quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Acender um cigarro




Na outra semana, em mais um daqueles “alegres colóquios”, fui parar ao lado de uma mesa “sex-and-the-city”, em um bar que não freqüentava fazia tempo. As mesas “sex-and-the-city” são muito comuns de uns tempos pra cá, formadas por grupos de mulheres que fumam e bebem despreocupadamente enquanto comentam em voz alta sua vida emocional e sexual – todas elas imaginando que são Carries, quando na verdade não passam de Charlottes.

Chamou minha atenção o fato de que as seis moças da mesa fumavam ao mesmo tempo (um cigarro aceso ajuda muito na ilusão de ser Carrie, assim como o diploma de jornalismo: eu estava em um bar freqüentado em peso pela ECA-USP), e pelo menos duas das moças da mesa praticavam um hábito irritante: para evitar jogar fumaça na cara das amigas (que, curiosamente, eram todas fumantes), as duas faziam um estranho contorcionismo que levava seus braços a se projetarem a distância, mantendo o cigarro longe da própria mesa e, obviamente, na MINHA cara. Da mesma forma, ao soltar a fumaça, torciam desesperadamente a boca para não incomodar as amigas fumantes, jogando a fumaça em outra direção e limitando-se a incomodar a mim, apenas um desconhecido.

E aí é que está o ponto. Em nenhum momento, sequer pensei em reclamar, pois tomei a decisão consciente de entrar em um bar que aceita fumantes. Portanto, eu sabia o que me esperava e continuarei frequentando o bar e fazendo comentários irônicos (ou mesmo maldosos) sobre pessoas que fumam na mesa ao lado, em voz baixa.

Esse episódio todo faz pensar na lei que proíbe cigarro em locais fechados. Me parece estupidamente jacobina uma lei como essas, vetando indiscriminadamente o fumo em todos locais fechados. Estou cansado de ouvir amigos fumantes falarem a respeito do prazer que o cigarro proporciona, e jamais negaria tal prazer a um amigo (tenho até cinzeiros na minha casa). O grande problema se encontra no fumo em lugares fechados de freqüência compulsória. Se o bar ou restaurante aceita fumantes, é escolha minha entrar ou não. Porém, se um local de frequência compulsória aceita fumantes, me vejo obviamente prejudicado enquanto não-fumante. Elevadores, salas de aula, transporte coletivo, cinema, exposições... nesses locais, não pode valer o argumento “não entro se não quero respirar fumaça”. Mas, sobretudo, locais de trabalho: sou obrigado a freqüentá-lo, sou obrigado a respirar fumaça alheia. Eu como meu lanche no local de trabalho e, sinceramente, se um semi-desconhecido despeja sua carga nefasta de nicotina e alcatrão, devidamente processada por pulmões francamente apodrecidos, em cima do misto quente que eu pretendia comer, automaticamente está legitimada minha reação anti-tabagista histérica.

Diante do crescimento da histeria anti-tabagista, legítima ou não, os fumantes contra-atacam. E miram justamente naquele que é o argumento mais estúpido que pode ser utilizado contra o tabaco: o argumento da saúde. Voltando ao nosso bar do fim de semana, eu jamais poderia reclamar do mal que o cigarro das Carries-de-periferia estavam fazendo aos meus pulmões, uma vez que, ao mesmo tempo, eu voluntariamente agredia um outro órgão vital, meu fígado. Claro está que eu não agredia o fígado das moças, embora elas atingissem meus pulmões, mas mesmo assim o argumento do “seu cigarro está me matando” soaria meio imbecil.

Quando penso na questão, tento deslocá-la para o lado ético. O prazer que um fumante sente com suas tragadas é diretamente proporcional ao desprazer do não-fumante diante do cheiro da fumaça. Aqui não conta o pulmão, a saúde ou aumentar e diminuir a expectativa de vida em um tempo mínimo qualquer, mas o simples desprazer, que pode incluir náuseas e sintomas físicos bem evidentes e imediatos. Portanto, o ato de acender um cigarro implica em uma escolha a ser feita: será que o meu prazer pessoal vale o desprazer que provoco nos outros ? Acender um cigarro diante de não-fumantes é o ato que responde a pergunta. Aos não-fumantes, cabe contemplar as escolhas éticas que os fumantes fazem cada vez que acendem um cigarro, e avaliar seu universo de valores a partir daí.
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(A foto foi tirada do livro de Anne Taintor, "I can't be good all the time"; a referência - pela segunda vez - a "alegres colóquios" foi tirada de... adivinhe. Dou um barril de azeite grego para esfregar no corpo para quem descobrir de onde veio)

