quinta-feira, 1 de março de 2012

Cadê a sanidade ?


Esporte é chato. Muito chato. Mens sana in corpore sano só pode ter sido uma ironia dos romanos, aqueles brincalhões. Além disso, a expressão “uma mente sã em um corpo são” carrega uma contradição em termos, como observou A.J.Liebling, meu gordo favorito. Uma mente sã é aquela que demonstra sua capacidade de discernimento ao escolher deliberadamente ingerir coisas que eventualmente provocam efeitos negativos no corpo, mas que são boas, que ampliam seu repertório de experiências – portanto de conhecimento – sobre o mundo, vá lá, fenomênico. Por outro lado, a manutenção de um corpo são é uma meta que, se levada às últimas consequências, implica em viver trancafiado em um bunker de concreto anti-terremoto, anti-tsunami, anti-nuclear, alimentando-se exclusivamente de, sei lá, leite materno. O que não me parece um modo de vida que expresse sanidade mental. E, cá entre nós, a história do século XX seria bem diferente se o pessoal da cervejaria em Munique desconfiasse um pouco do rapaz de bigodinho que só bebia água mineral.
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Os esportistas e professores de esporte sabem disso, e tentam seduzir os leigos inventando novas modalidades de esporte, cada vez mais bizarras. O objetivo é atrair a feliz massa de sedentários e, quem sabe, salvar suas vidas. Comecei a reparar nisso da primeira vez que ouvi falar em “Pilates”, atividade física cujas características ignoro, mas cujo nome bíblico me encanta. Está aí uma atividade em que o aluno não se responsabiliza pelos resultados. Ou ainda, no glorioso Tênis Clube, cuja atividade de maior sucesso no verão foi nada menos que Acqua-TaiChi-KungFu.
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Espera aí. Tai Chi e Kung Fu ? E dentro da piscina, ainda por cima ? Por mais que eu seja um completo ignorante em artes (?) marciais, me parece que é bem difícil uma conciliação entre Tai Chi e Kung Fu. Até onde sei, o Tai Chi está para o Kung Fu assim como o chá de camomila está para o expresso doppio. Ou como Elton John está para o Sepultura, como Geraldo Alckmin para qualquer outra pessoa, ou ainda como uma sopa de legumes para o sanduíche Psicodélico do Guanabara (copa, queijo roquefort, aliche e picles, lá no Bar Guanabara, no centro. Eu acrescento pimenta).
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Há sempre aqueles que usam os argumentos científicos, em uma época de culto in extremis à felicidade. A atividade física faz o corpo produzir uma substância química (hummm... endorfina ?), que provoca no organismo uma sensação de prazer e bem-estar. Como assim, prazer e bem estar ? E quanto ao cansaço, esgotamento e suores ? Olha, não consigo imaginar coisa menos prazerosa do que a atividade física, e devo confessar que poucas coisas me provocam menos felicidade do que o sofrimento físico auto-impingido. (Nessas horas, me ocorre um episódio atribuído a Vinícius de Moraes, saindo de um bar no Rio de Janeiro. Já com o sol nascendo, percebeu que os primeiros entusiastas do esporte começavam a correr no calçadão diante da praia. De dentro do táxi, não se conteve e começou a gritar pela janela: “Canalhas ! Pulhas !”).
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Se por um lado é divertido explorar radicalmente a crítica ao esporte, por outro não tenho lá muita vontade de morrer tão cedo: pratico natação, duas ou três vezes por semana, 30 ou 40 minutos de cada vez. Gosto da sensação da água no corpo, gosto de sentir meus movimentos em outra dimensão. Mas cada vez que saio da piscina, lembro das palavras de Martín, no filme Medianeras (um daqueles filmes argentinos tão infinitamente melhores que os nossos): gosto de nadar. Mas odeio tudo aquilo que precede ou se segue ao ato de nadar: fazer a mochila, ir ao clube, frequentar o vestiário, trocar de roupa, usar touca e óculos de natação, fazer exame médico, enxugar, tomar banho fora de casa, ficar com cheiro de cloro, descobrir estranhas berebas na perna. Isso para não falar da fome brutal que a natação provoca, do sono pavoroso, além daquela irascível vontade de urinar que começa assim que se entra na água.
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Não há dúvida, esporte é chato, muito chato.
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(PS.: na foto, a Juventude Hitlerista pratica arremesso de granadas, esporte muito popular na Alemanha da época)

6 comentários:

Pierri disse...

