domingo, 20 de junho de 2010

Drops



Inteligere

Sempre me incomodou o uso da palavra inteligência. O que queremos dizer quando falamos que alguém é inteligente ? Da etimologia, sabemos que a palavra vem do latim inter (entre) e legere (ler). Porém, o sentido original de legere é do grego, legein, palavra de múltiplos sentidos, desde descrever/falar ate selecionar/escolher. O termo aparece, por exemplo, em Homero e vejam como grego é divertido: para combater os troianos era necessário λέγω άνδρας άρίστους /lego andras aristous, "escolher os homens mais valentes". E é claro que legein no sentido de dizer nos remete diretamente a logos, a palavra falada racional.

Essas considerações nada tem a ver com o uso comum da palavra inteligente. Seu uso reflete a forma como fetichizamos a inteligência: identificamos a pessoa inteligente como aquela capaz de realizar raciocínios lógicos-dedutivos. Assim, o inteligente é aquele que tem uma alta performance, por exemplo, resolvendo problemas matemáticos. Existe até um “quociente de inteligência” (deus me livre!), obtido através de um teste; muito embora seja evidente que a simples idéia de que inteligência possa ser medida e expressa em números já reflete uma visão de mundo tremendamente instrumental.

Pois há componentes na inteligência que vão muito além do raciocínio lógico. Claro, não se deve confundir inteligência com erudição, esta outra forma de fetichização da inteligência, dessa vez no âmbito das assim chamadas Ciências Humanas. Pois a verdadeira inteligência, a capacidade de inter-legere, implica em uma forte dose de criatividade, e esta, lamento constatar, não pode ser medida mas somente praticada. E aqui surgem os pré-requisitos para o seu despertar: a reflexão (enquanto atividade solitária, parente do repouso; se possível, próxima do devaneio, aquele estado intermediário entre pensamento e sonho) e mesmo o diálogo (o alegre colóquio de Platão, inspiração constante do blog e expressão de suas ambições intelectuais).

Sobre a criatividade enquanto parte da inteligência, escreveu Andrew Wiler: “Para alcançar essa (...) idéia nova, é necessário um longo período de atenção ao problema sem qualquer distração. É preciso pensar só no problema e nada mais – só se concentrar nele. Depois você para. Então parece ocorrer uma espécie de relaxamento durante o qual o subconsciente aparentemente assume o controle. E é aí que surgem as idéias novas”. O autor é um matemático inglês, que simplesmente demonstrou o teorema de Fermat, e sua referência ao relaxamento e à entrega ao subconsciente são significativas.

Copa do Mundo

O goleiro da Alemanha chama-se Neuer (pronuncia-se Nóia, imagino-o fumando crack nas ruas do Centro); o atacante grego Salpingidis é tremendamente parecido com Platão (dos relatos que temos: baixo, atarracado, costas largas, nariz grego clássico). O som das vuvuzelas me faz pensar no zumbido interminável de insetos no meio de uma floresta africana úmida (nada menos parecido com a gélida África do Sul de junho).

Vou até a padaria e vejo um grupo se aglomerando junto a uma TV, para acompanhar o vibrante match entre Eslováquia e Paraguai. Enquanto isso, planejo onde assistir o próximo jogo do Brasil, se em casa, no bar ou no trabalho, e quem vou encontrar, quais as comidinhas, o que vou beber. Acredito que um imenso vazio irá tomar conta de nossas vidas quando a Copa do Mundo acabar. Mistah Kurtz, he dead.

14 comentários:

Unknown disse...

Besta. Passei aqui.

Sentir disse...

Devo ter um suconsciente dominador, nesse caso. Por mais qeu eu me concentre em um problema meu, ele nunca me deixa tensa o suficiente para sentir esse contraste que vc transcreveu.
Isso me fez pensar na dimensão dos nossos problemas. Curioso que atualmente, meus problemas do passado se tornaram tão pequenos, simples. Depois do seu escrito, percebi que isso acontecce por que a nossa capacidade de resolução dos nossos problemas aumenta. Entretanto, no mesmo passar dos anos, a complexidade dos nossos problemas aumenta igualmente.
No meu rápido balanço, sempre teremos problemas que intrigam o nosso intelecto e que, depois de resolvidos, tornam-se simples e estamos prontos para "criar", "ver", "desenvolver" problemas mais atraentes.
Antes era convencer meu pai a me deixar comer chocolate antes do almoço. Hoje é decidir se me mudo pra India ou não.
bjos,

Roberta disse...

...

HB disse...

