Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer.
O trecho acima me veio logo à mente ao ouvir o monólogo que inicia o novo filme de Woody Allen, Whatever works, e expressa de alguma forma a visão de mundo de seu personagem principal Boris Yelnikoff (interpretado por Larry David, aliás, um dos criadores de Seinfeld). Essa visão nietzscheana esta presente, por exemplo, não só na sua desconfiança em relação ao “sentido” das coisas, mas à denúncia engajada de quem busca esse sentido. A visão mordaz da religião (facilitada pela estupidez explícita dos personagens religiosos do filme) e o elogio do acaso fazem parte do discurso nietzscheano de Yelnikoff.
Além de uma certa propensão ao isolamento (e a constatação de que possuem mentes brilhantes não reconhecidas pelos seus contemporâneos, meros inchworms), tanto o mal-humorado novaiorquino quanto o bigodudo alemão têm em comum a afirmação da pequenez do ser humano: somos nada, e nosso conhecimento e apenas uma frágil teia que construímos basicamente por que temos medo. Grãos de poeira jogados em um universo hostil, criamos fantasias que vão da moral à metafísica, da ciência à verdade, basicamente para nos sentirmos seguros. A metáfora da “teia” está no mesmo texto de onde foi tirado o fragmento que abre o post, Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, de 1873.
Com essa visão, Yelnikoff surge como um personagem niilista, e contagioso, ainda por cima. A própria Melody incorpora seu olhar e reclama após voltar de seu primeiro “date” novaiorquino: pessoas vazias, riem de tudo, se empolgam com tudo. Ou mesmo quando ela cruza com um rapagão boa pinta, Perry Singleton, passeando com os cachorros: “Posso caminhar com você ?”; “Ah, tudo bem, tanto faz, afinal todos estamos condenados mesmo”.
Mas Melody é a primeira a deixar de lado esse niilismo passivo (sigo os parágrafos 22 e 23 do livro de Nietzsche A Vontade de Poder). Sim, Melody aprendeu o niilismo passivo e logo passou a exercer o caráter destrutivo da visão de mundo de Yelnikoff, sempre pronto a não deixar pedra sobre pedra do universo de valores conhecido. Mas isso não satisfez Melody, ela seguiu em frente na sua busca... na sua busca por o quê ? Provavelmente na busca que ela iniciou quando fugiu de sua cidadezinha perdida no fim de mundo do Deep South norte-americano. Seguindo adiante com sua busca Melody passou a manifestar sintomas do que Nietzsche chamou de niilismo ativo: não se trata de substituir um artigo de fé por outro, mas seguir em frente rumo à realização da própria vida. Melody não se acomoda, rompe com Yelnikoff, segue em frente subvertendo seus valores como, aliás, seus pais fizeram (de forma radical) após chegarem em Nova York. Melody e seus pais de alguma forma expressam a vontade de poder, enquanto princípio criador e lei originária por trás de todo movimento do universo. São pessoas que estão se re-criando, enquanto Yelnikoff afunda na negatividade (até chegar ao ponto em que só a morte é solução).
Mas Yelnikoff é mais arguto que pensamos, ele aponta para outro tema nietzscheano, inseparável do princípio da vontade de poder (cuja explicação apenas esbocei logo acima): trata-se do eterno retorno. Considerando, como princípio, a existência de uma força constante no universo atuando em tempo infinito, toda idéia de finalidade ou sentido passa a ser descartada (desde que descartemos também o princípio de um deus criador); da mesma forma, o tempo infinito faz com que todas as conjunções de força possíveis já tenham ocorridos e só devam se repetir (acredite, a “eternidade” é tempo pra cacete!). Se todos os momentos vividos devem se repetir infinitas vezes pela eternidade, melhor aproveitá-los, vivê-los em sua plenitude.
