Eu
acreditaria somente em um deus que soubesse dançar
Nietzsche,
Zaratustra
Não sei dançar. Nunca soube. No começo,
eu disfarçava, como todos disfarçavam nos bailinhos da pré-adolescência. Praticava-se
lá algo vagamente parecido com o dançar, em que garotos e garotas se atracavam
ao som de baladinhas românticas no salão de festas do prédio. Nesse estranho jogo,
os casais se abraçavam, com uma certa distância, e os meninos tentavam puxar as
meninas cada vez mais para perto, enquanto as garotas faziam força para manter os
corpos longe. Ignoro a sensação das meninas, mas para meninos de 13 anos, esse
jogo de empurra era de uma sensualidade brutal. Ficávamos francamente
excitados, e as piadas tornavam-se inevitáveis. O garoto se aproximava da
garota que, surpreendentemente cedia e permitia que seus corpos se tocassem,
enquanto Marvin Gaye cantava Heard it
through the grapevine em um disco de vinil. A garota, sentindo um volume na
calça do menino, perguntava, maliciosa: “Nossa, o que é isso que você tem no
bolso ?”. O garoto, se achando mais esperto, respondia: “É Halls” – e
acrescentava, cheio de malícia: “Você quer ?”. Ao que a garota dizia,
reafirmando seu controle da situação: “Não quero, dá pra perceber que o pacote
já tá no fim”.
Com o tempo, ficaram para trás os bailinhos bobos em que não se dança de verdade e surgiram aquelas infinitas situações sociais nas quais as pessoas são quase obrigadas a encarar uma pista de dança. Foi quando eu comecei a perceber minha total incapacidade para dançar. Não adianta. Já tentei de tudo. E o momento mais difícil para pessoas que não tem a mínima capacidade para a dança, é quando alguma boa alma, geralmente uma garota, resolve ensinar a dançar. São momentos constrangedores. Empolgados, aceitamos a oferta e vamos para a pista, só para passar por situações terríveis. A mais comum é quando a dedicada “professora” nos diz, “Não se preocupe, é fácil, é só dar dois passos pra lá e dois para cá”. Em seguida a pessoa exemplifica o movimento e você percebe que aquilo que ela faz é muito mais do que simplesmente dar dois passos pra lá e dois pra cá. Seus braços se movem, o corpo balança, a cintura requebra...como fazer tudo isso, meu deus, e ao mesmo tempo ? E você, perdido no meio da pista, dá dois passos pra lá, dois para cá, exatamente como foi ensinado e é incapaz de fazer qualquer outro movimento, provocando sorrisos piedosos e desvios de olhar constrangidos .
Com o tempo, ficaram para trás os bailinhos bobos em que não se dança de verdade e surgiram aquelas infinitas situações sociais nas quais as pessoas são quase obrigadas a encarar uma pista de dança. Foi quando eu comecei a perceber minha total incapacidade para dançar. Não adianta. Já tentei de tudo. E o momento mais difícil para pessoas que não tem a mínima capacidade para a dança, é quando alguma boa alma, geralmente uma garota, resolve ensinar a dançar. São momentos constrangedores. Empolgados, aceitamos a oferta e vamos para a pista, só para passar por situações terríveis. A mais comum é quando a dedicada “professora” nos diz, “Não se preocupe, é fácil, é só dar dois passos pra lá e dois para cá”. Em seguida a pessoa exemplifica o movimento e você percebe que aquilo que ela faz é muito mais do que simplesmente dar dois passos pra lá e dois pra cá. Seus braços se movem, o corpo balança, a cintura requebra...como fazer tudo isso, meu deus, e ao mesmo tempo ? E você, perdido no meio da pista, dá dois passos pra lá, dois para cá, exatamente como foi ensinado e é incapaz de fazer qualquer outro movimento, provocando sorrisos piedosos e desvios de olhar constrangidos .
Percebendo minhas dificuldade, alguma
alma filantrópica diz, “Mexa os quadris !”, e eu penso comigo: “Que quadris ?” Também
existe aquela famosa instrução: “Feche os olhos e deixe seu corpo se soltar”.
Como assim ? Tá achando que eu sou Robert de Niro em As idades do amor ? Impossível. Em uma situação dessas, se eu
deixar meu corpo se soltar a única coisa que ele vai fazer é sair correndo para
longe desse local de tortura e humilhação pública que é a pista de dança.
