando aquilo que ela efetivamente é: um uso exagerado do concreto, com tudo que ele tem de sujeira e rápida obsolescência. (No mundo de Niemeyer, provavelmente o Estado seria responsável pela manutenção impossível das superfícies curvas de concreto, não importando o custo. Sua arquitetura sempre foi tão utópica e falida quanto o estado socialista em que acreditou).

David Brubeck

Enquanto músicos negros faziam jazz em Nova York, um branquelo judeu da Costa Oeste tentava fazer o mesmo. E não é que conseguiu ? Acabou criando sua própria linguagem, e deixou para a Humanidade Take Five, em que eu sempre penso quando imagino uma Música Perfeita.

Depois do sucesso estrondoso na década de 1950, saiu em busca da renovação, não encontrando, infelizmente, nada que se comparasse ao disco Time out, de 1959. Ao contrário do outro herói, seu contemporâneo, David Brubeck não se contentou com a eterna repetição de si mesmo, e muito menos foi canonizado em vida.

Ainda assim, a música de David Brubeck, por mais imaterial que seja, preenche mais espaços no espírito do que todos os prédios de Niemeyer e suas toneladas de concreto.

 

 

5 comentários:

Mariana Pessoa disse...

Análise digna de um arquiteto! ;) Belo texto! Beijos!

Pierri disse...

Tinha a necessidade de criar uma arquiterura brasileira.
Como o boçal do Lobão disse uma vez, "a utilidade de prédios em formas de bundas é praticamente nula". Ele tem razão em parte. Mas acredito que se Niemeyer não existisse, a arquitetura brasileira de brasília seria esse pout-pourri de
"kitschs" da Avenida Paulista!

Anônimo disse...

Sempre fiz um paralelo entre o Copan e Cuba de Fidel. Tiveram um início semelhante, no sentido que tudo parecia ser igualitário, organizado e prático, porém vieram a se tornar um perdigueiro desengonçado, sujo e mal-cuidado.

Carol Nomura disse...

Maravilhoso, como sempre, querido professor!!!

Gian disse...

Se pensar bem, Nomis, nunca fui seu professor. = )