Consegui muitas coisas na minha vida graças ao esporte. Aprendi na marra, o significado de palavras como determinação, força de vontade, gana e garra.
Entendi a importância de uma rotina, e por mais positivista que pareça, aprendi a importância de uma certa ordem.
O esporte aumentou minha resistência perante à vida em todos os momentos de sofrimento que tive vontade de desistir. Imaginava-os como um treino difícil, daqueles em que eu não via a hora de terminar. Entendi, que é com grande esforço apenas que chegamos aos resultados.
Toda consquista é fruto de luta e de esforços constantes e há é claro o sofrimento, mas muito bem compensados se souber reagir a ele. Tirar proveito dele para criar algo maior.
Mas concordo com você quanto a essa multiplicação de atividades físicas bizarras. A yoga por exemplo (atividade que pratiquei por muito tempo "before it is cool"), hoje não passa de uma massa de professores desclassificados, que a vendem como um pacote espiritual.
No mais, considero o esporte uma grande metáfora a todas as adversidades da vida.
Eu não quero parecer aquele capitalista idiota que acredita que será o Steve Jobs se muito trabalhar. Ou que assiste aos programas que mostram a infância triste de Silvio Santos e de Johnny Depp. Estamos inevitavelmente e inapelavelmente encubados em muito do nosso meio, carga genética e condição social, claro. Mas por experiência própria, só desfruta da bela vista do topo de uma montanha quem chegou nele por baixo, superando as adversidades do caminho.

Grande abraço, Gian.

Unknown disse...

COMER é um esporte.( e um dos favoritos!)

O esporte pode ser visto também não como uma modelação de corpos, mas como uma gratificação.Não há sensação mais fantástica no mundo do que a de uma vitória.

Mas voltando ao nosso glutão, A. J. Liebling: concordo que algumas coisas boas, servem para serem experimentadas sucessivamente, compulsivamente.Mas até Liebling não escapou ao pugilismo não é mesmo?!

Tudo que é compulsivo e sucessivo, se não leva à autodestruição, leva ao tédio.O sedentarismo é comum em entediados.E entediados , convenhamos, são chatos.

E nada melhor que, nos intervalos entre uma refeição e outra, em meu tempo livre , eu tenha tempo também pra natação, e que elame deixe com bastante fome para meu próximo banquete.

PS: Vc nada pra comer ? Ou come pra nadar?

Gustavo Chamati disse...

Gian,
Apenas para deixar o registro de mais um ex-aluno (Sergipe 99) que passa a ser leitor.
Um abraço!

jotacosteleta disse...

Nós não somos ensinados e incetivados a praticar esportes. Na minha universidade temos apenas uma quadra de cimento descoberta para 3 mil alunos. Por que será que é chato?

Cold Heart disse...

O esporte é uma forma de autoconhecimento. A partir da prática do esporte aprendemos a lidar com os nossos piores eus, treinamos o corpo e a mente e conseguimos aprender valores como esforço, força de vontade, determinação, disciplina. Sinto dificuldade em explicar...

Esse papo de "esforce-se porque depois valerá a pena, blabliblu" é mais evidente na prática dos esportes porque, se tudo der certo, você literalmente sobe num pódio e recebe aplausos, tira fotos, um moço charmoso coloca a medalha no seu pescoço, centenas de pessoas olham para a sua cara e, se estivesse num The Sims, a barrinha de satisfação estaria branca e brilhante. Até quem não gosta de aparecer no meio da multidão acaba gostando porque faz um bem danado. Esse bem-estar sentido por atletas é análogo a... Receber nota máxima no TCC, acertar a mão na receita e obter sucesso, receber um elogio de alguém que admiramos muito, fazer amor com amor, ... . (Acabaram-se as minhas referências)

Esportes coletivos ensinam muito a trabalhar em equipe e também a importância dos outros. Bom para quem acha que é o umbigo do mundo. E acho legal a ideia de "quero ser melhor para o time melhorar", "quero fazer um bem para as coisas melhorarem", esse bem querer todo. Ele se espalha, embora não com a mesma velocidade do ódio.

E há também o êxtase. Suor incomoda? Sim. A pele fica grudenta? Ahã. Cansa? Muito. E revigora também. A endorfina é tão potente que parte dos melhores antidepressivos são produzidos a partir dela. Não sei se são como o "soma", mas dizem que dá uma sensação estranhamente agradável.

Gian disse...

The Sims !