quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

L’esprit de l’escalier



A expressão é francesa, e remonta à Revolução, aos dias de debates árduos e violentos no recém criado Legislativo. Muitas vezes, um orador subia à tribuna da Assembléia ou Convenção de deputados e tinha que enfrentar as críticas barulhentas de seus opositores, bem como as ironias dirigidas contra ele, ditos jocosos e insinuações maliciosas: a Revolução Francesa foi como que uma idade de ouro da retórica. E foi quando despontaram oradores brilhantes como Robespierre e Danton, cujos discursos – seja da tribuna ou das galerias – cortavam como uma lâmina (a metáfora chega a ser sombria).

Muitas vezes, um orador era criticado no meio do discurso e não conseguia argumentar a altura. Provavelmente vaiado ou apupado, descia as escadas de tribuna e, frequentemente, era só nessa hora que vinha uma boa resposta às críticas que tinha ouvido. Mas já era tarde, sua espirituosidade só se manifestou na escadaria. Esse é o “espírito da escada”.

Conhecemos bem a sensação em todo tipo de discussão da vida cotidiana: a resposta esperta, o argumento decisivo só nos visita quando acabou a conversa, no dia seguinte, na semana seguinte. Nas Ciências Humanas, no debate, a experiência é recorrente. Historicamente, o grande mestre das respostas rápidas é Winston Churchill, inúmeros episódios são atribuídos a ele. O meu preferido envolve um debate no Parlamento inglês, no início do século XX, envolvendo ativistas do nascente movimento feminista, então em plena luta pelo direito de voto feminino. O qual Churchill, claro, era contra. Depois de debates acalorados, a líder das ativistas, furiosa, disse a ele: “O senhor é uma pessoa odiosa. Saiba que se fosse meu marido, eu poria veneno no seu chá”. Ao que Churchill respondeu, de imediato: “Se eu fosse seu marido, tomaria o chá”.

Mas há algo melhor. Grande rival de George Bernard Shaw, Churchill certa ocasião teria recebido convites para a estréia da mais recente peça do dramaturgo irlandês. Shaw, irônico, enviou os convites e uma carta tremendamente irônica: “Apesar de nossas diferenças de opinião, ficaria feliz com sua presença na estréia de minha mais recente peça. Envio dois convites: um para o senhor e outro para um amigo... se tiver”. O inabalável Churchill respondeu com amabilidade, dizendo em carta: “Lamentavelmente, compromissos me impedem de comparecer na estréia de sua mais recente peça. Porém faço questão de presenciar uma próxima exibição... se tiver”.

Nas aulas, julgam-me espirituoso, mas é engano. Depois de anos e anos, já antecipo reações dos alunos, e já tenho um repertório de respostinhas inteligentes que sempre parecem inventadas na hora, mas não são: não raro, eu simplesmente as roubei anos atrás de alunos verdadeiramente espirituosos. Porém, uma única vez o espírito da escada não me abandonou, inspirando-me em um episódio meio grosseiro do cotidiano. Foi em uma padaria meio vazia, em um domingo à noite. Além de mim, encontrava-se na padaria somente um outro freguês, um jovem negro, de gestos e vestimenta francamente afeminados. Logo na minha frente, ele falou algo para o caixa, com forte sotaque de algum lugar do nordeste, pagando sua conta e partindo logo em seguida.

Assim que se foi, o dono da padaria, que estava no caixa, olhou para mim com um sorriso unilateralmente cúmplice e teve o disparate de dizer: “Esse aí, além de preto e viado é baiano”. Mesmo sem a elegância de um Churchill, respondi de bate-pronto: “E o senhor, além de português e burro é fascista”.

Nunca mais voltei naquela padaria.

15 comentários:

Unknown disse...

Aposto que nesse momento sua vida teve trilha sonora imaginária, e nela vozes berravam fervorosamente:
"MESTREEEEEEEEEEEEEEE!!!!!"

Will disse...

A historia do Churchill eu pensei q era do Chaves quando Dona Clotilde diz o mesmo pro Professor Girafales(sim, eu adoro Chaves) hehehe. Me parece q para ser espirituoso vc tem q concordar com a ofensa e a parir daí ATACAR!!!
O episodio do negro me faz lembrar uma chinesa q conheço, aparentemente nao tem preconceito. Fui descrever uma pessoa pra ela e descrevi como "um negro alto", ela me disse: "Nao fala assim", eu:"Pq", "Pq eh feio chamar assim d negro, eh feio, ofende". Estranho né?
A pergunta é, o moço da padaria sabe oq eh fascista?

annapark disse...

espírito da escada .. huum não sei o que é isso .. >> EU NUNCA DESÇO DA ESCADA!!!! HAHAHAHHA pergunta pro joao migueeeel ele sofre comigoo

e que bom que vc nunca voltou na padoca gian, te matavam!! hahhaa

Gian disse...

