quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Banheiro x público

 
 

          Há uma contradição evidente no termo “banheiro público”. Banheiros são locais de intimidade e atividade privada – o próprio uso desta palavra para designar o vaso sanitário é significativo. Uma parte dos atos realizados em banheiros podem ser compartilhados com outra pessoa, e quando isso acontece geralmente indica uma intimidade excepcional, por exemplo, aquela resultante de uma vida compartilhada. Porém, há outros desses atos que jamais dividimos, mesmo com o ser mais amado na situação de maior proximidade.



 O banheiro público coloca em cheque a privacidade desses atos, criando uma tensão evidente. Penso nisso sempre que entro em um banheiro público com pessoas de uma certa cultura – que não divulgo para não alimentar preconceitos – mas que aproveitam o espaço privado, mas nem tanto, do banheiro público, para soltar gases assim que entram, forçando uma intimidade nem um pouco desejada.
 
 [Interlúdio psicanalítico: esse chineses – ops ! escapou ! – agem mais ou menos como aquelas pessoas que contam alegremente seus sonhos noturnos, sem desconfiar que desvendam mais do seu inconsciente do que queremos saber. “Gian ! Sonhei que tinha uma joia preciosa que todos queriam roubar !” ou “Gian ! Sonhei com uma vagina dentada !”. Por favor, me poupem.]
 
 Lembro que nas escolas inglesas do século XIX – época de avanços incontestáveis, tanto na higiene quanto na invenção dos espaços privados – foram criados os banheiros coletivos. Os “reservados” dentro desses banheiros, eram os únicos espaços privados de que dispunham os jovens estudantes, normalmente submetidos a dormitórios coletivos, classes cheias e refeitórios comuns. Para combater “vícios privados”, havia o inspetor de banheiro, que percorria as latrinas com um pequeno espelho na ponta de um cabo de madeira: é daí que veio essa forma de controle do emprego de banheiros públicos, o vão das portas nos reservados.
 
 Há também o antigo mistério dos banheiros femininos, e do porque as mulheres tendem a ir em grupo ao banheiro. Durante muito tempo, tive várias fantasias (algumas francamente eróticas) com as misteriosas atividades que as mulheres desenvolviam durante suas idas coletivas e demoradas ao banheiro. Mas, felizmente, as redes sociais desvendaram o mistério: mulheres vão em grupo ao banheiro e lá permanecem muito tempo para tirar fotos no espelho fazendo biquinho.
 
 Finalmente, há também nos banheiros a experiência essencialmente privada do olhar-se no espelho. Claro, no banheiro público o ato é compartilhada, mas traz a lembrança de uma das experiências mais transcendentais que podemos ter, e que é essencialmente privada: a  contemplação do próprio corpo nu em um espelho.
 
 Certamente não existe nenhum interdito social em contemplar o corpo nu diante da pessoa amada ou em qualquer outra situação consensual que envolva outros individuos. Todavia, convenhamos que a contemplação do corpo nu é algo que passamos a maior parte da vida fazendo na absoluta solidão de um banheiro. E que experiência transcendente é essa ! Lembro de recente operação oftalmológica, que fez com que minha miopia – fiel companheira desde os 11 anos de idade – desaparecesse.  Subitamente, passei a ver a imagem do meu corpo no espelho na hora do banho, não mais como um borrão meio cor de rosa, mas com todos os seus detalhes. Meu deus, quantas berebas ! Quem é esse gordo imenso que ultimamente tenho chamado de “eu” ???
 
 Enfim, quase nunca temos consciência disso, mas no fundo devemos saber que a mensagem que o espelho nos passa é sempre a mesma. Como na formulação de Heráclito, jamais somos os mesmos ao nos olharmos diante do espelho: o corpo está mudando, o tempo está passando. Espelhos, mesmo quando não querem, nos lembram da finitude da vida.
 
 Os vampiros, imortais que são, não têm imagem projetada no espelho.

 

4 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gian disse...

Bom, eu tava sendo irônico, né ?

Unknown disse...

Claro! Só refleti demais sobre esse detalhe! Hahaha ;)

Anônimo disse...

Há muito tempo não visito seu blog, professor - na realidade, desde alguns meses após ter passado no vestibular.

Mas, de repente, bateu-me um certo sentimento nostálgico da época que tinha tanto tempo para ler seus colóquios.

Este último em especial, bastante interessante. O desenlace da vergonha em expor as intimidades fisiológicas em um ambiente privado paradoxalmente compartilhado.

Isso lembrou-me uma rápida passagem, talvez folclórica, de nosso passado Imperial, em que a Princesa Dª Isabel encontrou-se no desagradável compromisso de inaugurar ou sancionar a lei que criava os mijadouros públicos.

Para amenizar esse problema, foi criado o vocábulo mictório (mictum, mingere), menos vexatório à princesa do que mijadouros.