segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Sobre deuses e cães




Alguns dos que acreditam em deus partem de princípio de que sua crença é universal, e chegam até a se colocar em uma posição de superioridade moral em relação aos que não acreditam. Muitas vezes agem como se fosse detentores de uma certa verdade, e os que não acreditam em deus merecem deles ou um olhar de pena, na melhor das hipóteses, ou de hostilidade, como é cada vez mais comum.

Para muitos não basta acreditar em deus, sendo necessário manifestar visivelmente essa crença. Na Inquisição, os que não praticavam essas manifestações visíveis eram suspeitos, o que por si só já valia muitas vezes uma sentença judicial.

Alguns dos que acreditam em deus não conseguem separar a esfera religiosa das demais, e colocam sua religiosidade numa posição superior em relação às outras: projetam a religiosidade no seu próprio entendimento das coisas. São chamados de fundamentalistas, e temo que se tornem maioria um dia.

Os fundamentalistas atribuem significados novos a certas palavras, significados carregados de valoração e distantes de seu conceito original. Assim, “ateísmo” se transforma em uma opção inconcebível (chegando mesmo a causar estranhamento quando afirmado claramente), quando na verdade o ateu muitas vezes chegou a essa posição após uma reflexão filosófica elaborada, que muitas vezes falta aos que seguem as fórmulas fáceis da religião.

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Alguns dos que possuem cães partem do princípio de que seu gosto é universal, e chegam até a se colocar em uma posição de superioridade emocional em relação aos outros, (chamados “insensíveis”). Muitas vezes agem como se fosse detentores de uma certa verdade, e os que não gostam de cães merecem  deles ou um olhar de pena, na melhor das hipóteses, ou de hostilidade, como é cada vez mais comum.

Para muitos, não basta gostar de cães, sendo necessário manifestar visivelmente esse gosto. Em certos círculos, os que não praticam essas manifestações visíveis são suspeitos, o que por si só já vale muitas vezes uma sentença moral.

Alguns dos que possuem cães não conseguem separar a posse de animais do universo do convívio social, e colocam as necessidades de seu animal numa posição superior à da vontade das pessoas: usam-nas para orientar as práticas de seu próprio cotidiano. São chamados de fundamentalistas, e já são maioria desde há muito.

Os fundamentalistas atribuem significados novos a certas palavras, significados carregados de valoração e distantes de seu conceito original. Assim, “prender o cachorro” se transforma em uma exigência inconcebível (chegando mesmo a causar estranhamento quando proposta seriamente por alguém), bem como uma punição ao pobrezinho, quando na verdade o próprio animal, incapaz de discernimento, jamais irá entender assim.


Não tenho dúvida que deuses e cães têm a estranha capacidade de promover a suspensão da racionalidade.

6 comentários:

Unknown disse...

-Ou seja, você é ateu. Pensa que não há nada antes nem depois desda vida. Isto é ser ateu, não é?
-Estamos nos metendo em coisas profundas-exclamou don Rigoberto. - Eu não sou ateu, porque um ateu também é um crente. Ele crê que Deus não existe, não é mesmo? Eu sou mais agnóstico, se é que sou alguma coisa. Uma pesso que se declara perplexa, incapaz de acreditar que Deus existe ou que Deus não existe.
-Ou seja, nem uma coisa nem outra-riu Fonchito.-É uma forma fácil de fugir do problema, papai.

->Um trecho do livro "O herói discreto": Mario Vargas Llosa.

Me sinto que muitas vezes os ateus também tentam manifestar a sua posição e também olham os que acreditam em Deus com um olhar de pena também.
Talvez as pessoas que acreditam que são incapazes de acreditar que Deus exsite ou não, ou seja não têm uma opinião própria, são pessoas que desviam das pelêmicas... Mas por outro lado talvez se sintam uma vida sem cores por não ter uma opinião que possam defender e se sintam superior dos demais.

Isso foi um pensamento que veio na minha cabeça enquanto lia o seu texto muito bom como sempre!

L.I.N.D.Ô!!

Anônimo disse...

Tenho dúvida quanto a deuses - Kierkegaard e Tomas de Aquino, p.e., não me parecem ausentes de razão -, no entanto, não vejo nada, além de pura irracionalidade (e carência afetiva) naqueles que optam por adotar um cachorro.

Gian disse...

Pois eh, Ji Min, quando escrevi o texto estava pensando bem pouco em deus: a idea principal era provocar os donos de caes.

Mas, sobre deus, vc foi direto ao ponto: muitas vezes os ateus tambem olham os, digamos, "crentes", com um olhar que e misto de pena com arrogancia. Alias, a propria expressao que utilizei, "o ateu muitas vezes chegou a essa posicao apos uma reflexao filosofica elaborada", se pensar bem, eh de doer. Entao quer dizer que o filosofo eh melhor que as outras pessoas ? Francamente, isso comeca a cheirar mal.

Enfim, para alem dos caes, o argumento todo gira em torno dos que aceitam as coisas sem parar pra pensar. Ou que acham que sua razao ou sua crenca as fazem melhor que as outras pessoas.

Finalmente, quer saber uma coisa que me perturba (no bom sentido) bastante ? Aqueles que chegam a deus depois d euma profunda reflexao filosofica. E aqui acho que estou falando com vc tambem, meu caro principe D.Pedro. O espaco aberto para o debate torna-se saborosissimo.

Gian disse...

Seja como for, o comentario do principe D.Pedro (que raio de apelido !) nos remete de volta ao alvo principal: caes e donos de caes.

Anônimo disse...

Minha opinião a respeito de sua perturbação, ainda que ausente de qualquer conhecimento teológico, é a de que nada há de incomum se chegar a deus (ou Deus) após questionamentos filosóficos.

Acho que a razão e a dúvida são elementos essenciais à fé. Talvez na Idade Média, a imposição de dogmas e proibição de questionamentos estivesse mais ligada à manutenção do poder político-social da Igreja do que com a efetiva realização espiritual.

Não defendo uma posição gnóstica da religião, mas entendo que a fé, vez que a herdamos de nossos pais, em algum ponto de nossas vidas, precisa ser questionada.

Uma posição socrática em frente à religião, talvez. Não entendo como seja possível "amar a Deus sobre todas as coisas", se antes você não compreender quem Ele é e qual sua relação com Ele.

Não somos criaturas de amor.

Talvez a posição de São Tomé diante da ressureição não seja tão condenável. Mas a "bronca" que Cristo lhe deu seja mais em virtude do apóstolo subordinar sua fé a uma constatação física, quando Deus e seus milagres não possuem fundamento humano/lógico/físico.

"Bem-aventurados os que não viram e creram"

Não sei o quanto posso estar fazendo-me pouco claro, mas o que quero dizer é talvez a interpretação dessa passagem não seja quanto à dúvida, mas quanto à prova que Tomé necessitava para crer.

Quanto ao apelido era em virtude da temática de um blog que eu tinha quando era seu aluno. De tempos em tempos, retorno aqui e as vezes intervenho.

Unknown disse...

Gian, adorei o texto... como sempre. Abraços. Furu