Chamo de pensamento
em feixes uma certa forma de entendimento ou de apreensão da realidade fundada
no agrupamento de conceitos básicos em conjuntos de definições
facilmente manejáveis: os feixes assim formados podem ser rotulados sem dificuldades
e, para uma facilidade maior ainda no seu manejo, tendem a ser agrupados em
pares do opostos, com a consequente tendência
ao maniqueísmo e à simplificação.
Trata-se de uma
forma instrumental de lidar com a complexidade das coisas, oferecendo a possibilidade
de responder a demandas do cotidiano e posicionar-se diante de diversas
situações. É também uma forma de sociabilidade, na medida em que oferece facilmente
a possibilidade de emitir opinião, sobretudo em discussões pouco profundas, rápidas ou em meio a
um ambiente politizado, por exemplo, no corpo discente universitário.
A origem do
pensamento em feixes é dupla: em primeiro lugar, a herança da Revolução
Francesa, que tirou das costas do homem o peso do destino traçado desde o
berço. Em um mundo aberto às possibilidades, ter uma opinião e entender as
cosias do mundo para tornar-se dono do próprio destino passa a ser um
imperativo. Em segundo
lugar, a oferta cada vez maior de informações oferecida pelos meios de
comunicação de massa, processo que caminha lado a lado com a própria aceleração
do ritmo da vida. O tempo de reflexão já desapareceu desde há muito,
substituído pela prática incessante da atividade, seja no trabalho, seja em seu aparente oposto, o lazer, que é basicamente a imagem
invertida do trabalho: o seu espelho pois também implica no
fazer algo. A atividade é
transformada em verdadeiro culto, sendo realizada sempre no tempo presente, um
tempo que nunca acaba e que tem a estranha propensão de anular o futuro e
apagar o passado. O totalitarismo do presente não apenas empobrece a
experiência como esgota o pensamento, que não vxiste fora da temporalidade.
Muito do que
chamamos de educação consiste em exercitar o pensamento em feixes, quando os professores oferecem a farmácia completa, com os rótulos já
afixados em grupos de ideias prontas. Muitos textos rasos da internet - às vezes seguindo fórmulas de
140 caracteres - produzem o pensamento em feixes. A linguagem empobrecida,
manifesta, por exemplo, no uso desmedido de adjetivos, produz pensamento em
feixes. Certas modalidades do radicalismo político produzem o pensamento em
feixes, uma vez que necessitam do maniqueísmo.
Existe, porém,
uma porta de saída desse mundo cheio de rótulos que já não dizem mais nada.
Trata-se do resgate do conceito, do “árduo trabalho do conceito”. Ao invés da
definição estreita, a construção do conceito que só pode ser feita através do
diálogo, no sentido platônico mesmo do termo: do embate amigável em que ideias “se
esfregam” umas às outras, se esfarelando, começando novamente, criando novas
ideias e tentando desenhar um caminho rumo ao entendimento. Há que se abrir
espaço ao diálogo, lembrando que sem a leitura de textos e a prática da
reflexão poucos diálogos se sustentam.
2 comentários:
Gian!
Quando vc fala de resgate de conceito, quer dizer um conceito feito a partir de análises atuais, ou fala de um resgate das raízes de um conceito?
Por exemplo, analisar uma teoria como a do Marx, fixando nas características originais, ou se apoiar nelas pra trazer o conceito pro presente, e consequentemente ter que adaptar certos pontos?
Não sei se consegui explicar bem a pergunta...
Entender um conceito implica em considerar "suas raizes" (ou seja, seus significados possiveis no momento em que foi formulado) e as "analises atuais" (ou seja, as mudancas de significado que ocorreram ao longo do tempo, e porque ocorreram, e quais as implicacoes). Dasi eu ter falado no arduo trabalho do conceito, uma vez que ele nao se encerra em uma formula pronta, que muda ao sabor dos tempos.
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