W: do Chaves ? Tem essa piada no Chaves ???

A: perguntarei. Feliz em ver vc por aqui de novo, Anna.

Lucas Bispo disse...

Sim...Mestre seria uma excelente "trilha sonora" naquele momento.

Eu não tenho essas sacadas. Como você mesmo disse, elas sempre vem depois de uma hora (ou mais, rs). E depois você ainda pensa "Devia ter falado isso!", uahaua.

Honey and Milk disse...

Também sofro com a falta de sacadas rápidas...No meio de uma discussão inflamada, com palavrões voando pelos ares, tudo o que me vem na cabeça é : Seu seu seu.... BOBOCA!
Acho que é melhor mesmo eu ficar no térreo ou quem sabe pegar o elevador! ( ha ha ha.. me falta habilidade pra piadas também!! )

Honey and Milk disse...

Ps: na verificação aqui embaixo, pra escrever a palavrinha e ver se eu sou gente apareceu: PROZAC
ahaahah fica a dica

barbarafnadaleto disse...

"o argumento decisivo só nos visita quando acabou a conversa, no dia seguinte, na semana seguinte."
Definitivamente.
Também me faltam respostas rápidas.. minha cabeça trabalha na velocidade da minha cidade, no interior..

"E o senhor, além de português e burro é fascista":
TPXXXXXXXXXXXXI!
Mestre!

É incrível esse preconceito que o paulista tem.. Isso me fez lembrar certa sexta feira do mês passado, estava voltando de ônibus pra Jaú. Antes de embarcar, na Barra Funda, reparava nos que iriam no mesmo busão que eu. Estava rezando para sentar-me sozinha para poder dormir nas duas poltronas (como eu sou pobre...), porém sentou-se do meu lado um rapaz magrelo, alto, bem moreno, com os cabelos todos espetados para cima, usando Ray Ban e aqueles tênis coloridos da Nike que estão na moda. Confesso que senti certo preconceito, mas venci meu "fascismo" e puxei conversa com o rapaz. Ele era pernambuncano, mulato e claramente homosexual. E "emo". Conversamos a viagem inteira, ele foi muito simpático e muito mais interessante que o meu preconceito seria capaz de prever.
Ele desceu na Barra Bonita, eu segui viagem até Jaú. Uma moça que estava do outro lado do corredor comentou "Agora você se livrou daquele eminho, hein!".
Me faltou uma resposta rápida naquela hora.

;*

LarimbA disse...

Sei que este não é o post mais apropriado para meu comentário, mas há certas coisas que são incoerentes mesmo: leitora "anônima" de seu blog, acredito que cada diálogo que você estabelece com seus alunos (ex-alunos no meu caso) promovem mais do que o 'além da sala de aula´: eles permitem que se reconheça um pensamento extra-acadêmico ou whatever... me sinto sempre mais próxima de culturas outras, de pessoas outras, de ambientes outros... tudo através de suas palavras! Palavras suas que poderiam se esquecer em um caderno ou mesmo nem serem registradas, mas que compartilhadas se transformam em dias mais sensíveis pra mim.

LarimbA disse...

Escrevi este comentário pois estou lendo seu blog enquanto finjo q faço alguma coisa aqui no paço das artes... pessoas discutindo cachês de artistas e artistas discutindo onde passar o fim de semana... enfim, blog-refúgio!

Gian disse...

Honey: ter como única reação chamar o outro de "Seu seu seu... boboca !" já me aconteceu muuuuuuuuitas vezes...

B: legal isso, "minha cabeça trabalha na velocidade da minha cidade, no interior". Será que pensamos mais rápido em cidades grandes ? Será por isso que Nietzsche ia pensar com as vacas, nas montanhas ?

Anônima: a graça toda está em pensar que a diferença entre o pensamento acadêmico e o "extra-acadêmico" não existem. Claro, existe linguagem acadêmica e linguagem extra-acadêmica... mas aí é uma longa história, né ?

Gabriel disse...

"a graça toda está em pensar que a diferença entre o pensamento acadêmico e o "extra-acadêmico" não existem." De fato, embora muitos intelectualóides insistam nessa dferença, segregando alguns por não exporem seus pensamentos de maneira formal, ou acadêmica.

Mariana Teresa Galvão disse...

Excelente. Vou esperar o espírito se manifestar para comentar, posteriormente, algo mais efetivo. Se tiver.

bobby* disse...

E as musicas q eu te falei? Chegou a ouvi-las??
abs

marcio nattan disse...

brilhante!!!!