sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Drops


Silêncio

O blog está abandonado. O último post descreveu uma experiência musical ocorrida quase um mês atrás. Talvez haja uma relação entre este abandono e aquela experiência: qual o sentido da escrita diante daquele choque que tive na Toscana, ao mesmo tempo tão descomunal e tão delicado ? Abandonar o blog significa que passei as últimas semanas em silêncio, mas não foi justamente o silêncio uma parte tão forte da última experiência cultural digna de registro ? Talvez, com meu silêncio, eu apenas tente perpetuá-la.

Ao mesmo tempo, os alegres colóquios escassearam. Os últimos têm sido fragmentados, quebrados. Meu desligamento faz com que pesque apenas fiapos de conversa, minhas intervenções se limitam ao mínimo. Na verdade, são colóquios bem pouco alegres, em que me recolho em pensamentos, nem sempre profundos. Seca a fonte da escrita, não consigo nada além de remoer sentimentos íntimos: assim o blog corre o risco de virar confessional (ao mesmo tempo meu maior medo e fonte das maiores repercussões, quando eventualmente desabafo).

A tela do computador se converte subitamente em um espelho, cuja imagem escondo por trás de um véu de silêncio.

O cerebral e o visceral

O blog nasceu sob a égide da música, falando de Richard Strauss e Igor Stravinsky. Vejo que tenho dedicado cada vez mais tempo à música clássica, dita “cerebral”, desde a freqüência a sala de concertos até um surto de ópera nos últimos dias. Constato que minha dedicação à música clássica começou a crescer no momento em que, anos trás, retomei a vida acadêmica justamente na Filosofia. Haveria alguma relação ? Pois a Filosofia me abriu os olhos para as nuances de significados, para a sutileza do pensamento, para o “cerebral” na sua forma mais elevada. Não estou só: Theodor Adorno (filósofo mais citados nessas cyber páginas) dedicou à música uns bons dois terços de sua copiosa obra.

Filosofia é criar conceitos, escreveu Gilles Deleuze em uma de suas páginas mais legíveis. Francisco Bosco, meu filósofo pop preferido, escreveu que o conceito é “uma pequena batalha que se trava em meio ao caos, a fim de fazer dele ressair, por meio de um meticuloso bordado semântico, uma forma luminosa”. Ouço música quando leio essas palavras.

Todavia, sinto falta do visceral. Da boa música trash que todos aprendemos a gostar quando moleques. Do rock, do blues, do funk de boa safra. Em um dos poucos colóquios do Baixo Verão, manifestei meu desejo de ver um bom show, como um dia eu vi o Black Crowes no Pacaembu ou Van Halen no Ibirapuera ou B.B.King no Velódromo da USP ou Otis Rush na Brixton Academy.

Abro o jornal e está lá: Buddy Guy em São Paulo, 26 e 27 de março. Me apresso a entrar no site, garantir os ingressos. Não conheço a casa de espetáculos, ela tem nome de banco. Vejo o mapa: os lugares são em... mesas ! Mesas ! Provavelmente apertadas mesas, com casais desconhecidos no seu nariz, olhando esquisito cada vez que você faz um comentário sarcástico.

Não existe nada menos visceral que uma mesa. Mesas são boas para agradáveis refeições ou alegres colóquios, mesas são ótimas para escorregarmos sob ou rolarmos sobre. Mas ouvir sentado em uma mesa um som visceral como o do “Sujeito Camaradinha” (sim, foi dessa forma que Buddy Guy teve seu nome traduzido um dia no Brasil, para horror dos que ouviram) ! Imagino quando ele soltar seu vozeirão cantando, berrando enlouquecido “THAAAAAANNNNNGS THAT I USED TO DO !”, eu vou fazer o quê na mesa ? Tamborilar os dedos ? Pegar uma azeitona com um palito ? Ou apenas contemplar o casal suburbano se beijando à minha frente, em sua redoma ?