Gian,o mestre povo costuma dizer que inteligência é a junção de todas as competências para a resolução de um problema,uma vez que para resolvê-lo,precisamos de diversas habilidades.Isso é óbvio,na minha opinião.
Eu já penso que inteligência é a capacidade de permanecer em um estado ,a que não acho nome certo,mas seria um estado entre a abulia e o desconsolo,ambos presentes e inevitáveis na maior parte do tempo.

Bá :) disse...

O mais legal é quando aquela sua tia fala,em um almoço em familia "Cada filho (do meu vô,claro)tem só um filho inteligente.Na família Martins (a minha) é a mais velha" Dica:eu sou a mais nova.É legal isso né...só porque ela entrou direto na POLI,foi para a Itália e namora um frances ela é mais inteligente? Acho que não né...

Unknown disse...

Segundo o New English-Japanese Dictionary da Kenkyusha, inteligente pode significar mono-wakari no ii, ou seja, "bom em entender coisas".
Um exemplo tirado do livro How to Sound Intelligent in Japanese:
Yukiko-san no otosan wa mono-wakari no ii hito dakara, kanojo ga noruwe-jin to kekkon suru tsumori da to kiite, sugu sono kekkon ni doi shita.
Being an understanding man, Yuriko's father immediately consented when she told him of her intention to marry a Norwegian.
Mono-wakari no ii me parece ser o oposto de inteligente como criativo, já que compreender pode significar concordar, e não se pode criar coisas novas concordando com o que já existe.
Nofa, acho que forcei a barra agora…

Gian disse...

C: Eu pensava em problemas abstratos e não coisas práticas como ir para a Índia. Hummmm... se bme que existe algo de transcendente em ir para a Índia. Propagar a fé. Dilatar o Império. Essas coisas.

HB: um estado entre a abulia e o desconsolo ? Mal consigo imaginar.

Bá: ser inteligente é namorar um francês ??? Esse comentário certamente faz pensar em quem seria o único filho inteligente de seu avô.

Bia: ser inteligente é casar com um norueguês ??? Começo a desconfiar da milenar sabedoria oriental.

Unknown disse...

Na verdade o pai da Yuriko foi inteligente por entender a filha. Me desculpe por não conseguir explicar direito... Enfim, eu já desconfio da milenar sabedoria oriental há bastante tempo...

Gian disse...

Bia: na verdade eu apenas achei engraçado, porque o comentário anterior também identificava (mais ou menos) inteligência com namorar, casar etc..., quando a verdadeira inteligência consiste em... ah, deixa pra lá.

Daniel disse...

É um privilégio ter sido seu aluno.
Tenho mais inter-legere graças à você.

Um abraço.

Lucas disse...

O Livro "O ùltimo teorema de fermat" que resume a trajetória de Andrew Wiles na resolução do problema referido realmente resume o assunto trazido neste post.Achei interessante a referência, dado que o relaxamento mencionado, no que concerne ao livro foi um trabalho de 7 anos resolvendo o problema de fermat mais 14 meses na correção fato que por si só demonstra uma capacidade interessantíssima não apenas de inteligência, mas de perseverança e concentração constante, demonstrando que tal conceito aqui debatido pode ser considerado como uma união de fatores, que vão desde a criatividade até a crença irresoluta naquilo que se faz.Concluindo acho que apenas para começar a trabalhar em alguma definição para o conceito de inteligência poderíamos considerar as orientações de Schopenhauer quando este alude ao conceito de pensar por si mesmo em detrimento de alguma erudição inútil.Harmonizar idéias próprias e unir conhecimento para trabalhá-las ao invés de simplesmente dedicar nosso tempo a agregar conhecimentos aleatórios.Tópico interessante,apesar de não ter entendido bem o final.

Sentir disse...

Coloquei problemas concretos para concretizar o que diria em imagens...e pra criar o assunto q estou de passagem marcada. rs! E que, claro, tenho habito de comer doce antes do salgado...

bobby* disse...

eaii gian !!
obrigado pelo esclarecimento sobre El Che..

hm.. andei pensando sobre o Napoleão. Somando seu autoritarismo, a reforma no ensino e agrária principalmente.. ele aumentou muito o seu carisma com o povo, com essas medidas tremendamente populares. Alem do seu forte alinhamento com a burguesia.

Guardadas as devidas proporçoes......... Seria Napoleão um populista ? ou a sementinha dessa ideia ?

abraço

Unknown disse...

Percebo que o conceito de inteligência atual está intimamente ligado ao modo pelo qual o homem enxerga o mundo...a busca pelo exato, pela verdade absoluta,torna aquele individuo que enxerga o mundo como uma grande equação um gênio.Talvez os grandes problemas existenciais fossem melhor trabalhados se as pessoas valorizassem mais outros ramos da tal "inteligência".