O trecho acima me veio logo à mente ao ouvir o monólogo que inicia o novo filme de Woody Allen, Whatever works, e expressa de alguma forma a visão de mundo de seu personagem principal Boris Yelnikoff (interpretado por Larry David, aliás, um dos criadores de Seinfeld). Essa visão nietzscheana esta presente, por exemplo, não só na sua desconfiança em relação ao “sentido” das coisas, mas à denúncia engajada de quem busca esse sentido. A visão mordaz da religião (facilitada pela estupidez explícita dos personagens religiosos do filme) e o elogio do acaso fazem parte do discurso nietzscheano de Yelnikoff.
Além de uma certa propensão ao isolamento (e a constatação de que possuem mentes brilhantes não reconhecidas pelos seus contemporâneos, meros inchworms), tanto o mal-humorado novaiorquino quanto o bigodudo alemão têm em comum a afirmação da pequenez do ser humano: somos nada, e nosso conhecimento e apenas uma frágil teia que construímos basicamente por que temos medo. Grãos de poeira jogados em um universo hostil, criamos fantasias que vão da moral à metafísica, da ciência à verdade, basicamente para nos sentirmos seguros. A metáfora da “teia” está no mesmo texto de onde foi tirado o fragmento que abre o post, Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, de 1873.
Com essa visão, Yelnikoff surge como um personagem niilista, e contagioso, ainda por cima. A própria Melody incorpora seu olhar e reclama após voltar de seu primeiro “date” novaiorquino: pessoas vazias, riem de tudo, se empolgam com tudo. Ou mesmo quando ela cruza com um rapagão boa pinta, Perry Singleton, passeando com os cachorros: “Posso caminhar com você ?”; “Ah, tudo bem, tanto faz, afinal todos estamos condenados mesmo”.
Mas Melody é a primeira a deixar de lado esse niilismo passivo (sigo os parágrafos 22 e 23 do livro de Nietzsche A Vontade de Poder). Sim, Melody aprendeu o niilismo passivo e logo passou a exercer o caráter destrutivo da visão de mundo de Yelnikoff, sempre pronto a não deixar pedra sobre pedra do universo de valores conhecido. Mas isso não satisfez Melody, ela seguiu em frente na sua busca... na sua busca por o quê ? Provavelmente na busca que ela iniciou quando fugiu de sua cidadezinha perdida no fim de mundo do Deep South norte-americano. Seguindo adiante com sua busca Melody passou a manifestar sintomas do que Nietzsche chamou de niilismo ativo: não se trata de substituir um artigo de fé por outro, mas seguir em frente rumo à realização da própria vida. Melody não se acomoda, rompe com Yelnikoff, segue em frente subvertendo seus valores como, aliás, seus pais fizeram (de forma radical) após chegarem em Nova York. Melody e seus pais de alguma forma expressam a vontade de poder, enquanto princípio criador e lei originária por trás de todo movimento do universo. São pessoas que estão se re-criando, enquanto Yelnikoff afunda na negatividade (até chegar ao ponto em que só a morte é solução).
Mas Yelnikoff é mais arguto que pensamos, ele aponta para outro tema nietzscheano, inseparável do princípio da vontade de poder (cuja explicação apenas esbocei logo acima): trata-se do eterno retorno. Considerando, como princípio, a existência de uma força constante no universo atuando em tempo infinito, toda idéia de finalidade ou sentido passa a ser descartada (desde que descartemos também o princípio de um deus criador); da mesma forma, o tempo infinito faz com que todas as conjunções de força possíveis já tenham ocorridos e só devam se repetir (acredite, a “eternidade” é tempo pra cacete!). Se todos os momentos vividos devem se repetir infinitas vezes pela eternidade, melhor aproveitá-los, vivê-los em sua plenitude.
Ao invés da ética cristã de responder pelos seus atos (e ser punido pelas faltas) no futuro, surge uma nova ética fundada em viver corretamente, aproveitando os momentos ao máximo (“sem prejudicar os outros”, acrescentaria Yelnikoff), para que sua repetição seja sempre bem-vinda. Sem buscar algum sentido ou finalidade, sem dogmas ou planos. Sem receitas. Whatever works.