A essa altura da vida, já desisti de
dançar. Sobretudo, desisti de dançar junto, “conduzindo” um par, como dizem no
jargão. Não quero transformar minha falta de habilidade em humilhação pública
imposta a outra pessoa. Quando muito, limito-me a tentar dançar sozinho, e isso
quase sempre significa manter os pés colados no chão e mover levemente o
corpo para cima e para baixo, vagamente ao som da música e com os braços sem
saber muito bem o que fazer. Na verdade, danço igualzinho ao garoto do vídeo
acima.
E não me importo nem um pouco. Lembro da
frase de Nietzsche, sobre um deus capaz de dançar. A incapacidade de dançar faz
com que eu me reconcilie com minha Humanidade e suas limitações, faz com que eu
perceba que devo ser humilde e manter os pés no chão – aliás, igualzinho a quando
eu tento dançar . Sou um ser humano, e não saber dançar me ajuda a lembrar da
minha finitude e precariedade, da minha ignorância e impotência. Ainda tenho muito o que aprender.
8 comentários:
Isso me lembra: http://www.youtube.com/watch?v=WLxw8SGA_ew&feature=related
Mas para dançar não tem que seguir regra nenhuma é só se soltar mesmo! Agora, dançar bem é outra história hahaha
Esse primeiro paragrafo ta super com cara de desabafo hein Gian!
Viu ? Tá vendo ? É sempre assim, "é só se soltar" !!!
"E não me importo nem um pouco."
Tua frase diz tudo.Ninguém no mundo sabe dançar.
Nem o coreógrafo, nem a dançarina de salsa ou axé, nem mesmo a bailarina mais premiada.
Afinal, tudo não passa de passos minimamente coordenados que a coitada tem que fazer?
E aposto uma coxinha pra ver você dançando All the Single Ladies.
Tenho me deliciado com o seu blog ultimamente. Bom poder continuar tendo "aulas" com você.
Bjs
Fala Gian. Fui seu aluno em 2009 e penso que depois desse tempo tenho saudades das suas aulas. Se vc não sabe dançar, vc tem que aprender com as suas aulas e deixar as coisas fluirem sem levar isso a sério. Se expor ao ridículo mesmo entende? Pq daí vc vai ser engraçado e dançar à sua maneira.
É engraçado que ao ler os comentários, vejo como as pessoas se prenderam aos detalhes do ato de dançar em sí, as histórias que você relacionou e com isso até alguns conselhos surjam aqui. Não condeno nenhum desses comentários, mas fico até um pouco decepcionado de que nenhum deles tenha entendido talvez a essência de seu texto. Pode ser insolência da minha parte afirmar isso, mas acredito que no final, a dança foi só o símbolo usado para se referir a uma filosofia bem mais profunda: a relação de superioridade e inferioridade do homem para com sí mesmo, suas próprias limitações. Elogio suas palavras ao concluir, afinal todos nós temos muito que aprender, e não para superarmos todas as nossas limitações nessa dança que é a vida por inteira, mas talvez para simplesmente no final.. aprendermos a seguir essa dança.
"Solte-se, jogue os pés, balance os quadris, mova-se com graça" é a coisa mais difícil de se fazer no mundo inteiro. É preferível resolver um problema de polinômios, ou ser colocada num tatame para lutar contra duas pessoas com o dobro do meu peso, a dançar, em público ou não.
A dança é um movimento rígido muito mole. Algo como uma pasta de amido de milho, Maizena, e água. Acho que é isso o que a torna tão difícil.
A dança é um "descontrole controlado" dos movimentos do corpo. Cada parte se movimenta como se soubesse como se movimentar e as pessoas dançam sem perceber como dançam, simplesmente dançam porque seus membros dançam sozinhos. A dificuldade está em aprender a dança ou em permitir esse "descontrole"?
A insegurança, o medo do desequilíbrio, a rigidez, o nosso Eu segurando a nossa mão dizendo: "atenha-se ao que sabe - ou o que não sabe" mantêm nossos pés grudados ao chão. Para dançar, é preciso permitir-se isso, perder um pouco o chão, arriscar-se. São coisas fáceis para uns, dificílimas para outros, mas aos pouquinhos... Aos pouquinhos os passinhos saem.
Quando penso em dança me vem à mente:
"heaven, I'm in heaven,
and my heart beats so that I can hardly speak
and I seem to find the happiness I seek
when we're out together, dancing cheek to cheek"
(E, claro, Dirty Dancing, mas isso não vem ao caso)
Acho que é assim que vamos aprendendo a dançar, segurando timidamente a mão de alguém, sentindo o coração da outra pessoa palpitando junto ao nosso. Isso nos dá a vontade de arriscar e, quando fazemos isso, conseguimos desprender os pés do chão, pairando no ar.
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