segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Bostonians


17 de fevereiro, 13h35, Logan Airport, Boston.

Boston é o berço da independência dos Estados Unidos, mas é também o berço de uma certa cultura WASP. Penso nisso assim que chego na cidade e vejo as figuras assustadoras de bostonianos loiros de olhos azuis e rostos duros saindo da classe executiva do vôo American Airlines 2062 Miami-Boston. Dessas figuras engravatadas emana poder, quase tanto quanto dos engravatados de Wall Street. Porém, em Boston, ao contrário de Nova York, não se trata do poder econômico mas do político. Boston lembra os Kennedys, lembra Obama e a Harvard Law School que, por sua vez, alimenta a Suprema Corte dos Estados Unidos. Mas não esqueçamos que Boston é também a cidade de Sacco e Vanzetti.

17 de fevereiro, 14h30, M.I.T., Cambridge.

Chego correndo para uma aula no glorioso Massachussetts Institute of Technology. O assunto é História da Física, o professor vai continuar abordando o desenvolvimento da teoria da relatividade como tem feito nas últimas aulas. Que esperar de uma aula em um dos institutos de tecnologia mais avançados do mundo ? Pois a aula foi basicamente giz, lousa e um professor inspirado. Sem nenhum recurso material mais sofisticado, o professor deu o seu recado com uma competência e serenidade profissional exemplares. Sem querer, me vejo aprendendo algo sobre os diagramas de Minkowski.

17 de fevereiro, 14h45, M.I.T., Cambridge.

Quanto aos alunos do M.I.T., ao invés de uma multidão de Sheldons e Leonards, encontro uma turma bem normalzinha, inclusive no seu desinteresse pela aula. À minha frente, alguns dos alunos que usam note-book checam email e facebook a cada 15 minutos. Ao meu lado, uma imbecil passou metade da aula se dedicando a um joguinho qualquer no seu iPhone.

18 de fevereiro, 9h50, Haymarket, Boston

Nevou muito neste inverno, embora eu tenha sido agraciado com alguns dias bem amenos. Porém, a neve permanece acumulada nas ruas em volume espantoso. Não é raro caminhar pela calçada em uma pequena trilha, entre compridos montes de neve empilhada que chegam a um metro e meio de altura. Nos parques, impressionantes montanhas de neve são empilhadas para permitir a circulação de carros e pessoas nas redondezas. E a previsão do tempo anuncia mais nevascas para a próxima semana. Que fazer com tanta neve ? O prefeito sugere nada menos do que uma mega operação para jogá-la no mar. A imprensa, bem humorada, chama o projeto de Boston Snow Party.

18 de fevereiro, 16h20, M.I.T., Cambridge

Há turistas que se dão ao trabalho de visitar o M.I.T., e verdadeiras excursões são organizadas com esse propósito. Alguns laboratórios chegam a afixar cartazes em suas janelas proibindo fotos. Mas os turistas são insaciáceis, e observo que a maior parte deles são chineses. Curiosamente, enquanto chineses fazem turismo em Universidades, os japoneses em geral se concentram nos Museus de arte. Já os brasileiros vão às compras. E assim está traçado o destino do século XXI: a tecnologia será chinesa, a estética japonesa e os trouxas seremos nós.

18 de fevereiro, 19h25, Kendall Hotel, Cambridge.

Cambridge – cidade vizinha a Boston e sede do M.I.T. e Harvard – transpira vida universitária. Divido o simpático hotel onde me hospedo com pais em visita aos filhos universitários e jovens estudantes que vieram passar o fim de semana na cidade, para participar de uma Olimpíada de Matemática ou algo do gênero. No lobby do hotel, tomando um vinho da Califórnia, converso com um engenheiro espacial italiano que veio encontrar o filho. Passo toda a conversa segurando o riso e me contendo para não soltar uma ironia qualquer sobre o insuspeito Programa Espacial Italiano. Quais seriam suas metas ? Colocar um rigatoni em órbita até o final da década ?