13 comentários:

Unknown disse...

hmmm...ainda bem que eu não fumo(aaan, passivamente sim, só no anglo) nem bebo, por isso posso ser mais histérica que você( mais do que eu já sou!)...
Nos intervalos o pessoal fica fumando na porta e o vento leva tudo pra dentro do patio, e meu cabelo fica fedendo e eu começo a ter as reações alergicas na pele do meu rosto.Outro dia tinha um moço fumando na porta, mas dentro..[desabafo]

uma atitude mais miserável que jogar fumaça na cara dos outros ´e jogar a bituca no chão, e é claro, deixar lá, como se não fosse lixo.Ou então andar com o cigarro virado pra fora, como se eu pedisse pra ser queimada¬¬'

willz disse...

Essa lei estadual é de um autoritarismo jacobino mesmo. É verdade que o tabaco causa danos até mesmo àqueles que não fumam e por isso a histeria anti-tabagista cresceu porém não podemos nos esquecer do direito que os fumantes têm de morrer cedo, caso queiram.

Contudo, pior que qualquer histeria anti-tabagista - ou até mesmo que o autoritarismo estatal - é o pensamento politicamente correto que repele completamente o alcatrão, nicotina, entre outras substâncias presentes em um cigarro, porém aprova e apóia a legalização da maconha.

Que o sujeito defenda a descriminação da substância, tudo bem!Que ele utilize substâncias ilícitas, a despeito de sua ajuda ao crime organizado, é problema dele; é uma decisão individual. Entretanto rechaçar tabagistas e defender incondicionalmente a "erva" me parece de um relativismo inigualável; é, nem tanto, já que a Holanda sofre com isso há algum tempo.

E o mais engraçado de tudo isso é a utilização de argumentos tolos, como você bem notou. Enquanto os tabagistas tentam equilibrar os danos entre o álcool e o cigarro, os defensores da descriminação da "erva" apelam à natureza...

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Gostei do texto a respeito do "American Chopper" e a reflexão inserida nele. Pena que não pude comentar já que, em meio aos vestibulares, pouco tempo me restou para o "lazer".

Gian disse...

"...a Holanda sofre..." ?

Olha, acho que desde a enchente de 1953 a Holanda não sofre nada.

Unknown disse...

Ahh, conforme prometido: Oi Íssimo ! =]
beijoo!

Paum disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Achei que a foto tivesse vindo do PostSecret, olha a cultura pop atropelando todo o resto... E o azeite grego fica pra próxima -- se "alegres colóquios" não foi respondido pelo Google, então não sei direito por onde começar a pesquisar.

;-)

[]s!

Anônimo disse...

apesar de ficar feliz com a aprovação da lei, vejo que foi um pouco de egoísmo da minha parte, não tinha pensado como você! Mas, ainda assim não sei se concordo plenamente, já que é um impasse que penso não ter solução: agradar a gregos e troianos!

Luana Harumi disse...

Fica a dúvida: Gian, você dará um barril de azeite grego para a pessoa que acertar esfregar no próprio corpo ou você participará, de alguma forma, da celebração?

Unknown disse...

Hoje eu posso realmente dizer q vivi uma experiência de histeria anti-tabagista. Foi preciso contar até dez e respirar fundo pra não voar com o meu sorvete na cabeça da mulher q tinha acabado de esbaforá-lo com sua fumaça! Arghhhhh!

Acho q o q mais me pertuba msm nessa história toda de fumantes e não fumantes, é o constrangimento q muitas vezes eu sinto de me incomodar com a fumaça alheia.
Eu sei q tudo isso não faz mto sentido até pq não consigo nem esboçar um motivo pra tal fato, mas não adianta o constrangimento persiste......e pensando mais um pouco nisso tudo me pergunto pq me sentir incomodada com esse sentimento ?! Poxa, custa um fumante pensar no incomodo q ELE de uma forma ou de outra está causando ? Será q ele msm não se incomoda de ser o motivo do desprazer alheio?! Eu espero q sim! E q no fundo, bem no fundo tudo não passe de um simples ato desesperado e não pensado de um viciado e não uma atitude vinda de uma pessoa com valores éticos duvidosos (difícil acreditar né?!)......Mas enfim, como já disseram, acho muito complicado encontrar uma solução capaz de agradar a gregos e troianos, portanto só nos resta a melhor de todas as regras, a do bom senso, afinal de contas nós não fumantes não estamos pedindo mta coisa, apenas o retardamento de um prazer....................vai dizer q isso é mto ruim ?! rs

(Momento tietagem: adoro a forma como vc conduz seus textos Gian ! O rumo inesperado q a sua argumentação toma é sensacional. Tem uma dinâmica única e é uma delícia de ler! Não abandone nunca o blog tá?!rs Ahhhh se eu pudesse escrever assim......... rs)

JÉSSIKA disse...

abandonou o blog mesmo hein, Gian?

