sábado, 13 de julho de 2013

Depois de Junho




A – Estratégias da ilusão
 
A esquerda é dotada de visão arguta, e costuma brandir as armas da crítica como ninguém  (a ponto de o próprio ato de brandir as armas da crítica ser considerado por si só um gesto de esquerda). A direita quase sempre evita o debate, mais interessada que está em usufruir do status quo. Dessa forma, o pensamento crítico acaba sendo quase monopolizado pela esquerda, e é quando pode surgir uma estranha forma de alheamento da realidade que resulta na elaboração das estratégias da ilusão. O fenômeno é bastante comum: certos grupos, por simples falta (ou, vá lá, recusa) do diálogo tornam-se irremediavelmente descolados da realidade, debatendo, fechando-se e dando voltas em torno de si próprios. Referência: Intentona de 1935 e o imperdível livro do imperdível Paulo Sérgio Pinheiro, de onde tirei o subtítulo acima.
 
B – Parole, parole
 
Quando o discurso se faz na rua ou sobre o palanque (ou se manifesta em blogs...), ele deixa de ser preciso, e morre vítima do reducionismo mais sórdido e do maniqueísmo mais tolo. Raros são os momentos históricos em que um Lenin conseguia captar o espírito das massas e traduzi-lo em slogans curtos de impacto imediato. Talvez na sociedade russa pós-feudal (ahn ?) isso ainda fosse possível, mas a experiência do século 20 já mostrou o quão raro isso pode existir em uma sociedade complexa. Referência: dos totalitarismos à democracia formal (sem amarrá-los no mesmo feixe, mas observando a instrumentalização do discurso em ambos).
 
C – Violência gera violência
 
Ao iniciar um ato de violência, a resposta imediata inevitavelmente será a violência. A descida rumo aos instintos mais primários resulta em uma infantilização brutal, que acaba se manifestando em discussões tão bizantinas quanto pueris sobre “Quem começou primeiro” [sic]. No dia em que o filho morre nos braços da mãe, faz-se necessário parar e pensar se a luta vale a pena.  (“Mas, esperem um pouco, do jeito que está os filhos já estão morrendo nos braços das mães !”. A saída me parece bem mais complexa do que quebrar vidraças.) Referência: o euroterrorismo nos anos 70.
 
D – Estratégias da ilusão II
 
O capitalismo estimula valores como a competição, individualismo e lucro, bem como a realização do sucesso através da posse de objetos materiais, e do mais mágico de todos os objetos: o dinheiro. Nesse contexto, a corrupção é inerente ao sistema. Partindo dessa constatação e fazendo uma leitura rasa do materialismo marxista, a conclusão só pode ser: basta mudar a organização material da sociedade (sua ordem socioeconômica) que o universo de valores também irá mudar. O mecanicismo por trás dessa concepção é evidente, e três ou quatro modalidades de organização socioeconômica alternativas praticadas a partir do século 20 provaram o tamanho do problema e a apontaram para a persistência da corrupção, sob novas roupagens. Referência: modelos soviético, chinês, albanês. Khmer ? Chavismo ?
 
Volto às sociedades complexas. O bom Max Weber observava, argutamente, a criação de amplas estruturas burocráticas necessárias para efetivar a produção e a distribuição, bem como a administração de sociedades populosas e centros urbanos gigantescos. Privadas ou públicas. Oras, abolindo-se a atual organização socioeconômica e descartando-se os modelos históricos alternativos fracassados, alguém me diz como sobreviver como 7 bilhões de pessoas no planeta, sem as tais organizações burocráticas gigantescas, essas sim, corruptíveis na sua própria essência ?
 
Resumindo e colocando em outras palavras, em que sentido a luta deve se encaminhar ? Onde devem ser abertas as novas trincheiras ?
 
 

Um comentário:

Gian disse...

Era para se chamar: "Quatro coisas que aprendi estudando História", daí as referências históricas ao final e cada item. O texto já estava escrito faz tempo, e tornou-se bastante atual, depois de junho.

O gracejo com o título do filme (que aliás, continua em cartaz) foi inevitável.