Impossível. Buddy Guy vai ficar para a próxima

O segredo do sol e da sombra

“Eu gosto mesmo é da penumbra. Não tenho prazer na sombra nem no sol... gosto da mínima luminosidade possível, apenas o suficiente para reconhecer o formato dos corpos”

Tem feito muito sol. A serena chuva que marcou muitos dias de verão deu lugar a essa luminosidade brutal, que começa desde cedo, que fere os olhos e que às vezes termina em um aguaceiro diluviano. Na Itália era o silêncio e agora, de volta aos trópicos, é a luz que afeta meus sentidos. Lá, a ausência, aqui, o excesso. Me vejo na posição do liberto da caverna: “... se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão ofuscados ? Não desviará ele a vista ? ... e quando tiver chegado à luz, poderá com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras ?”(A República, VII). Pois a luz e o calor dos últimos dias me cegam, sem a contrapartida de contemplar o conhecimento verdadeiro.

Na tradição, que remonta a Platão, a luz é sinônimo da razão, da certeza, daquilo que é verdadeiro (e, ao mesmo tempo, bom e o belo). Diante da luz diurna e da luz artificial que copia a luz diurna mesmo à noite, só temos certezas. Conforme escrevo, banhado em luz, sei que meu teclado é um teclado, a tela é uma tela. Porém, se privado de luz, vejo minhas certezas se esvaziaram. As coisas não são mais o que parecem, o teclado subitamente pode ser um piano ou uma caixa de peças quadradinhas, a tela pode ser um quadro, uma janela ou, mais do que nunca, um espelho.

Às vezes, anseio pela penumbra.

13 comentários:

Rachel Loberto disse...

Gian!
saudades de suas aulas! Quanta intelectualidade! É um prazer enorme te encontrar por aqui, neste mar virtual! Vou divulgar seu blog lá na minha página tb! Se gostar de poesias e textos sem fundamentos nenhum, entre lá!
Beijos* Rachel

Autora escondida disse...

Gian tem blog! Que legal! Saudade das suas aulas, foi um prazer ter você como professor!

Renata M. disse...

Gian,

atualmente vc tem sido o meu fil[osofo pop favorito.

E em homenagem às suas reflexões, não gritarei dessa vez.


beijos,
Renata Mazzaro.

N.N. disse...

Gian..

Sou uma leitora assídua do seu blog ,espero cada nova postagem imaginando qual será o novo assunto.Adoro a forma que articula suas experiencias à tópicos filosóficos com reflexões que afastam o blog do tom confessional trazendo ao leitor oportunidades de se interessar por novos assuntos ou se entregar ainda mais aos assuntos com os quais tem mais familiaridade.

O meu encantamento por esse espaço vai além de textos bem escritos ,são as suas recorrentes abordagens ao universo musical o aproximando da fisofia que me despertam.Tais abordagens além de ensinar muito a quem já gosta de música também permite despertar o interesse pela música de concerto por um número considerável de jovens .Devo admitir que fiquei esperando ansiosamente por alguma postagem sobre a significativa mudança que sofreu a OSESP ,ainda mais com tanta política e arte misturadas.

Quanto a sua colocação a respeito da arte cerebral e viceral tenho sempre fortes dúvidas da linha que a divide ,tenho a sensação de que ela se faz bastante tênue .Devo confessar que não conheço nenhum dos nomes que cita como artistas trash ,mas obviamente imagino o que queira dizer ,principalmente por abordar o funk ,o que mais uma vez reforça a idéia do quanto estão próximas as duas formas de música.O funk se liga ao jazz que ao mesmo tempo tem fortes ligações com a musica das salas de concerto européias,claro que aliada a outras influências. Também é válido ressaltar a enorme quantidade de músicos que transitam tranquilamente entre esses universos e olha que não estou sequer me referindo ao crossover que ganhou um notório espaço no mundo musical.Bem, continuo pensando, mas tal divisão,ou qualquer divisão em categorias e padrões me parecem bastante complicados de se aplicar a arte ,nesse caso a música. Mesmo dentro do que trataríamos de música cerebral as divisões existentes dentro dela também se confundem, não existindo uma linha exata de separação, por exemplo entre o romantismo e o modernismo,pelo menos ainda não encontrei.

