quinta-feira, 30 de abril de 2009

Nuit Blanche



Lá pelos lados do Círculo Polar Ártico, as noites costumam ser muito longas numa certa época do ano. Em São Petersburgo, antiga capital da Rússia, desde há muito existe o hábito de celebrar a noite mais longa do verão, a “noite branca”, com uma série de festas ao ar livre, envolvendo música, dança, banquetes, fogos de artifício, e que duram até as primeiras horas da manhã. A partir dos anos 90, para celebrar a unificação de Berlim pós-Guerra Fria, um evento semelhante começou a ocorrer anualmente na cidade. Algum tempo depois (2002), o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, inaugurou a primeira “Nuit Blanche”, que passou a inspirar eventos semelhantes em todo o mundo. Em São Paulo, a Noite Branca (chamada de Virada Cultural) ocorre desde 2005.

A Virada Cultural representa talvez o único momento do ano em que São Paulo transforma-se em uma cidade em que vale a pena se viver. A meu ver o que dá gosto a uma cidade são aquelas pequenas surpresas que se espalham pelo tecido urbano: vira-se uma esquina e algo provoca espanto, olha-se para o lado e tem-se uma vista inesperada, caminha-se pelas ruas e algo acontece. Na Virada Cultural existe essa possibilidade de sair andando pela cidade e cruzar com coisas inesperadas, portanto jogue fora seu Guia da Virada (que saiu hoje na Folha e no Estado) e perca-se pelas ruas do Centro durante nossa noite mais longa.
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O que quero dizer é que uma cidade é prazerosa quando há uma descoberta a ser feita, e isso implica em andar a pé, pois só a caminhada a pé oferece o tempo necessário para proporcionar essa descoberta.Uma cidade é boa quando nela caminhamos sorrindo. A arquitetura certamente tem papel fundamental na trama das descobertas. Anos atrás fiquei absolutamente encantado com a cidade de Praga, pois cada fachada trazia algo que nunca tinha visto e mesmo cada interior me surpreendia, seja com um corredor ou uma escada ou uma simples fechadura, trabalhados de uma forma diferente, pensados de uma forma surpreendente. Porém, quase sempre dentro da estética Art Nouveau. Depois de uma semana na cidade, quando já estava quase começando a perceber os truques Art Nouveau, eis que viro uma esquina e me deparo com o edifício Ginger & Fred (foto), de Frank Gehry, plantado ao final de duas séries de fachadas fin-de-siécle. Foi a primeira vez que ouvi falar de Frank Gehry, aliás o prédio me surpreendeu tanto que eu tinha que saber quem havia sido seu arquiteto. A surpresa das formas, o suave movimento das linhas, além do caráter lúdico do edifício (expresso no seu próprio nome), tudo isso causou espanto, sorriso... deslocamento do mundo das formas banais do cotidiano.

Mas a arte também tem o seu papel no encantamento que uma cidade proporciona, e é por isso que os alegres leitores deste blog já se acostumaram com meu elogio à arte de rua, ao grafite, em oposição à pixação. A cidade é um espaço aberto à intervenção artística, e quanto mais essa intervenção for espontânea, melhor. Daí a graça da versão paulistana (2005) da Cow Parade, quando uma série de vacas de plástico em tamanho natural foi espalhada pela cidade, sempre pintadas em cores esdrúxulas, provocando uma surpresa, um sorriso. Saíamos do metrô e lá estava uma vaca, com seu aspecto imbecil e bovino, pintada de roxo e nos contemplando. Alegrava qualquer manhã. Ou ainda a graça dos flash mobs, como o recentemente realizado no parque do Ibirapuera: que cidade maravilhosa é essa, em que estamos andando e de repente topamos com a multidão engajada em uma intensa guerra de travesseiros ! Aliás, para quem assistia aos desenhos do Pica-pau, veja o flash mob mais engraçado de todos os tempos, ocorrido anos atrás ao lado do MASP: www.youtube.com/watch?v=i7m9xBK7BFY&feature=related. Morro de rir cada vez que revejo esse vídeo, lamento não ter estado lá.
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Penso em tudo isso enquanto planejo a viagem deste ano para Ouro Preto. Dentre todas, foi a cidade que mais me surpreendeu.