Anônimo disse...

Ah, eu sou a favor da lei que proíbe cigarro em locais fechados! Acho que é uma experiência que já deu certo em outros países e que beneficia, de verdade, os fumantes passivos (como eu).

Não abomino a nicotina; acho que é como qualquer outra droga. Apesar de seu consumo ser comprovadamente prejudicial, tem lá seus efeitos, sejam estes calmantes ou agregadores (quantos contatos meu pai já não fez fumando do lado de fora de um banco? ou amigos, na calçada de um restaurante?) ... Só não acho que o tabaco tenha a mesma força cultural e econômica que tinha umas décadas atrás; se alguém tiver que ceder na queda de braço entre fumantes e não-fumantes, que sejam os primeiros.

Eu gosto muito do seu ponto de vista, Gian! Isso que me fez adorar suas aulas também, ao longo desse ano ... esse jeito diferente de expôr coisas que a maioria das pessoas podem até saber, mas de que nunca se deram o trabalho de tentar enxergar além... especial, mesmo.

Ah, e eu achei que a imagem fosse do PostSecret (postsecret.blogspot.com)! E também não faço idéia de onde saiu esse "alegres colóquios" (eu até tentei googlar, mas só saiu um site sobre 'Sexo na 3ªIdade' ... hm.)

Unknown disse...

Fiquei pensando sobre carries e charlottes...Qual a vantagem de ser Carrie, se ela teve praticamente uma relação monogamica com o Mr. Big durante toda a serie e filmes, correndo atrás de tudo, aceitando ser largada no altar por medinho dele, aceitando ser a outra e etc. e talz. A Charlotte esperava o mesmo e dizia isso, apesar dos olhares recriminatórios das outras 3. Sinceramente, pelo menos a Charlotte não é hipócrita e nem fumate. Bjus e saudades. Anglo/01

Unknown disse...

Gente, desculpem minhas maneiras autoritárias...mas vou dizer: abomino o cigarro (e nunca conheci alguém a favor da lei anti-tabagista e a favor da legalização da maconha...seria o absurdo do paradoxo) e sou a totalmente a favor da lei.
Apesar de considerados fracos, os argumentos da saúde e etc, são absolutamente plausíveis na minha cabeça, afinal, se a famosa "o seu direito termina quando começa o direito do outro" imagine o direito à vida, à saúde e ao bem estar. Soa imbecil, mas, é real.
Acho que a maioria dos meus argumentos contra o cigarro já foram ditos, são compartilhados, e, para mim, continuam valendo mais. Danem-se os fumantes, quero comer sorvete em paz! (é só uma brincadeira, ok?).
Quanto às Carries, se o American Chopper representa o retorno à masculinidade para alguns, pra mim, Sex and the City me potencializa uma feminilidade real.
Afinal, que mulher nunca correu atrás de um homem? Ou nunca chorou por ele? Cada dia mais vejo essa idéia de que a figura feminina é forte, inteligente, grande profissional, sexy, despojada, dona completa da situação e escolhe a dedo os homens que quer. Eu não sou essa mulher nem sou a dona de casa, onde me encaixo?
Fico feliz com uma série que mostra mulheres de 40 anos que são lindas, independentes, trepam com quem quiser e tem problemas com suas relações amorosas (Samantha).
Ou que sonham em ter filhos, casar e ficar em casa, sem perder a inteligência e a individualidade (Charlotte).
Ou que são grandes profissionais, independentes e tem filhos, amigas, marido e todos os conflitos que vem disso (Miranda).
E que são leves, confusas, espirituosas e admitem não só muitas das suas futilidades como as fragilidades e, muitas, dos seus relacionamentos amorosos, como a Carrie.
Enfim, mulheres que não são infalíveis.
Mas, principalmente, (e me remeto a um episódio) que afirmam que, se existem almas gêmeas, elas, como grupo de amigas, são complementares umas às outras.
Não sei as falsas Carries, mas a verdadeira me é muito inspiradora sim.