O banheiro público coloca em cheque a
privacidade desses atos, criando uma tensão evidente. Penso nisso sempre que
entro em um banheiro público com pessoas de uma certa cultura – que não divulgo
para não alimentar preconceitos – mas que aproveitam o espaço privado, mas nem
tanto, do banheiro público, para soltar gases assim que entram, forçando uma
intimidade nem um pouco desejada.
[Interlúdio psicanalítico: esse chineses
– ops ! escapou ! – agem mais ou menos como aquelas pessoas que contam alegremente
seus sonhos noturnos, sem desconfiar que desvendam mais do seu inconsciente do
que queremos saber. “Gian ! Sonhei que tinha uma joia preciosa que todos
queriam roubar !” ou “Gian ! Sonhei com uma vagina dentada !”. Por favor, me
poupem.]
Lembro que nas escolas inglesas do
século XIX – época de avanços incontestáveis, tanto na higiene quanto na
invenção dos espaços privados – foram criados os banheiros coletivos. Os “reservados”
dentro desses banheiros, eram os únicos espaços privados de que dispunham os
jovens estudantes, normalmente submetidos a dormitórios coletivos, classes
cheias e refeitórios comuns. Para combater “vícios privados”, havia o inspetor
de banheiro, que percorria as latrinas com um pequeno espelho na ponta de um
cabo de madeira: é daí que veio essa forma de controle do emprego de banheiros
públicos, o vão das portas nos reservados.
Há também o antigo mistério dos
banheiros femininos, e do porque as mulheres tendem a ir em grupo ao
banheiro. Durante muito tempo, tive várias fantasias (algumas francamente
eróticas) com as misteriosas atividades que as mulheres desenvolviam durante
suas idas coletivas e demoradas ao banheiro. Mas, felizmente, as redes sociais
desvendaram o mistério: mulheres vão em grupo ao banheiro e lá permanecem muito
tempo para tirar fotos no espelho fazendo biquinho.
Finalmente, há também nos banheiros a
experiência essencialmente privada do olhar-se no espelho. Claro, no banheiro
público o ato é compartilhada, mas traz a lembrança de uma das experiências mais
transcendentais que podemos ter, e que é essencialmente privada: a contemplação do próprio corpo nu em um espelho.
Certamente não existe nenhum interdito
social em contemplar o corpo nu diante da pessoa amada ou em qualquer outra situação
consensual que envolva outros individuos. Todavia, convenhamos que a
contemplação do corpo nu é algo que passamos a maior parte da vida fazendo na absoluta
solidão de um banheiro. E que experiência transcendente é essa ! Lembro de recente operação oftalmológica, que fez com que minha miopia – fiel companheira
desde os 11 anos de idade – desaparecesse. Subitamente, passei a ver a imagem do meu
corpo no espelho na hora do banho, não mais como um borrão meio cor de rosa, mas com todos os
seus detalhes. Meu deus, quantas berebas ! Quem é esse gordo imenso que
ultimamente tenho chamado de “eu” ???
Enfim, quase nunca temos consciência
disso, mas no fundo devemos saber que a mensagem que o espelho nos passa é
sempre a mesma. Como na formulação de Heráclito, jamais somos os mesmos ao nos
olharmos diante do espelho: o corpo está mudando, o tempo está passando.
Espelhos, mesmo quando não querem, nos lembram da finitude da vida.
Os vampiros, imortais que são, não têm imagem
projetada no espelho.