Olha Gian demorei bastante para criar coragem de escrever aqui, assim como eu, imagino que existam inúmeros de calados que até compreendem seu silêncio mas que torcem para que você volte a se empolgar com os colóquios ,que pelo menos pra mim nunca deixaram de ser alegres.


(P.S. Gian, no fim do ano passado deixei um livro de história da música com vc...será que ainda lembra?? Rs! Bom, caso “já” tenha lido e ainda o tenha ... aceito devoluções...rs!! )


Nayane Nataly

Unknown disse...

Dorga, depois demorei demais pra passar aqui!
Não dá pra competir!! Olha o tamanho do comentário da garota acima!!!!!! Por isso que é bem interessante ser a primeira a comentar! hehe
Bom, como já pôde perceber, não sei oq comentar! =] mas estou aqui só pra fazer presença!!

beijo !

Gian disse...

Rachel/ "Autora Escondida" : claro, fui fuçar seus blogs logo em seguida.

Renata: Renata sem gritos é como um corpo sem alma, um quarto sem livros, uma refeição sem queijos.

(ahn ? que merda é essa de "queijos" ?)

Nayane: as mudanças na OSESP ocorreram quando eu estava em meu exílio anual temporário, comecei a entrar no assunto só agora. Quanto à divisão entre visceral e cerebral, ela certamente é arbitrária. Wagner tem algo de visceral; Coltrane, de cerebral e por aí afora. Acho que fiz a divisão mais para dizer: música não clássica também é legal, todos nós temos nosso repertório de lixo-musical que gostamos e não temos do que nos envergonhar. (em tempo: Coltrane não é trash, claro)

Quanto a seu livro, está lá, guardadinho. Tentei devolvê-lo no fim do ano passado, mas simplesmente não a encontrei.

Dani Lie: GRRROOOOOAAAAARRRRR !!! Heheheheh, obrigado pela presença constante ! Um post sem comentário de Dani é como um corpo... etc.

Pedro Gallo disse...

Olá Gian, faz tempo que não comento aqui, mas acompanho seu blog sempre.

Concordo com a necessidade de ouvir simplesmente rock(barulho para meus pais) de vez em quando. Na verdade eu me surpreendo como posso me sentir levar por certas músicas ou certas bandas, a empolgação e, às vezes, até a agressividade que a música trash desperta em mim(que não sou uma pessoa violenta!!!) são surpreendentes, normalmente ajuda pra ir pro cursinho de manhã enquanto estou no metrô, alivia a tensão.
Mas também me sinto muito envolvido pelo erudito, principalmente quando reservo um tempo só pra apreciar esse tipo de música. Passa-se meia hora sem que eu perceba fico tentando identificar cada instrumento, ou mesmo que tipo de sentimento me vem à mente em cada parte da música. Confesso que desde sua aula do ano passado sobre Abertura 1812-Tchaikovsky não consigo ficar sem ouvi-la pelo menos uma vez por mês. O mais interessante é que o erudito me parece inesgotável, cada vez que ouço percebo coisas diferentes, sejam instrumentos sendo tocados sutilmente, ou um novo sentido para a mudança de ritmo, ou algo parecido.
Bem esse comentário foi mais um desabafo, mas espero que o leve a alegres colóquios =D

Sentir disse...

A penumbra dá espaço aos "mil platôs", deixando aquele que não consegue ser feliz no mundo das luzes encontrar a felicidade num mundo criado, floreado, fantasiado....enfim, que só pode ser feliz num mundo que não é real.

Gian disse...

E talvez seja por isso mesmo que eu esteja ansiando pela penumbra. As luzes às vezes me cansam, só isso.

Sentir disse...

Eu o que?
Lembra de mim? D-U-V-I-D-O

Unknown disse...

Talvez esteja na hora de postar, mas talvez só!! Sem pressão!!

Nahla Ibrahim Barbosa disse...

NÃO ABANDONE!!!!
POR FAVOR!!

Jóhyiss disse...
Este comentário foi removido pelo autor.