segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Por que e como diabos fui gostar de American Chopper



Para quem não conhece, a coisa toda é assim: trata-se de um programa de TV, no estilão pegajoso dos reality shows da vida e que se passa em uma oficina de construção de choppers, aquelas motonas americanas no estilo Easy Rider. Paul Senior, o grandalhão proprietário da “Orange County Choppers”, comanda o empreendimento, junto com seu habilidoso filho Paul Junior e com o eficiente mecânico Vinny. Volta e meia, Mike, o outro filho, dá as caras na oficina, mas parece que sua competência para o trabalho (e para a vida) é bem limitada.

O que acontece naquela oficina é absolutamente entediante. Eles recebem pedidos de choppers personalizadas, fazem o projeto, encomendam as peças e montam o troço todo. Sempre há preocupações com os prazos, sempre há aqueles pequenos detalhes que não dão certo, sempre há reclamações sobre trabalhar nos fins de semana, etc. Os diálogos são maçantes e repetitivos, “Eu sabia que aquela moto seria especial” ou “Onde está a solda ?” ou “Quero ver essa moto pronta até sábado!” ou ainda o vibrante “Vamos limpar essa oficina”.

Nos bons anos 70, esse tipo de moto se identificava com a contracultura, e qualquer um no volante (guidão?) de uma chopper poderia, legitimamente, se sentir um Peter Fonda ou, melhor ainda, um Dennis Hopper. Hoje elas foram incorporados pela cultura burra americana, a cultura dos carrões, dos fortões. Paul Senior, o proprietário, encarna como ninguém esse universo, com seu pescoço taurino, bíceps avantajados cobertos de tatuagens, seu SUV e seu jeito truculento em geral. Paul Senior bate as portas, grita com os funcionários, é de uma grosseria explícita. As choppers encomendadas muitas vezes são personalizadas em estilo militar, com temas como a Polícia de não-sei-onde ou o helicóptero militar Apache ou os veteranos do Vietnam.

Nos episódios da série, muitas vezes vemos Paul Senior, Paul Jr, Vinny e Mike nas suas horas vagas, que eles aproveitam para fazer coisas como ir ao boliche ou treinar a pontaria. Aliás, foi justamente em um stand de tiro que o bobão Mike descobriu sua única habilidade na vida, o tiro. (Calafrios. O bobão da turma, costumeiramente ridicularizado por pais e amigos, descobre ser habilidoso com armas de fogo. Subitamente ele pode sentir um desejo de vingança contra todos e... soa familiar ? Maiores informações em qualquer jornal norte-americano da semana.)

American Chopper significa, em princípio, tudo que qualquer pessoa de sólida formação humanista abomina. Não sei lidar com motos, suspeito do modo de vida estiloso que as pessoas inventam só porque tem motos estilosas, além de me entediar até as lágrimas com problemas de engenharia e com o trabalho mecânico em geral. Com o tempo, fui descobrindo que a minha capacidade de diálogo (ou de convívio) com pessoas de bíceps gigantescos, tatuagens, e que se divertem dirigindo carros gigantes quando não estão no volante de suas motos, é bem limitada. Muitas vezes, penso que o simples fato do indivíduo usar um boné (como todos usam em Orange County) já diz muita coisa sobre seu universo de valores. E, convenhamos, um reality show chamado American-qualquer-coisa tem forte possibilidade de ser repugnante para os espíritos, digamos, mais sensíveis.

E, no entanto, eu não consigo tirar os olhos da maldita TV quando passa American Chopper.

