A – Estratégias
da ilusão
A
esquerda é dotada de visão arguta, e costuma brandir as armas da crítica como
ninguém (a ponto de o próprio ato de brandir
as armas da crítica ser considerado por si só um gesto de esquerda). A direita
quase sempre evita o debate, mais interessada que está em usufruir do status quo. Dessa forma, o pensamento
crítico acaba sendo quase monopolizado pela esquerda, e é quando pode surgir uma estranha
forma de alheamento da realidade que resulta na elaboração das estratégias da ilusão. O fenômeno é
bastante comum: certos grupos, por simples falta (ou, vá lá, recusa) do diálogo
tornam-se irremediavelmente descolados da realidade, debatendo, fechando-se e
dando voltas em torno de si próprios. Referência: Intentona de 1935 e o
imperdível livro do imperdível Paulo Sérgio Pinheiro, de onde tirei o subtítulo
acima.
B – Parole,
parole
Quando
o discurso se faz na rua ou sobre o palanque (ou se manifesta em blogs...), ele
deixa de ser preciso, e morre vítima do reducionismo mais sórdido e do
maniqueísmo mais tolo. Raros são os momentos históricos em que um Lenin
conseguia captar o espírito das massas e traduzi-lo em slogans curtos de
impacto imediato. Talvez na sociedade russa pós-feudal (ahn ?) isso ainda fosse
possível, mas a experiência do século 20 já mostrou o quão raro isso pode
existir em uma sociedade complexa. Referência: dos totalitarismos à democracia
formal (sem amarrá-los no mesmo feixe, mas observando a instrumentalização do
discurso em ambos).
C – Violência
gera violência
Ao
iniciar um ato de violência, a resposta imediata inevitavelmente será a
violência. A descida rumo aos instintos mais primários resulta em uma
infantilização brutal, que acaba se manifestando em discussões tão bizantinas quanto
pueris sobre “Quem começou primeiro” [sic]. No dia em que o filho morre nos
braços da mãe, faz-se necessário parar e pensar se a luta vale a pena. (“Mas, esperem um pouco, do jeito que está os
filhos já estão morrendo nos braços das mães !”. A saída me parece bem mais complexa
do que quebrar vidraças.) Referência: o euroterrorismo nos anos 70.
D – Estratégias da
ilusão II
O
capitalismo estimula valores como a competição, individualismo e lucro, bem
como a realização do sucesso através da posse de objetos materiais, e do mais mágico de todos os objetos: o dinheiro.
Nesse contexto, a corrupção é inerente ao sistema. Partindo dessa constatação e
fazendo uma leitura rasa do materialismo marxista, a conclusão só pode ser:
basta mudar a organização material da sociedade (sua ordem socioeconômica) que
o universo de valores também irá mudar. O mecanicismo por trás dessa concepção
é evidente, e três ou quatro modalidades de organização socioeconômica alternativas
praticadas a partir do século 20 provaram o tamanho do problema e a apontaram
para a persistência da corrupção, sob novas roupagens. Referência: modelos soviético,
chinês, albanês. Khmer ? Chavismo ?
Volto
às sociedades complexas. O bom Max Weber observava, argutamente, a criação de
amplas estruturas burocráticas necessárias para efetivar a produção e a
distribuição, bem como a administração de sociedades populosas e centros
urbanos gigantescos. Privadas ou públicas. Oras, abolindo-se a atual organização
socioeconômica e descartando-se os modelos históricos alternativos fracassados,
alguém me diz como sobreviver como 7 bilhões de pessoas no planeta, sem as tais
organizações burocráticas gigantescas, essas
sim, corruptíveis na sua própria essência ?
Resumindo
e colocando em outras palavras, em que sentido a luta deve se encaminhar ? Onde
devem ser abertas as novas trincheiras ?
Um comentário:
Era para se chamar: "Quatro coisas que aprendi estudando História", daí as referências históricas ao final e cada item. O texto já estava escrito faz tempo, e tornou-se bastante atual, depois de junho.
O gracejo com o título do filme (que aliás, continua em cartaz) foi inevitável.
Postar um comentário