18 de fevereiro, 21h15, Union Oyster House, Boston

Resumo de Boston: peixe, marisco, peixe, peixe, lagosta, marisco, peixe, ostras e peixe. E, para esquentar, um prato de clam chowder.

19 de fevereiro, 11h25, Museum of Fine Arts, Boston

Há um belo Museu de Artes em Boston, com uma simpática e abrangente coleção de arte ocidental e incluindo peças que vão do Egito antigo até a época contemporânea, e tudo isso sem descuidar das particularidades locais, com vasto espaço dedicado à arte norte-americana (incluindo afro-american e native-american). Pode-se questionar a validade de um Museu tão enciclopédico, mas seu efeito didático é excepcional. A possibilidade de encontrar Picasso a poucos corredores de distância de máscaras africanas é francamente estimulante. Da sala dedicada ao "impressionismo em Boston” destaquei o quadro que abre o post, de um certo Frederick Childe Hassam, chamado Boston Common at twilight.

19 de fevereiro, 16h10, North End, Boston

Em uma cidade tão WASP, há católicos por todos os lados, irlandeses, portugueses e, sobretudo, italianos. Estes se concentram em North End, bairro simpático pela sua arquitetura red brick e pelo sotaque de seus habitantes: pelas ruas, todas as pessoas falam como se fossem membros da família Corleone. Além disso, North End cheira bem graças ao saboroso aroma que sai de suas muitas cantinas, doceiras, padarias e pizzarias. Entro na Mike’s Pastry, famosa pelos seus cannoli e peço um simples. O atendente leva meu doce até o caixa, mas a moça do caixa se atrapalha tentando abrir um pacote de chicletes e me ignora por um instante. Não resisto. Finjo de bravo e digo a ela: “Leave the gum, take the cannoli”.

20 de fevereiro, 10h15, Miami International Airport, Miami

Não há vôos diretos de Boston para São Paulo, devo fazer uma conexão. Chegando ao aeroporto de Miami, ouço por toda a parte pessoas falando em espanhol. Ufa, finalmente estou de volta aos Estados Unidos.


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(Agradeço ao alegre casal Lucas e Clarissa pela calorosa acolhida em pleno inverno da Nova Inglaterra)

11 comentários:

Alê Bezerra disse...

Só pra registrar: confesso que me diverti às pampas com o "Boston Snow Party"!

Raphael Felice disse...

gosto dos começos de ano, quando o blog vira um diário de viagens..
Legais os relatos!

Marcos Vinícius disse...

Achei legal a sua reflexão sobre o futuro do século XXI e seu oportuníssimo e paródico comentário à "The godfather". Também acho interessante viajar pelo mundo, como você faz, relatando experiências e 'causos'. Invejo-o um pouco. Abraços

Renata Zortéa disse...

Invejinha de você em Boston!

Unknown disse...

Curti bastante o formato em diário.
E em especial a parte gastronômica.
Hmm...Água na boca.

Unknown disse...

Simplesmente Sensacional! Gostaria muito de ser seu companheiro de viagens!

Gian disse...

O relato da viagem pode ser melhor que a própria viagem. Afinal, a realidade é só uma desculpa para escrevermos sobre ela.

Bá :) disse...

Janjão,estava com saudades dos seus posts!
Achei legal a forma como vc descreveu,du para senir que a viagem foi bem legal!!! (:

Beeeijos

simplesmente Nicolle disse...

Prof, acho muito legal a visão muito além do que está exposto que você tem dos lugares, das pessoas e experiência pelas quais passa!! Consegue através do seu conteudo fazer analises espetaculares!!!!!
Deve ser incrivel viajar contigo!!
beijos

Unknown disse...

Essas viagens que me deixam com água na boca! Um dia você viajará comigo na cabine, topa? :)

Daniel disse...

Gian,
Mais uma vez, parabés pelo seu blog. Ele só ajuda a engrandecer as nossas vidas.

Obrigado!