quarta-feira, 6 de maio de 2009

Twitting




- Gian, entra no Twitter ?
- Não.
- Ah, entra vai ?
- Nãããããooooo...
- Eeeeeeeeentra...
- Tá booooooooooom eu entro !


Elas vêm como os bárbaros, as novas tecnologias. Seja em ondas furiosas, seja infiltrando-se vagarosamente nas fronteiras do cotidiano. Quando damos conta, fomos ultrapassados por elas, perdemos o sentido das coisas. De repente, surgiu um novo mundo, e dele nos vemos inapelavelmente excluídos.

Para evitar o mesmo destino de um Imperador romano (em que pese o discreto charme da decadência), vou-me envolvendo com novas tecnologias ou modismos. Se possível, transformo-os em meu benefício. Do orcúte, tirei a possibilidade de inventar inúmeras identidades, quase todas rigorosamente falsas. Do msn, a possibilidade de quase aposentar o telefone, em que pese minha lista reduzidíssima. Das hoje inevitáveis máquinas fotográficas em celulares, faço o registro de todos os botecos que freqüento (combinando a baixa resolução com a baixa gastronomia). Do twitter... oras, o que me traz o twitter ?

Inicialmente, o troço me pareceu instigante: informar ao universo o que estou fazendo a cada momento do dia. Para o historiador, o registro do cotidiano, mesmo no tempo presente, é uma fonte inesgotável de informações. Para o professor, uma forma de conhecer o universo dos alunos, tornando possível uma maior aproximação através da linguagem, referências, etc... Para o filósofo, a abertura de um campo de investigação existencial. Assim empolgado, entro na rede, supero o asco provocado pelo vocabulário pegajoso (“vc precisa estar logado para receber o primeiro follow”) e sigo em frente. Mas tudo isso para descobrir que, inicialmente, devo deixar de lado por um instante o historiador-professor-filósofo e por em cena o autor do twitter, ou seja, uma pessoa que tem uma vida, e a disposição de divulgá-la.

Aí começam os problemas. Subitamente, percebo que minha vida não tem nada de glamurosa. Um retrato fiel do meu dia (que jamais ousei publicar no twitter), seria algo absolutamente enfadonho:

06h00: acordar
06h26: café da manhã
08h13: em aula... etc.

Claro, sei que posso tentar fazer disso uma Odisséia:

06h00: acordo com os primeiros albores de uma manhã de outono.
06h26: o bravo cearense Agenor me serve mais um café da manhã na padoca.
08h13: revejo os amigos e me entrego ao prazer do trabalho... etc.


Soaria falso. Deixando de lado o registro cotidiano, pensei em usar o twitter para divulgar os insights brilhantes que tenho ao longo do dia, mas, lamento dizer, eles são bem poucos, nem tão brilhantes e sequer diários. Mais tarde, tentei usar o twitter para compartilhar gostos musicais, divulgar as músicas que aprecio. Assim,

10h56: Ouvindo Abertura Leonora nº3, Op.72a, de Beethoven
14h20: Ouvindo: “Belle nuit, ô nuit d’amour” (a ária "Barcarola" no 4° ato da ópera Les Contes d’Hoffmann, de Jacques Offenbach).

Pior, conseguiu soar mais falso ainda. Porém, sei que o twitter das pessoas mais célebres ou que viveram os momentos mais vibrantes da História também seriam enfadonhos. Luís XIV, em uma entrada rápida no seu diário, fez um comentário digno de twitter:

14 de julho, 1789: Saí para caçar à tarde. No mais, dia normal.

Deliro, pensando em como seria entediante o twitter de Nietzsche:

9h18: café da manhã na pensão em Sils-Maria
9h43: pensando
11h01: passeio à beira do lago
13h15: pensando mais um pouco
14h32: almoço seguido de sesta
16h41: pensando de novo
16h53: dor de cabeça
18h09: happy hour com Lou Salomé
20h46: pensar até dormir
.
Isso quando a tecnologia não vira um fim em si mesmo:
.
8h15: checando email
9h14: atualizando blog
9h45: vendo o orkut
10h03: checando twitter
10h47: checando G-mail
11h15: usando bluetooth
11h36: atualizando facebook
12h32: checando twitter
13h32: vendo o myspace
14h01: falando no skype
14h31: consultando o blackberry
14h44: checando o twitter

No fundo, o twitter satisfaz nossa ânsia por publicidade: queremos ser públicos, queremos ser acompanhados, queremos ter platéia (no horizonte, há um mesmo desejo: o que queremos mesmo é ser amados). Sei que não sou artista de cinema, astro da música ou jogador de futebol, então eu entro no twitter. E, ao entrar, descubro que as coisas mais bobas da minha vida podem ser interessantes, simplesmente porque agora são públicas.

