quinta-feira, 9 de abril de 2009

"Naquela noite, fui dormir com medo..."



“Eu estudava em escola religiosa, mais por falta de alternativa do que por outra coisa. Meus pais não eram de ir à igreja e, como filhos de japoneses, nunca haviam tido muito contato com as práticas católicas. Por isso mesmo não fui batizada e sequer fiz primeira comunhão. Na escola, isso era estranho, principalmente quando me perguntavam quem era meu padrinho e eu ficava sem saber o que dizer. Mas, para uma criança, a pior parte era no dia do aniversário, quando eu sempre lembrava que teria um presente a menos. Seja como for, eu presenciava as celebrações católicas e às vezes até ia à igreja para uma cerimônia ou casamento de alguém de outra família.

Porém, tenho uma lembrança muito forte de quando eu tinha no máximo uns seis ou sete anos de idade. Eu era muito pequena e nossa casa havia virado de cabeça para baixo: meu pai havia perdido o emprego, havíamos sofrido um empobrecimento súbito e meus pais não paravam de brigar. Eles até já haviam se decidido pela separação mas, devido à falta total de dinheiro, não tínhamos como desmontar uma casa para fazer duas.

Lembro de uma noite na qual eu já estava na cama quando minha mãe me chamou, dizendo que eu iria dormir com ela, na cama grande. Foi a primeira noite que meus pais decidiram não mais dormir juntos e eu deveria ceder minha cama para ele. Fui para o quarto de minha mãe e, enquanto deitava, lembrei da discussão que havia acabado de ouvir, e que nós teríamos que entregar a casa e que se não acertássemos as contas iríamos todos para a rua. Naquela noite, fui dormir com medo. Não queria que minha mãe percebesse meu medo, ela já tinha problemas demais. Fiquei observando seu corpo deitado junto ao meu, sentindo seu calor e ouvindo sua respiração tornar-se cada vez mais lenta e ritmada, enquanto as demais luzes da casa se apagavam e a noite finalmente silenciava. Quando achei que minha mãe já havia dormido, comecei a rezar, imitando o jeito como tinha visto meus coleguinhas fazerem, e pedindo a deus que não fossemos para a rua.

De repente, minha mãe, que não estava dormindo, virou para o lado e perguntou: ‘Você sabe rezar ?’. Eu disse que sim. Ela se acomodou ao meu lado e disse: ‘Então vamos rezar juntas’. ”


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A história acima me foi contada recentemente, em um rápido colóquio, e me ajuda a entender melhor as coisas. Resolvi copiá-la porque nas últimas semanas falamos de Idade Média, e da intensa religiosidade do período, e às vezes me perguntam de onde vem essa religiosidade ou porque ela foi tão intensa.

8 comentários:

Unknown disse...

Gian, vi na sua trilha sonora duas músicas de Miles Davis. Isso me faz perguntar se você leu o livro de Hobsbawn "História social do Jazz". Se leu, o que você achou? Você conhece algum bom livro sobre o Blues?

Unknown disse...

É realmente estranhíssimo, numa escola religiosa, vc contar p/ seus coleguinhas q não é batizada.....ainda mais qnd a madre (prof. de ensino religioso) ficava falando q não batizados eram criaturas e não filhos de Deus! Vc literalmente se sente um besourinho! rs

aguida.receitas disse...

Como se não bastasse estar numa escola religiosa e não ser batizada,ela estava também no Brasil...Apesar de não vivermos mais na Idade Média,parece que por aqui ainda temos uma forte influência da religião e a conservação de práticas misturadas a ambientes como essa escola da história...Se elas são normais pra muitos de nós,podem ser também constrangedoras para a minoria que não as faz....

Sentir disse...

vamos atualizar?

Fábio Ishisaki disse...

Presumo que, com base no texto, fica evidente que, mesmo não se frequentando a igreja e mesmo nao se exercendo intensa atividade religiosa, vc acaba absorvendo certos costumes da sociedade na qual está inserido, religiosa ou culturalemnte falando. E é um tanto quanto curioso a personagem, mesmo não tendo tal contato coma religião, tenha recorrido à esta em seu momento de medo perante a situação referida.

Yas =) disse...

A situação de não ser cristã mas estudar em uma escola católica fez parte da minha infância. Sou neopagã de criação, meus pais optaram por não me batizar pois não somos cristãos e não tinha o menor sentido me batizar na fé cristã. Mas, não fugindo ao assunto, sinto que a religiosidade intensificada da época tem a ver com a mudança do tipo de culto. No paganismo, a Terra era presente no cotidiano dos seres. A Grande-mãe é a própria Terra. Com a mudança pro valor cristão e o afastamento de Deus da Terra, já que ele está no céu, o fiel dá muito mais importância a reza pois é o único modo que ele acredita estar mais próximo do seu Deus.

Adorei seu blog Gian! Vi que vc se interessa bastante por graffite e lhe indico um site de um artista muito bacana, amigo meu. Ele faz graffites nas galerias de água subterrâneas de Sampa, o nome dele é Zezão. O site dele é www.artesubterranea.com/

Beijos,
Yasmin

Gian disse...

Conheço Zezão ! Digo, conheço sua obra, por mais difícil que seja o acesso a ela. Reputo o seu trabalho como um dos mais instigantes da atualidade (e olha que a arte de rua atual é o que há). Só não sabia que ele tinha site, vou dar uma olhada já.

Yas =) disse...

Pois é Gian! E olha que eu só descobri que ele era dono daqueles desenhos azuis intrigantes quando ele se mudou pra minha rua. O trabalho dele é sensacional e bem perigoso, sempre nos conta umas histórias enriquecedoras sobre as andanças dele por Sampa