9 comentários:

Anônimo disse...

ahhhhhh nossa virada cultural de sp e uma tradição russa..! que relação longinquaa

acho q eu vou pela primeira vez nessa edição da virada... espero que seja tão legal quanto vc falou gian! sei lá acho q vai ser uma muvuca só, mas to determinada a assistir pelo menos um show na madrugada afinaal a graça da virada é virar! e eu quero ver como é andar pelas ruas do centro à noite sem ter medo de morrer.

giaan tem um vídeo q eu quero te mostrar! chama "Uma visão dos estudantes de hoje", é sobre educação. é de um antropologista que ficou famoso no youtube com um outro vídeo, sobre texto digital (q tb é mto legal) http://www.youtube.com/watch?v=dGCJ46vyR9o
eu achei que o q ele falou das classes das unis americanas serve pro cursinho tb =( ou pra qqlr outro modelo de ensino no mundo ocidental. eu me identifiquei bastante.
(se for assistir clica no botaozinho "HQ", do lado do volume, senão fica meio difícil de ler as frases)

ps: será q o prédio da foto chama Ginger & Fred por causa do fred astaire e da ginger rogers? =]

Unknown disse...

Adorei a foto, que, no primeiro momento, me lembrou de outro prédio que eu vi recentemente em uma viagem minha. Fui pesquisar, e descobri que o glorioso Stata Center tambem foi desenhado por Frank Ghery. Deixo aqui o link para os curiosos

http://philip.greenspun.com/images/20061003-boston-aerials-r44/stata-center-5.jpg

P.D. disse...

Acho interessantissimo o fato de a virada cultural ser feita anoite,isso garante a ela um certo mistério,um ar de aventura dado pela presente situação do centro paulista e que também me faz perguntar porque o mistério,o deslumbre,a surpresa em uma cidade como São Paulo se resume a uma noite no ano,uma intervenção?
Na minha oportunidade de ir a Europa vi músicos no metrô de Paris,um Piano sendo tocado na praça de São Marcos em Veneza, em São Paulo nós mal nos olhamos no metrô,temos medo de frequentar as praças públicas, existe uma diferença tão grande entre a população européia e brasileira ?
A virada cultural para muitos é a única noite em que se faz algo que extrapola a cultura cotidiana,se ouve uma música diferente,um filme fora do comum(recomendo a sessão de filmes de terro que haverá na virada, ou mesmo em que se divide um espaço de fato público com outras pessoas dos mais diferentes tipos.Até que ponto a sociedade e mais que isso nós individuos nos isolamos do alheio ?
Não pretendo responder essas perguntas pois não quero poluir as reflexões que espero que tais perguntas gerem.

Sentir disse...

o clima da virada cultural é curioso. A sensaçao de caminhar a pé pelo centro, ver o Teatro Municipal iluminado. Pessoas de diferentes classes sociais se misturando por motivos bem diferentes, acredite.
Essa liberdade dá saudades de outros mares...

Gian disse...

Siiiiim, o prédio tem ese nome pro causa da dupla de bailarinos ! na verdade, o nome dado por Gehry ao prédio foi "Dancing House", mas na boca do povo virou "Ginger & Fred".

Siiiiim, o Stata Center em Boston também é do Gehry !

Já as perguntas do Pedro deixarei irrespondidas: como ele mesmo notou, elas se bastam como convite à reflexão.

Finalmente, quanto aos "outros mares"... creio que basta tê-los visitados para sentir saudades esporádicas. Ou, em certos casos, uma única grande saudade, avassaladora e incontornável.

Renata M. disse...

Gian querido,

agora falta vc contar a sua experiência na Virada Cultural. Segui o seu conselho, fui andando meio ao léo e foi ótimo!

Beijos!

Gian disse...

Não fui, né ? Vc acha que eu ia me meter na bagunça ? Quero dizer: Virada Cultural é legal, adoro que exista mas, do jeito que é feita, passarei longe dela por um bom tempo, ho ho ho !

Gloriannu disse...

Gian, não sei se você já conhece, mas como intervenção na cidade, nunca vi nada que se compare a esse vídeo. Imagino a sensação de estar no meio da sua agitada rotina, e ao passar pela estação encontrar um espetáculo como esse.
http://www.youtube.com/watch?v=7EYAUazLI9k

Gian disse...

Nunca tinha visto ! O tamanho da coisa e a coreografia sugerem um ensaio prévio. Mas é beeeeeeem legal, dá até vontade de pegar um trem em Antuérpia.