Participamos do twitter pelo mesmo motivo que assistimos Big Brother (“assistimos” quem, cara pálida ?), ou vemos novela. Sabemos que é meio bobo, mas o twitter possibilita o jogo da mimese, da comparação, seja através da identificação ou da negação. Será que passamos o tempo todo nos colocando nas mesmas situações vividas pelos membros do twitter, assim como comparamos nossa vida com a dos personagens da novela ou do Big Brother ? (ué, “personagens” do Big Brother ? Mas eles não são pessoas reais ?).

Talvez o twitter, por mais imaterial que seja, nos permita recuperar algum sentido para a realidade, algo que foi perdido em algum momento lá pelo século passado.

.....................

PS.: Pinçado em um twitter por aí: “Estranho como a gripe aviária, vaca louca e agora a pandemia do porco não atingem o mundo corporativo, onde a fauna e flora são completas”.

15 comentários:

Suma disse...

Muito interessante (pra variar) o seu comentário sobre o twitter, Gian! Concordo plenamente (e até me identifico um pouco) quando você diz que mesmo as coisas mais bestas da vida podem se tornar interessantes quando se tornam públicas. Não sei se eu usaria o Twitter, mas percebo que muitas pessoas o usam, assim como o orkut e afins, para construir uma identidade perante o "público", a qual se torna mais obviamente falsa quanto mais tenta-se enfeitá-la.

Agora, tem um cara, um brasileiro, que foi morar na Islandia e criou um blog, no qual ele postava, em português, sobre os costumes, a cultura e a vida em geral na Islandia. Ele usava o Twitter, no blog dele, para fazer comentários do tipo "dia quente hoje, a temperatura não caiu abaixo de 5ºC!", que acabavam se tornando interessantes por mostrarem um mundo bastante diferente do nosso. Na época mais árdua da crise, ele documentou, tanto no blog como no twitter, cada passo da convulsão política e econômica pela qual a Islandia passou e ainda está passando. Claro que é um caso bem específico, mas prova que o twitter tem lá sua utilidade!

O blog, caso interesse:
http://www.vidanaislandia.com/index.html

Daisy K. disse...

Bah, concordo contigo, Gian. Essas inovações tecnológicas vêm como os bárbaros e ao notar, as pessoas a sua volta estão utilizando, falando sobre e o normal talvez seja sentir-se cercado por não aderir a isso. E para incluir-se no círculo social nos entregamos a essas tecnologias.

Mas sinceramente, não vejo nada de interessante no twitter, já que utilizo mais o blog para expor idéias e minha vida não tem nada de surpreendente ou emocionante para ser exposto (e se tivesse, era provável nem ter tempo de contar isso). Além do mais, penso "para que irei informar pessoas do que eu estou fazendo se já encho o saco de tantas pessoas perguntando sobre isso no msn?"

E me pergunto o por que de tentarmos projetar coisas para recuperar algo perdido na realidade. Talvez porque a tendência é isolarmos cada vez mais na realidade e procurar conforto na internet? Achar pessoas com idéias ou características iguais as suas? Ou será somente o twitter um modo de "matar o tempo" como outros utilitários tão disponíveis que a internet tem?

Melhor parar por aqui. Ótimo blog, Gian.

Emy disse...

Noooossssaaaaaaa...ri demais!!!
A gente acaba agindo tao mecanicamente diante da tecnologia, e de tudo, que nao percebe o turbilhao de informacoes que envolve a sua vida.
Sinceramente muitas vezes tudo isso me causa um pouco de "estresse cibernetico". Todos tem a necessidade de ter sua vida aberta pra todos, e vc TEM que se manter atualizado online para nao ficar fora do papo moderno na vida real. Chamar todo mundo de amigo (sendo que vc sabe 1% da vida da criatura), ainda fazer mais social e enviar depoimentos dizendo o quanto vc a ama.
Eu ainda gosto das cartas escritas a mao( MEU DEUS!!!o q eh isso? ) sem os olhos alheios sedentos de novas informacoes, de um telefonema, e de encontros pessoais...fui mordida por um alienigena?

ps: resposta aceita somente por mensagem de fumaca!

P.D. disse...

