sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Fazer amor




Incomodam-me certos usos do verbo fazer. Agora, recém chegado de viagem, penso nas muitas conversas que tive com as multidões barulhentas de brasileiros que viajam para o exterior hoje em dia. Nessas conversas, as referências a viagens realizadas frequentemente eram acompanhadas do verbo fazer. Dessa forma, conheci pessoas que esse ano fizeram Inglaterra, Espanha e França, ou quando foram para a Itália fizeram Roma, Florença e Veneza, e até um mais inspirado que pretende fazer o litoral da Croácia no verão.

A fúria realizadora não se limita aos destinos das viagens, mas a locais específicos. Assim, pode-se fazer o Louvre e a Torre Eiffel em um dia, deixando para fazer Versalhes e Champs Elisées no outro. O ponto culminante dessa orgia empreendedora está na história que ouvi em um alegre colóquio, em que foi citado um parente de não sei mais quem e que, ao visitar museus, ia passando pelos quadros sem parar, apontando rapidamente para cada um e dizendo: “Já vi... já vi... já vi...”. Acho que é essa a mentalidade que faz com que as pessoas tirem fotos ao lado de quadros famosos: fiz o Louvre, já vi tudo e aqui está a prova.

Mas há também a possibilidade de usar esse verbo tão dinâmico para as compras. Assim, é sempre bom reservar um tempo da viagem para fazer a Zara, fazer a galeria Lafayette, fazer o free-shop, e por aí afora. A meu ver, o uso excessivo do verbo fazer reflete a instrumentalidade em que se converteu a experiência que está sendo descrita. Não importa o lugar visitado, mas o ato da visita. Não importa o quadro contemplado, mas o ato físico de percorrer o Museu. Não importa o objeto comprado, mas o fato de compras terem sido realizadas. Trata-se da própria essência do “empreendedorismo”, palavra tão em moda nesses tristes dias: a ênfase está no agir, não importa em relação a que. Fazer é um fim, e não um meio para usufruir das coisas.

[interlúdio bem pouco pop: lembro de velhos filósofos alemães que chegaram a essa mesma conclusão, mas não a partir da análise de viagens ou visitas a museus ou compras, mas investigando as origens do totalitarismo, ou mesmo tentando entender o Holocausto. O deslocamento de ênfase para os fins acaba resultando em um desprezo em relação aos objetos que se encontram no caminho da realização, mas acontece que às vezes esses objetos são pessoas. Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa no Livro do Desassossego, teve essa mesma intuição, e eu escrevi uma dissertação de mestrado falando disso.]

E aqui chegamos ao ponto. Fazer amor, uma expressão que é usada amiúde e, lamento constatar, com o mesmo sentido instrumental dos outros usos do verbo fazer. Outrora, achava que fazer amor era mero anglicismo, simples tradução impensada de make love. Eu evitava usar a expressão, mas há poucos equivalentes adequados. Transar soa para mim como uma gíria dos anos 70 que teve uma sobrevida, e meter é quase tão chulo quanto trepar. Fazer sexo parece artificial, enquanto copular parece saído dos manuais de medicina e fornicar soa proibitivamente bíblico. Claro, minha dificuldade em encontrar uma palavra adequada para descrever o ato sexual já foi objeto de escrutínio, eu apenas poupo os leitores de conclusões que me desvendariam mais do que posso tolerar.

Com o tempo, passei a me acostumar com o termo fazer amor, pois de fato muitas vezes há uma instrumentalização do ato sexual. Longe de qualquer puritanismo, acho que essa instrumentalização pode ser autêntica: damo-nos prazeres físicos de diversas formas, fazer amor é uma delas. Em outras palavras, às vezes realizamos o ato sexual como comemos chocolates.

Porém, muito além de fazer amor, há outra forma de realizar o ato sexual, da mesma forma que podemos viajar ou visitar museus de forma diferente da instrumental. Trata-se de deslocar a ênfase do fazer para o amor, incluindo todas as implicações transcendentes contidas nesta palavra. Trata-se de experiência sobre a qual temos bem pouco controle, e felizes são aqueles que – tendo encontrado um objeto para esse afeto profundo que chamamos amor – acabam por consumá-lo no ato sexual. Pois não existe experiência mais completa que o amor físico acompanhado do amor espiritual que, ao mesmo tempo, amplia a elevação espiritual (temos vontade de dizer “eu te amo” durante o ato) e multiplica a sensação física (que, mesmo restrita ao plano material, passa a ir além do gozo puro e simples).

E de tudo isso, a única coisa que posso concluir é: amemos, seja lá como for.

5 comentários:

Unknown disse...

Sabe o filme "O Mágico", Gian?
Faz uma referência forte ao ato de consumir.
A própria experiência de amar hoje, me dá a idéia de empreendedorismo."Investir em uma relação".Tão chato entender isso dessa forma né?

Mariane disse...

tem coisas q ñ existe uma palavra adequada para descrever... essa é uma delas!

S. disse...

Carne trêmula!

Honey and Milk disse...

oh heavens.

Marcos Vinícius disse...

No curso de jornalismo também há um excessivo uso do verbo fazer, a expressão que eu julgo ser a mais correta é 'fazer uma foto'; Literalmente, você faz a foto, em muitas ocasiões, você molda o ambiente e a situação de acordo com as vontades do artista, no caso, o fotógrafo.