A expressão é francesa, e remonta à Revolução, aos dias de debates árduos e violentos no recém criado Legislativo. Muitas vezes, um orador subia à tribuna da Assembléia ou Convenção de deputados e tinha que enfrentar as críticas barulhentas de seus opositores, bem como as ironias dirigidas contra ele, ditos jocosos e insinuações maliciosas: a Revolução Francesa foi como que uma idade de ouro da retórica. E foi quando despontaram oradores brilhantes como Robespierre e Danton, cujos discursos – seja da tribuna ou das galerias – cortavam como uma lâmina (a metáfora chega a ser sombria).
Muitas vezes, um orador era criticado no meio do discurso e não conseguia argumentar a altura. Provavelmente vaiado ou apupado, descia as escadas de tribuna e, frequentemente, era só nessa hora que vinha uma boa resposta às críticas que tinha ouvido. Mas já era tarde, sua espirituosidade só se manifestou na escadaria. Esse é o “espírito da escada”.
Conhecemos bem a sensação em todo tipo de discussão da vida cotidiana: a resposta esperta, o argumento decisivo só nos visita quando acabou a conversa, no dia seguinte, na semana seguinte. Nas Ciências Humanas, no debate, a experiência é recorrente. Historicamente, o grande mestre das respostas rápidas é Winston Churchill, inúmeros episódios são atribuídos a ele. O meu preferido envolve um debate no Parlamento inglês, no início do século XX, envolvendo ativistas do nascente movimento feminista, então em plena luta pelo direito de voto feminino. O qual Churchill, claro, era contra. Depois de debates acalorados, a líder das ativistas, furiosa, disse a ele: “O senhor é uma pessoa odiosa. Saiba que se fosse meu marido, eu poria veneno no seu chá”. Ao que Churchill respondeu, de imediato: “Se eu fosse seu marido, tomaria o chá”.
Mas há algo melhor. Grande rival de George Bernard Shaw, Churchill certa ocasião teria recebido convites para a estréia da mais recente peça do dramaturgo irlandês. Shaw, irônico, enviou os convites e uma carta tremendamente irônica: “Apesar de nossas diferenças de opinião, ficaria feliz com sua presença na estréia de minha mais recente peça. Envio dois convites: um para o senhor e outro para um amigo... se tiver”. O inabalável Churchill respondeu com amabilidade, dizendo em carta: “Lamentavelmente, compromissos me impedem de comparecer na estréia de sua mais recente peça. Porém faço questão de presenciar uma próxima exibição... se tiver”.
Nas aulas, julgam-me espirituoso, mas é engano. Depois de anos e anos, já antecipo reações dos alunos, e já tenho um repertório de respostinhas inteligentes que sempre parecem inventadas na hora, mas não são: não raro, eu simplesmente as roubei anos atrás de alunos verdadeiramente espirituosos. Porém, uma única vez o espírito da escada não me abandonou, inspirando-me em um episódio meio grosseiro do cotidiano. Foi em uma padaria meio vazia, em um domingo à noite. Além de mim, encontrava-se na padaria somente um outro freguês, um jovem negro, de gestos e vestimenta francamente afeminados. Logo na minha frente, ele falou algo para o caixa, com forte sotaque de algum lugar do nordeste, pagando sua conta e partindo logo em seguida.
Assim que se foi, o dono da padaria, que estava no caixa, olhou para mim com um sorriso unilateralmente cúmplice e teve o disparate de dizer: “Esse aí, além de preto e viado é baiano”. Mesmo sem a elegância de um Churchill, respondi de bate-pronto: “E o senhor, além de português e burro é fascista”.
Nunca mais voltei naquela padaria.