terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"On the road again"


Talvez por ter sido a primeira, aquela foi a viagem mais mal planejada de todos os tempos. Tinha hospedagem barata e transporte coletivo gratuito garantidos na cidade durante um mês, mas logo percebi que meu dinheiro só iria durar esse tempo todo se eu levasse uma existência quase miserável. Em pouco tempo estabeleci uma rotina (eu precisava de uma rotina para não enlouquecer): acordava pelas 9h, tomava o humilde café da manhã (café puro, uma baguete com manteiga) no foyer de estudantes da inacreditável Faculdade de Teologia Protestante de Paris e saía para a cidade.

Dia sim dia não, comprava um Libération e ficava lendo diante da Fonte dos Médici. Em seguida batia perna pelo quartier latin, ia às livrarias, fuçava as prateleiras, lia toneladas de histórias em quadrinhos sem pagar. Por volta de 13h, voltava para o foyer, comia um croissant no caminho, cochilava, muitas vezes ouvindo o barulho peculiar das sirenes da polícia francesa – havia um quartel logo ao lado. Às vezes ficava apenas olhando as árvores pela janela. Naquela hora fazia calor, muito calor, o mês de julho daquele ano é preservado na memória dos parisienses como o mês da canicule, do calor infernal, com temperaturas que chegavam a 35°. O calor excessivo secava as árvores e amarelava as folhas, dando à paisagem um inesperado aspecto outonal.

Quando refrescava um pouco eu saía, pegava o metrô e ia andar pela a cidade. Fui a todos os lugares possíveis (e também a alguns imaginários), visitei todos os locais que não precisava pagar, conheci a rede de metrô de Paris como poucos. Fui a lugares muitas vezes ignorados pelos turistas, como o parque Buttes-Chaumont e as casinhas em volta da Place d’Italie, os ateliers de La Ruche e a Cité Universitaire. Mais tarde, 20h, com o dia ainda claro, voltava para o foyer tomava um banho (as duchas ficavam no fim do corredor e mesmo com o calor eu era um dos poucos hóspedes que as utilizava) e ia perambular pela rue Daguerre, comer comida de rua boa e barata.

Foi em um desses dias quentes, voltando de metrô para meu “lar” parisiense, que vivi uma pequena epifania. Estava na linha 6, no trecho elevado ainda próximo à torre Eiffel [foto acima], quando dois turistas americanos, jovens, cabeludos e carregando um violão, entraram no vagão e começaram a cantar. Da linha elevada via-se pelas janelas do trem o céu alaranjado e, diante dessa moldura, a dupla muito afinada cantava o country “On the road again”, de Willie Nelson. Pediam moedas para os passageiros. Foi naquele exato momento – ouvindo os dois cabeludos em um vagão lotado e mal cheiroso de metrô, ao mesmo tempo em que me sentia muito solitário e sem dinheiro – percebi: nada daquilo importava. Eu estava na estrada.

Por pior que seja a viagem, ela é sempre melhor que não viajar.
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Nos próximos dias, os alegres colóquios serão realizados em outras cidades, sob outros ares. Boas viagens para todos nós.

7 comentários:

Mariane disse...

Q delícia de post!

Will disse...

Em qual pais vc esta afinal? Eu admiro muito vc, entre outras coisas, por poder viajar sem precisar d guia turistico. Essa independencia gostaria d ter, te dá os 5 minutos e vc vai pra Paris, sem precisar d ajuda. Parabens, vc eh oq muitos gostariam d ser =)... E quanto sua ultima frase, me lembrou uma q vc me disse: "Prefiria comer no DOM e ir pra praia grande?"
Ha algo d magico nas suas viagens

Erica Watanabe disse...

Ah, viagens... lindo post, Gian. Eu queria estar viajando também.

barbarafnadaleto disse...

"Por pior que seja a viagem, ela é sempre melhor que não viajar."
Fato! Sempre se cresce com experiências assim.

Muito gostoso ler esse post mesmo, me dá uma tremenda inveja de todos os que estão viajando pela Europa com você e com o Maurício...
Como eu queria estar junto!
Principalmente porque não há guia turístico que seja capaz de acrescentar tanto às nossas vidas como vocês.. aposto que seria inesquecível.

Engraçado que eu estava assistindo ao musical "Mamma Mia!", esses dias, e justo uma das músicas ("Our Last Summer") me fez desejar muito viver uma viagem dessas por Paris, sem ter que se preocupar com dinheiro ou tempo ou listas de vestibulares ("living for each day/worries far away")...

Fazer o quê.. me resta tentar aproveitar Ubachuva (se São Pedro permitir) e tentar me desligar do fantasma dos vestibulares >.<

Beijos, Gian!
Boa viagem pra vocês!
(voto inútil, óbvio que viagem será boa ¬¬)

Honey and Milk disse...

Tenho que concordar.. e acrescentar que é das situações mais difíceis que você dá mais risada depois...
Sem dúvida você lembra desse momento com um sorriso no rosto...

E concordo com o brother ai de cima..
quero ser você quando eu crescer =)

Beijo Janjão! Boa viageeem

Maurício S. Filho disse...

Fico feliz por participar de viagens um pouquinho mais glamourosas ao seu lado, Gian! A sua convivência, o seu carinho pela minha família e os seus ensinamentos têm me tornado um homem melhor. Valeu por esses três anos mais ou menos "on the road".
Um abraço.

Erica disse...

Gian, acho que ja te falei que as viagens para ouro preto e europa mudaram minha vida! e fizeram isso porue mudaram minha forma de pensar ou de ver o mundo! Essas férias fui fazer um outro intercambio e fiquei muito sozinha! acho q me senti um pouco como vc disse! on the road! Nossa vivi umas coisas tao engraçadas, estranhas... E percebi em muitos momentos o "fazer os pontos turisticos!"
Ahh mas para onde foi a viagem desse ano? como foi? aposto q a primeira foi bem mais legal! ehhehe bjos