quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Arquitetura e bloquinhos coloridos





Qual era seu brinquedo de construir preferido quando criança ? “Brincando de Engenheiro” ? “Blocos de Construção” ? “Blocos Xalingó” ? Ou o impagável “Brincando de Engenheiro com a Turma do Chaves” ? (sim, existe).

Há um tipo de arquitetura na cidade que não fica nada a dever aos prédios que construíamos com bloquinhos coloridos na infância. Costumo chamá-la de Arquitetura Pueril e seu estilo limita-se à junção de blocos formados por figuras geométricas simples, com cores berrantes. O grande oferta de materiais pré-fabricados bem como o desejo das grandes redes comerciais, ansiosas por padronizar suas lojas e criar uma identificação fácil com uma freguesia de gosto duvidoso, ajudam na proliferação da Arquitetura Pueril. O McDonalds é o modelo arquetípico, e se levarmos em consideração que qualquer vizinhança do McDonalds é necessariamente suja (devido ao volume absolutamente espantoso de detritos produzido pela indústria do fast-food), o resultado é a destruição de mais e mais áreas da cidade.

Repetindo-se como tragédia, a Arquitetura Pueril vai além das grandes redes, multiplicando-se por toda a cidade e tragando os espaços. Shopping Centers são pródigos nesse “estilo”, edifícios baratos de classe média (e alguns caros também), bem como os terríveis buffets infantis e pré-escolas, que desde cedo acostumam a criança ao mau gosto visual. Ainda pior, há uma modalidade de Arquitetura Pueril disfarçada de arquitetura adulta: trata-se do afamado neo-clássico paulistano. Aqui, as cores berrantes são substituídas por cores mortas, e os blocos de pré-moldados são empilhados de forma mais ou menos homogênea, visando dar um ar de elegância ou jeitão aristocrático. Trata-se, por excelência, da arquitetura nouveau-riche (tão indigente quanto a vieux-pauvre).

De onde vem tanta indigência ? Presumo que uma de suas origens seja a arquitetura de auto-estrada, made in USA, em que os estabelecimentos comerciais devem ser identificados claramente pelo que são a longa distância e em alta velocidade. Daí as formas simples e cores fortes. O triunfo do Modernismo, e seu apelo à simplicidade e superfícies lisas também tem algo a ver, certamente. O individualismo triunfante tem seu papel, uma vez que cada edifício é projetado para ser um fim em si mesmo, e que se dane o entorno.

Porém, temo que sua origem e proliferação esteja relacionada também a outra questão. Já repararam como a Arquitetura Pueril lembra as toscas maquetes de alunos de primeiro ano de arquitetura ? Na sua simplicidade atroz e na limitação da construção à superposição de volumes básicos, as semelhanças são gritantes. Sabemos que no primeiro ano de arquitetura o uso dessas formas, bem como sua manipulação, tem lá sua função, estimulando e provocando o jogo da criatividade, mas ninguém imagina que essas pequenas maquetes darão origem a edifícios reais um dia. Pois a Arquitetura Pueril ousa construí-los: repare como as construções parecem mesmo edifícios em miniatura que foram erguidos fora da escala mínima de onde nunca deveriam ter saído.

E aqui descobrimos a origem da proliferação da Arquitetura Pueril: o mau arquiteto que passa sua vida preso ao modelo estético da maquete e do bloquinho colorido, sem desconfiar que à sua volta existe algo vibrante chamado CIDADE.
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PS. Sobre a foto, trata-se de loja na avenida Aclimação. O prédio à esquerda também é pueril: um maquetão de uns 15 andares, com poucas janelas quadradas e paredes cinzas, nuas, ao qual foram encaixados alguns triângulos e losangos com função de terraço. Os postes onipresentes e a fiação elétrica aérea completam a devastação da esquina .

6 comentários:

Guilherme Zocchio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme Zocchio disse...

Giannnnnnn,

Conseguiu me fazer refletir de novo. xP
Coisas como essa aí já são tão batidas na nossa rotina que para nós, num primeira impressão, fazem quase nenhuma diferença

Valeu, professor! É assim que não deixo de ser "ser um pensante" e evito tornar-me apenas uma máquina de resolver exercícios, um robozinho regido pelo sistem! ;]


Não é só porque está chegando a Fuvest que vou parar de ler o que você escreve ou deixar de pensar em tudo, num mundo todo que está a minha volta, muito além daquele muquifo daquela sala de aula.

x]

\o\

Unknown disse...

Íssimo, um dia você me ensina a escrever muitíssimo bem?
haha, acho que toda vez deve ter alguém que diz isso.. !

e.. " adorei seus textos e gostei muito do seu blog! " também, né?

Minha vez de falar essas coisas! =]

beijoo!

Willzito disse...

".... se as pessoas que passam diante de nossa vida ....acabamos por ganhar nada menos que a imortalidade." Muito bom, usarei no meu cotidiano =)
Engraçado q talvez vc nao saiba o alcance do seu discurso, porem quem foi seu aluno sabe. E nao eh soh o discurso, mas o modo q vc fala e os recursos q utiliza. A grande parte dos professores do anglo sao vistos como "DEUSES". Como será q os deuses vêem(veem em 2009) os alunos? Oq vc sente quando está rodeado d alunos num bar, sabendo(ou nao) q eh a atraçao principal?
Eu sempre pensei 'Seria legal fazer amizade com os professores assim como akela turminha ali faz, mas e depois? Sao tantos q passam no Anglo q fatalmente muitos cairão no esquecimento.' Começarei a usar meu discurso pra alcançar a imortalidade hehehehe
Willzito - The poppy flower

Willzito disse...

Eu imagino vc parado pra tirar a foto e um aluno lah d dentro da loja entre uma dentada e outra no nº4 bradando:
"Fraseeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee"

Will

Gian disse...

Sempre lembro dos dois lados dessa relação: todo ano os professores levam um bocado dos alunos. Assim, está compartilhada a imortalidade, vcs continuam sendo assunto depois que saem do Anglo, vcs passam a fazer parte da nossa memória.

Talvez a atração principal do bar seja a turma de alunos.