quarta-feira, 22 de abril de 2009

Aperçus sobre uma viagem a Santos



A primeira viagem que fiz na vida, com alguns meses de idade, foi para Santos, em algum verão perdido no século passado, conforme registram a memória familiar e um par de fotos desbotadas. Voltei lá muitas vezes quando criança, a ponto de não conseguir mais frequentar aquela cidade sem ser provocado pela memória a cada passo. Porém, além do aspecto pessoal, uma viagem a Santos significa “descer a serra”, expressão que sempre me intrigou. De fato, quando nos deslocamos de carro por aí, saindo de São Paulo, temos a possibilidade de “descer a serra”, “ir para o interior” ou mesmo “subir para Campos”.

“Ir para o interior” sempre me soou como algo ensolarado, que traz consigo a possibilidade de encontrar a família e os amigos. Ir para o interior é tomar cerveja, pular na piscina, fazer churrasco. Por outro lado, “subir para Campos” soa como uma falsidade, afinal a subida nem é tão alta assim. O aspecto fake de Campos do Jordão, com sua arquitetura vagamente alpina e seu novo-riquismo brega, favorecem o ar de enganação generalizada. (Entre Pingüim e Baden-baden já fiz minha escolha).

Já “descer a serra” tem algo de transcendente. Levando em conta a história do país e um certo ideário nacional, descer a serra soa como voltar as origens, retornar ao litoral é como dizer não ao interior, dar as costas ao sertão, cuja conquista seria o próprio sentido da nossa existência. Se procuramos nossa identidade olhando para o sertão, o retorno ao litoral só pode significar um retorno mais profundo às origens (ou às origens mais profundas). Quando descemos a serra, já não queremos mais procurar nosso ego, pelo contrário: colocamos em cena estratos mais obscuros da nossa mente.

No caminho para o litoral, existe um momento em que a cidade acaba e tem início o trecho da serra propriamente dita. Mudam os ruídos e percebe-se, sobretudo, aquele bafo quente que vem da floresta tropical. Claro, suponho que a janela esteja aberta, ar condicionado desligado e uma estrada que não seja a Imigrantes com seus duzentos túneis. Tão perto da cidade grande, uma floresta densa, com estranhos barulhos de animais (aves e insetos certamente), com cheiros que se percebem mesmo passando em alta velocidade de automóvel: flores, folhas, frutas caídas. Aquela floresta pulsa de vida, de umidade, algumas vezes pensei como seria descer do carro e me misturar àquela floresta e me dissolver no meio do calor e umidade, passando a fazer parte daquilo. Tornando-me elementar no meio dos elementos, regressando à Terra mais primordial.

Neste feriado, desci a serra com o objetivo de visitar o Centro histórico de Santos. A ligação da cidade de Santos com o interior cafeeiro ainda é marcante, seja na história do porto, na grandiosa Bolsa de Café (hoje Museu do Café) ou na preocupação com que se tira café nos botecos, que anunciam orgulhosamente a venda de café “Tipo Santos-Exportação” moído na hora. De fato, o Centro da cidade recende a café.

Ainda há muito o que ser feito no Centro, a restauração dos últimos anos (circulação do bonde elétrico, Estação Ferroviária, Teatro Coliseu) ainda não desfez seu aspecto de decadência generalizada. É necessária muita dedicação para fazer da visita ao Centro de Santos algo que valha a pena, o turista acidental não vai achar muita graça em uma região tão caindo aos pedaços. Porém, toda ruína tem seu encanto e, nos casarões do Valongo (parcialmente destruídos por um incêndio na década de 1980), algumas belas paisagens decadentes se apresentam, algumas fotos interessantes foram possíveis (por exemplo, a que ilustra o post). Na paisagem arruinada, a lembrança de Havana, Cuba, foi inevitável: palacetes convertidos em cortiços, pessoas vivendo em condições precárias em meio a ruínas daquilo que foi grande, luxuoso.

Na cidade quente e úmida, pulsa a vida e a luta pela sobrevivência, assim como na floresta lá do alto da serra.

5 comentários:

Anônimo disse...

gian, o que é "aperçus"?

Gian disse...

Particípio passado de "apercevoir". Literalmente, "percebido", "visto". Melhor ainda: "insight".

Unknown disse...

"Entre Pingüim e Baden-baden já fiz minha escolha"
MEEEESSSTREEEEE

:...algumas vezes pensei como seria descer do carro e me misturar àquela floresta e me dissolver no meio do calor e umidade, passando a fazer parte daquilo. Tornando-me elementar no meio dos elementos, regressando à Terra mais primordial."
BELA IMAGEM

A.Murasaki disse...

Repetiria o "Bela imagem" como um comentario para o post, mas quem sabe o "descer a serra" também não anda carregado de uma inteção similar a "subir para Campos"? Afinal, é preciso certa dedicação para achar graça no Centro de Santos... e reforço a idéia com a possibilidade de usarmos os duzentos tuneis, ligarmos o ar condicionado do carro e nem nos darmos conta do trajeto percorrido.
Mas deve ser mesmo uma imagem que remete a infância; ir para o interior me parece muito mais transcedental. Ou talvez o encanto esteja puramente no propósito que se tem ao arrumar as malas no carro e pegar a estrada. De qualquer modo, o importante, com certeza, é submeter-se a viagem.
O relato abriu, de fato, uma vontadezinha de voltar pra Santos com outros olhos...

Pierri disse...

"Quando descemos a serra, já não queremos mais procurar nosso ego, pelo contrário: colocamos em cena estratos mais obscuros da nossa mente."
O ambiente importa e influencia... Toda vez que falo isso aqui em casa, sou muito reprimido com frases do tipo "é só areia e água" ou "quando vc tiver o seu dinheiro vc vai quantas vezes quiser"...
Mais sei lá, toda vez que estou "no caminho para o litoral", a primeira imagem que me vem à mente é essa (talvez por causa da ordem das coisas: estrada, serra, apartamento...) e, é bem na serra que se nota a diferença.
Parece que nessa loucura de São Paulo, nós também adquirimos esse ritmo frenético. Ficamos limitados (e muito) dos nossos sentidos por motivos óbvios.
Não sei quanto a vocês, mas toda em que estou na praia sinto-me em equilíbrio. Consigo dissolver alguns conflitos que surgiram, e eu nem me dei conta aqui, na terra da fumaça.
Com o barulho do mar, o balanço das ondas, a areia entre os dedos, a brisa e o sol, lá eu me encontro.
((((Desabafo de quem busca essa vida))))
Parabéns pelo blog e pelo professor que é Gian