domingo, 12 de julho de 2009

Beco do Batman



Dos alegres colóquios realizados ultimamente no Beco do Batman – verdadeiro museu a céu aberto do grafitti –fica a suspeita de que a arte de rua é o futuro da arte, justamente por salvá-la da perda de sentido.

Hoje, quando vamos ao museu, topamos com as famosas “instalações”, quase sempre herméticas, isto é, absolutamente incompreensíveis sem um manual de instruções devidamente oferecido pelo artista. Ou então, cruzamos com aquelas propostas de “chocar a platéia burguesa”, como se, a essa altura, alguém ainda tivesse alguma sensibilidade para ser chocada. (Hoje em dia, depois de Auschwitz e Hiroshima, expor um urinol não consegue provocar outra reação além de um bocejo entediado). Finalmente, há essa mania boba de querer superar a vanguarda da semana passada, se convertendo na vanguarda da vanguarda, pelo menos até a semana que vem: sem a compreensão de toda a história da arte, incluindo as últimas dissidências conceituais entre grupelhos semi-desconhecidos, não se consegue entender porque tal artista resolveu usar sua obra para “questionar a arte” pela milésima vez.


A arte de rua traz de volta pelo menos três elementos que se perderam desde que se iniciou aquele surdo diálogo com si próprio que tem caracterizado a arte nos últimos anos. Em primeiro lugar, o grafitti nos coloca diante do inesperado, e isso tem a ver com o próprio suporte usado pelo artista: nada menos que a cidade. No meio de uma entediante jornada do cotidiano, viramos uma esquina e damos com uma súbita explosão de cores. Equipamentos urbanos cinzas, funcionais, desinteressantes passam a ganhar interesse ao se transformarem em formas inéditas.

Além disso, o grafitti nos faz olhar diferente. Claro que aqui cabe uma ressalva: não é por ser uma pintura e estar na rua que o grafitti ganha automaticamente estatuto de obra de arte. Porém, muitas dessas obras conseguem, e passam a pedir um tempo de contemplação maior do que o dispensado em uma passagem rápida, talvez de carro ou ônibus. Quando oferecemos esse tempo, descobrimos no grafitti coisas que não havíamos percebido da primeira vez, acabamos por perceber um novo significado (ou novos múltiplos significados) na imagem que contemplamos.

Finalmente, o grafitti abre espaço para a reflexão. Trata-se da arte na rua, que se oferece aos cidadãos de uma cidade que rejeita o espaço público. Dessa forma, o grafitti nos convida a reocupar esse espaço ou pelo menos chama atenção para sua deterioração. Seu suporte principal é o muro, e é chocante a quantidade de muros que nos cercam, sinalizando insegurança e exclusão, ao mesmo tempo em que chamam atenção para a pobreza da arquitetura que nos cerca (uma arquitetura que multiplica ao infinito as superfícies verticais brancas ou cinzas; seja como for, logo sujas).

Há que diferenciar grafitti de pixação, já comecei a fazê-lo nos posts de 27 de outubro (http://bit.ly/RbJ87 e http://bit.ly/4u9zKe) e 2 de novembro (http://bit.ly/BG9kf ) do ano passado. Porém, a primeira visita com os alunos ao Beco do Batman e o alegre colóquio com Zezão, grafiteiro inspirado, ajudou a colocar a questão da pixação em um novo plano. Volto ao assunto no próximo post.

4 comentários:

Sentir disse...

Arte de rua. Arte na rua. Queria ouvir sobre o nome e o conceito. Se é de rua, pq o valor é inacessível aos da rua? E pq eh tão difícil de ser entendid pelos " da rua" ?

Priscila disse...

Gian! que bom que vc fez um post sobre o Beco do Batman. É bom ter parte da sua reflexão por escrito :)

esse ano eu tive muito contato com essa questão de "o que é arte?" lá na faculdade de fotografia. aliás, essa é uma das razões pela qual eu não me arrependo totalmente de tê-la cursado por quase 3 meses.

na medida que você discursava sobre a crise da arte que vivemos, sobre as tentativas nada originais de "chocar a platéia burguesa", eu relembrava as discussões das aulas que tive por lá. e foi legal porque você falou sobre grande parte das minhas indignações com esses artistas que tentam revolucionar a arte atualmente (não só nas artes plásticas, mas também na música, por exemplo).

é interessante mesmo como o grafitti chama a atenção do olhar para o espaço. e você tem razão de reclamar da feiúra de São Paulo, mas se não fossem pelas paredes cinzas espalhadas pela cidade, não teria lugar para o grafitti, e fazer a comparação de "arte de museu" com "arte de rua" seria distante da nossa realidade (bom, pelo menos da minha). você mesmo disse (nas 3 aulas de EUA no séc XIX que assisti semana passada hahaha) que a arte nasce da tristeza - nesse caso, a tristeza dos muros de concreto. e eu posso dizer isso por experiência própria, sabe, porque a micro-cidade onde moro não é cinza como são paulo, é... menos feia. e aqui não tem espaço pra grafitti, só pixação, daquelas mamãe-quero-ser-vândalo, infelizmente. foi só no ano passado, quando comecei a ir a SP todos os dias, que percebi a graça que certos grafittis dão às passagens.
mas enfim, é só minha humilde visão, né.

Ah! e não sei se você já viu, mas uma das estações da Lapa (tem duas estações, lugares diferentes, mas com o mesmo nome ¬¬") tem as paredes cheias de grafitti, e não sei se é um projeto ou algo assim, mas periodicamente os grafiteiros pintam as paredes de branco para dar lugar a imagens novas. não é tão chato esperar o trem quando se tem uma parede inteira de grafittis pra viajar :)

NOSSA, desculpe pelo mega-texto! haha (não dava pra dizer isso tudo pelo twitter! :P)

Gian disse...

S.: Acho que a arte de rua não é nem um pouco inacessível aos "da rua", não. Afinal ela está de fato na rua. E eu acho que ela é muito bem entendida pelos da rua, muito embora estes não consigam falar sobre a arte com palavras bonitas (e meio ocas) como as nossas.

Pris: eu não disse que a arte nasceu da tristeza, mas que o blues nasceu da tristeza, ou seja, a arte nasce daquilo que é humano, tanto faz se tristeza ou alegria, amor ou ódio. Já os grafites da Lapa eu não vio, não. Vc recomenda vivamente ? E obrigado pelo longo comentário.

A doog disse...

Confesso que estou há um bom tempo(e não é de hoje!) pensando no que comentar aqui. Fiquei refletindo, refletindo, pensando no que ia escrever... e, enquanto admirava o grafitti, deixei o pensamento me levar para outras reflexões...

Mas enfim, acho q só iria mesmo reafirmar o que vc já tinha postado. De qualquer forma, gostaria de deixar registrado: Fantástico trabalho!