quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Cidades Invisíveis


"O atlas do Grande Khan também contém os mapas de terras prometidas visitadas na imaginação mas ainda não descobertas ou fundadas: a Nova Atlântida, Utopia, a Cidade do Sol, Oceana, Tamoé, Harmonia, New-Lanark, Icária.

Kublai perguntou para Marco:

- Você, que explora em profundidade e é capaz de interpretar os símbolos, saberia me dizer em direção a qual desses futuros nos levam os ventos propícios?

- Por esses portos eu não saberia traçar a rota nos mapas nem fixar a data da atracação. Às vezes, basta-me uma partícula que se abre no meio de uma paisagem incongruente, um aflorar de luzes na neblina, o diálogo de dois passantes que se encontram no vaivém, para pensar que partindo dali construirei pedaço por pedaço a cidade perfeita, feita de fragmentos misturados com o resto, de instantes separados por intervalos, de sinais que alguém envia e não sabe quem capta. Se digo que a cidade para a qual tende a minha viagem é descontínua no espaço e no tempo, ora mais rala, ora mais densa, você não deve crer que pode parar de procurá-la. Pode ser que enquanto falamos ela esteja aflorando dispersa dentro dos confins do seu império; é possível encontrá-la, mas da maneira que eu disse.

O Grande Khan já estava folheando em seu atlas os mapas das ameaçadoras cidades que surgem nos pesadelos e nas maldições: Enoch, Babilônia, Yahoo, Butua, Brave New World.

Disse:

- É tudo inútil, se o último porto só pode ser a cidade infernal, que está lá no fundo e que nos suga num vórtice cada vez mais estreito.

E Polo:

- O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."

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O texto acima foi extraído do livro Cidades Invísíveis, de Ítalo Calvino (1923-1985). A figura é do quadrinista francês Moebius (1938-).

6 comentários:

Unknown disse...

Olá Íssimo ! =]

Anônimo disse...

"Yahoo" é o nome de uma cidade na história? haha! que referências esquisitas! acho que não entendi o texto direito.

mas a imagem me lembrou um curta do YouTube Screening Room (onde eles selecionam os vídeos mais legais): http://www.youtube.com/watch?v=vORsKyopHyM é meio comprido pra um curta (?), dura quase uns 30min. mas compensa, a história é complexa e a animação muito bonita!

Gian disse...

"Yahoo" é o melhor nome de cidade em todos os tempos. E os desenhos de Moebius são uma delícia, pena que tem pouca coisa dele editada por aqui.

Obrigado vcs, Dani e Tea9leaves, por comentarem no post de menor audiência de todos os tempos !

(e o vídeo é óóótimo, adorei as imagens)

H. H. M. M. disse...

A audiência pode ser pequena, mas significante ela é, ou pelo menos com visitantes de qualidade. Hehehe
Afinal "A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."

Alê Bezerra disse...

eu preferi ignorar basicamente essedigamos que a minha primeira e, aparente, ultima vez que eu ousei entrar no mundo das cidades invisiveis ("estimulada" pelo vestibular varguista), não achei essa experiencia interessante e deixei o livro completamente de lado.
embora o tema seja até bem interessante e desenvolva-se até que bem os personagens, achei o livro por vezes confusos.
(uma critica literaria muito meia boca. rsrsrs)

Unknown disse...

É o post mais bonito de todos. Com toda a certeza.