Depois de meses de angústia, hoje consigo vislumbrar um porque. Aquele mundo do American Chopper é um mundo essencialmente masculino, mulheres simplesmente não aparecem em cena. É também um mundo que gira em torno do trabalho, talvez o verdadeiro tema da série. Assistindo American Chopper, comecei a suspeitar que o trabalho é a única forma que os homens encontraram até hoje de construir relações entre si. Naquela oficina, os laços que unem as pessoas parecem ser muito fortes: volta e meia lá estão Paul Jr e Vinny, lado a lado, contemplando o trabalho feito ou analisando um problema prático qualquer. É assim que homens constroem suas relações, ombro a ombro. Homens nunca se olham de frente, nos olhos, pelo contrário, eles dirigem juntos o seu olhar ao mundo ao seu redor. Homens têm a estranha compulsão de querer conquistar esse mundo, ou mudá-lo através do trabalho. Às vezes, Paul Jr e Vinny contemplam o trabalho pronto, ou o problema resolvido, e não dizem nada (eles não precisam dizer nada), mas escapa um sorriso. Talvez Marx estivesse certo: o trabalho é uma das formas de realização do ser humano.

(Mulheres olham de frente, nos olhos, mulheres prescrutam a alma. Local essencialmente feminino: salão de beleza, manicure, frente a frente. Local essencialmente masculino: estádio de futebol, arquibancada, lado a lado. Queira ou não, a presença de um indivíduo do outro sexo em cada um desses ambientes sempre causa estranheza, provocando gracejos ou despertando curiosidade.)

Além disso, American Chopper traz à tona um aspecto esquecido da masculinidade: a paternidade. Pois e não é que o grandalhão monstruoso Paul Senior se preocupa com Mike ? Paul Senior xinga o filho, bate, ridiculariza... mas, volta e meia, ele inventa um trabalho para o filho problemático, por mais simples que seja. E acompanha o trabalho sem dizer palavras femininas de encorajamento, mas sim ásperas palavras masculinas de cobrança, como ele faz com todos os demais funcionários da oficina. Porém, Paul Senior não abandona o filho difícil, Paul Senior traz Mike para fazer parte da turma truculenta. Mais de uma vez, após Mike conseguir realizar um trabalho simples com muita dificuldade, o paizão dá um sorriso. É como se pensasse: agora o filhote pode sobreviver, ele está aprendendo, ele vai sobreviver.

Talvez American Chopper promova um reencontro com nossa própria masculinidade. Depois de anos sendo sensíveis, demonstrando uma preocupação autêntica com as pessoas, depois de anos sem segurar o choro e indo ao cinema para assistir o filme que ELA escolheu, redescobrimos a nossa masculinidade naquilo que pode ter de mais inspirador. Sem abrir mão da sensibilidade que aprendemos a deixar aflorar, retornamos a nós mesmos, percebemos que somos capazes de construir relações fortes com pessoas com quem trabalhamos, ou ainda, descobrimos um sentido para a existência, por exemplo, em uma paternidade engajada. No final, descobrimos que somos pessoas melhores assistindo American Chopper.

American Chopper restaura minha confiança na Humanidade. Talvez Mike por fim não se torne um serial killer.

7 comentários:

Unknown disse...

Gian, q surpresa!!! Vc assiste American Chopper!!! rs
Eu não sou a maior fã do mundo desse programa, pra falar a vdd comecei a assisti-lo pq as pessoas q moram cmg não me dão mta opção!
Agora começarei a vê-lo com outros olhos!


Ahhhh tadinho do Mike, ele é o q mais me diverte, já o Paul Senior, meu deussss, desse sim eu tenho um medinho, aliás um medão! rs

Mariana Teresa disse...

Não sei até que ponto essas relações femininas/masculinas estão vinculadas com o "instinto" mulher/homem. Difícil esse questionamento... Existem diferenças entre os sexos, fato, mas parece "caminhar numa linha" de preconceitos. Sei que quando se diz sobre o homem trabalhando e construindo suas relações não exclui a mulher (espero). Mas me parece muito complicado dizer sobre esses universos (masc./fem.) sem estar dentro (dos dois ao mesmo tempo, haha). E como você disse no final, as coisas se mesclam, e poder ver um universo só masculino, remeta a talvez um instinto. Só não sei se esse "instinto" é natural ou se construiu na sociedade (e quando e porque!). Acho que só falei besteira, e quanto mais penso nesses questionamentos mais dúvidas tenho! Enfim, vou refletir mais, gostei do texto como uma nova visão.