Nunca entendi muito bem o motivo pelo qual o Big Brother faz tanto sucesso;só o que vemos são pessoas convivendo em um ambiente fechado, será a vida alheia tão interessante ? Porque não fazer um reality show da família classe C brasileira ? Acredito que o advento tanto dos sites de relacionamentos (blogs,orkut,twitter) quanto da expansão dos "reality shows" são uma tentativa de fuga de nossa própria realidade,da enorme rotina na qual observamos a vida se tornar;tentamos tornar nossa vida interessante ao observar pessoas públicas ou mesmo ao nos tornarmos públicos,no fim tentamos dar um sentido para os hedonistas que somos.
Se apresenta então uma discussão um tanto mais profunda que é a da alienação, como é o caso dos que tornam a tecnologia em um fim, para eles o cotidiano se tornou tão rotineiro que suas vidas se resumem a ele.
Não acredito que podemos escapar da rotina de cada dia, mas acho que a poetização da vida jamais deve ser perdida,seja ao se emocionar com uma música,se abalar com uma cena nas ruas,temer o dia seguinte,se animar ao estudar logarítimos(têm louco para tudo).A vida deve ser um fim em sí mesma e ao meu ver apenas poetiza-la torna isso possível.

Sentir disse...

É cada coisa que leio por aqui...

Minha vida é completamente desinteressante e se eu narrasse a realidade, seria mais ainda. Nada como um bom floreio sarcástico para angariar followers. Olha flowers, followers....

Otavio disse...

Gian ótimo!! Muito bem colocado como somos forçados a abrir nossas vidas na internet. Você consegue dar um ar cômico a algo trágico.
um abraço professor

Juliana disse...

Eu sou definitivamente uma ignorante do mundo virtual, nunca tinha ouvido falar nesse tal de twitter!
Bom , agora jah sei( +/- na verdade hahahha).

''Do orcúte, tirei a possibilidade de inventar inúmeras identidades, quase todas rigorosamente falsas'' ,não é só vc. Acho q o orkut é feito p/ mostrar tudo, menos o q as pessoas realmente são. Transformam cada pequeno evento de suas vidas ,em grandesss acontecimentos- Odisséias.

Enfim, adoro o blogger. Acho muito bacana o jeito com q vc vê as coisas e principalmente a maneira como passa isso, além da aula claro.

Bjãoo prof !

Anônimo disse...

gian! eu quero ler o seu twitter! =]

ahh o twitter é legal... tá, tudo bem, as pessoas escrevem para aparecer. além disso, é diferente fazer parte de uma rede muito maior, nao uma rede social tipo o orkut, mas uma em q as conexões são feitas pelos assuntos, nao importa qm a pessoa seja ou em qual país ela tá! a informação não voa, tipo se teletransporta.

Gian disse...

Vi o blog da Islândia, o melhor são as fotos.

Um Big Brother de uma família da classe C ? Mas esse é o ponto, só vemos essas coisas porque gostamos de nos identificar, nos projetar. E ninguém gosta de se projetar pobre. Insisto, eu não sei se o ponto aqui é fugir da realidade ou tentar criar algum tipo de vínculo (ou interesse) com uma realidade absolutamente enfadonha.

E, finalmente, minha dear (meu dear ?) tea9leaves, meu glorioso twitter é: twitter.com/Gianfd Entre lá e entedie-se até a morte.

Ah ! E muito obrigado a todos pelas palavras doces.

Anônimo disse...

irado gian! =]

Anna disse...

... Ou talvez porque nós pobres mortais, no nosso imagiário de que rico e/ou bonito não tem problemas como a gente, adoramos ver eles em situação de vergonha, brigando, chorando. E quando vemos isso, ficamos tão impressionados por quebrar nosso preconceito, afinal, ele fica mais perto de nós, que criamos afeição pelo personagem. É o que acontece com a maioria da galera que assite BBB.

Gian disse...

"É o que acontece com a maioria da galera que assiste BBB".

Desabafo ???

Anna disse...

Hahaha não, só assisti um dia de BBB até hoje. Mas é o que meus amigos contam :|

Pierri disse...

As pessoas se idealizam no mundo virtual com fotos tratadas no Photoshop e frases prontas, e o pior, vivem nessa atmosfera como se ela fosse real. É muito mais fácil manter essa capa no mundo limitado desses veículos.
Há também uma perda de identidade muito grande nesse universo platônico. Uma vez por curiosidade - eu tinha que checar - coloquei para pesquisar no Orkut "Chico Buarque" e a quantidade de resultados que encontrei foi surpreendente. Pessoas que no início de seus perfis escreviam assim: "(por favor não denunciem)" ou "(deixe-me fantasiar, não denuncie)" assumindo a identidade do poeta como se fosse a do próprio usuário; e o mais engraçado é que estes conversavam com falsos Djavans, Jobims(que tinha a rodo), Caymmis e Cateanos assuntos já tratados por este em alguma parte da carreira (ou vida).
Será tais veículos escapismos?

Eu por mim mesma disse...

Acredito não ter gabarito para responder à altura seu post. No entanto, munida da patética necessidade humana de ser reconhecida, "seguida", agradeço por ter sido "pinçada"...rs... Abraço