Willzito disse...

Realmente esse tipo d programa nao eh minha cara... vi poucas vezes, mas sempre fujo d reality show.
O menos ruim q acho eh akele Caçadores de Mito...mas enfim....Vc viu q aumentou o numero d venda d armas nos EUA?? O povo ta com medo do Barack baixar algum decreto dificultando a compra.
E as poucas vezes q vi esses programas, nao me senti mais homem, me senti mais burro(tá..exagero, nao me senti asno)

Gian disse...

Mari, é mesmo complicadíssimo entrar nesse assunto, das diferenças mulher/homem. A reflexão cai no preconceito, alimenta estereótipos, e assim vai. Acho que cabe tentar pensar as diferenças, mas sabendo que elas não são absolutas. Sim, existem homens que prescrutam sua alma com o olhar; sim existem mulheres que se realizam com o trabalho mecânico bem feito.

Will, acho "Myhtbusters" sen-sa-cio-nal, os caras acharam um jeito de tornar o conhecimento científico uma coisa lúdica, envolvente, interessante. Agora, cá entre nós, se sentir "burro" acompanhando as aventuras de Paul Senior ??? Francamente, hein...

Ariane Cuminale disse...

Gigizinho,
Entendi perfeitamente os seus motivos de gostar tanto desse programa. Realmente, eu nunca tinha visto esse programa por falta de paciência mesmo. Nunca me interessei.
Você colocando o programa dessa forma, me mostrando coisas que nunca tinha pensado num programa desse é bem legal, e me faz pensar numa outra coisa.
Ainda no People & Arts, eu, mulher, prefiro muito assistir Extreme Makeover: Home Edition, Miami Ink. Pensei durante três segundos nos porquês disso, e logo me veio a mente: Emoção! Nós mulheres somos absurdamente emotivas, e às vezes precisamos de coisas tão emotivas quanto o nosso universo para nos identificar. Eu com certeza nunca teria feito uma análise dessa acerca de 3 marmanjões, e isso me faz pensar em várias coisas, afinal me considero uma pessoa hiper sensível, e não só no fato de ser chorona.
Uma delas é essa falta de sensibilidade feminina: ÓÓÓ! Não que nós não somos sensíveis, magina, somos e muito, mas às vezes só de ver o "resumo" do programa "pai e filhos construindo motos de arrasar, uhuuu" (tá, não é esse, inventei agora), talvez não desperte interesse algum. Agora, "famílias que estão em desespero e ganham uma reforma radical" ou "pessoas que vao fazer tatuagens e contam suas histórias emocionantes". Olha só como são muito chamariz para pessoas super sensíveis ou até pseudo sensíveis.
Sei que estou super generalizando, mas as vezes pra "analisar" certas coisas é preciso chegar nesse extremo.
Enfim, continuarei não assistindo esse programa, e continuarei chorando em Extreme Makeover e Miami Ink, mas agora já vejo o grandalhão Paul Senior com outros olhos. Parabéns por conseguir ver essas coisas com outros olhos!


Saudades de você Gigizinhooo!
Beeeijos

Ariane

H. H. M. M. disse...

Realmente surpreendedor. Não passava pela minha mente a possibilidade de TE VER assistindo ao American Chopper. Bem, essa possibilidade ainda não cabe na minha cabeça. Mas, pelo menos, hoje minha inocente mente, que insiste em perscrutar a alma alheia com um leve arbítrio (comparado ao qual uso quando decido julgar a minha pobre e inocente conduta), sabe que eu não sou o único a prezar por tal programação! Sinto-me aliviado. Hehehe

Unknown disse...

Hehehe... Tô de risos até agora, porque minha empolgação com motores, clindradas, pistões deve te entediar até as vísceras.

As relações do universo masculino- de trabalho, de paternidade- às vezes soam mais verdadeiras que as femininas.Será que é por isso que a mulher usa tanto o olhar? Para checar se a outra pessoa está sendo falando a verdade?