segunda-feira, 22 de março de 2010

E depois da saída ?




Existe em inglês a palavra maze, que significa labirinto ou qualquer arranjo confuso, complicado. Com o acréscimo do prefixo a- (no sentido de determinação de uma forma particular), temos o verbo amaze, que significa surpreender ou espantar. Essa curiosa etimologia chama atenção ao fato de que a língua inglesa preservou o sentido de admiração que um labirinto provoca. Em que consiste essa admiração ou espanto ? Por que um labirinto costuma provocar algum tipo de reação extrema, que vai do medo ao encanto ?

Antes de mais nada, chamo atenção para a existência de duas formas de labirinto. A primeira, histórica, é aquela na qual o labirinto tem um centro, e a finalidade é justamente atingi-lo. Desde a Antiguidade, essa busca e nada menos que a busca pelo sentido: um ponto fixo que, após atingido, provocaria o fim das angústias. A partir da época clássica, esse sentido só pode ser o conhecimento de si mesmo. A tarefa é árdua e implica em perigos, há monstros caminhando pelo labirinto. A lenda do Minotauro é bem a gosto dos gregos, da mesma forma que a Odisséia, na qual Ulisses, perdido em meio a mares e ilhas e lidando com mil perigos, jamais abandona o projeto de retornar ao seu lar mítico, o reino de Ítaca, centro de seu labirinto pessoal.

A tradição cristã incorporou a forma do labirinto, colocando em seu centro nada menos que a salvação. Alguns homens do Renascimento, como Leonardo da Vinci, impregnados de cultura grega, identificavam na busca da salvação o ideal socrático da busca de si mesmo. E brincavam com isso, jogando com a forma do labirinto como, por exemplo, no teto do Palazzo Ducale da cidade de Mantova (imagem acima), desenhado por da Vinci, que certamente deixou amazed todos que o viram. Mais tarde, labirintos foram erguidos em jardins, para deleite da aristocracia do Antigo Regime.

Porém, existe uma outra forma de labirinto que se popularizou, talvez, a partir do século XIX. Essa segunda forma de labirinto – vamos chamá-lo de labirinto moderno – é aquela na qual entra-se por um lado e sai por outro. Ou seja, o objetivo não é mais atingir o centro, o sentido, mas sim a saída. Suas dificuldades serão superadas, há uma saída que leva necessariamente a algum lugar. Mas este não pode mais ser considerado o centro, o lugar de repouso e equilíbrio, o lar que encerra as dúvidas e incertezas. Além disso, não há monstros no labirinto moderno, o grande terror é simplesmente não encontrar a saída, permanecer perdido para sempre.

Oras, há uma produção literária copiosa a partir do século XIX que lida com o deslocamento espacial: a viagem de um lugar para outro em busca de alguma coisa, embora o objetivo nunca seja o retorno ao centro, mas o caminhar permanente. Por exemplo, Marlow subindo o rio em o Coração das Trevas ou mesmo Alice descendo ao País das Maravilhas. O Quixote de Cervantes talvez tenha sido um precursor, em sua labiríntica região da Mancha. Borges levou a exploração e descrição dos labirintos ao extremo, leiam, por exemplo, o conto “A Biblioteca de Babel”. Já Fernando Pessoa explodiu seus limites: no Livro do Desassossego, Bernardo Soares transforma o traçado geométrico do bairro da Baixa em Lisboa em um intricado labirinto, que ele percorre sem encontrar nem centro nem saída. Paradoxalmente, o errante Fernando Pessoa encontra-se hoje convertido em estátua, imobilizado em frente a um café lisboeta.

Estranho é o labirinto moderno, porque ele se funda na busca de uma saída que, uma vez encontrada, sugere a seguinte pergunta: e depois ? Pois o caminho prossegue. O que haverá depois da saída ? Talvez uma continuação do labirinto. A forma do labirinto moderno, comparado com o labirinto histórico, indica que a saída é externa ao ser. Assim, ele oculta o fato de que a busca continua, ele oculta o próprio fato de que existe uma busca.

Proponho nada menos que um retorno ao labirinto histórico, com todos seus perigos. Sabemos que todos os perigos desse labirinto estão contidos em nós mesmos. O Minotauro é parte homem, parte monstro: ele constitui a parte monstruosa de cada um de nós. Pois a busca do sentido significa enfrentar nossos próprios monstros, e enfrentá-los, e exorcizá-los se possível. A maior angústia do labirinto histórico é nos colocar diante de nós mesmos, com tudo que somos, como que diante de um espelho.
* * * * * * * * * *

Na minha infância, no PlayCenter, havia um Labirinto de Espelhos. Ele me deixava aterrorizado.

13 comentários:

Stephanie disse...

Pra que serve a vida? Às vezes eu penso nisso.
Penso que é um ciclo onde ocorrem evoluções pessoais. Você já foi como eu: um adolescente, sem muitas convicções, com poucas ideias se comparado às que tem hoje e muitas ilusões sobre a vida. Eu sinto que sou bem assim ainda... Que não enxergo o mundo como você ou qualquer adulto. Mas também, às vezes não sei se quero enxergar. Isso parece um discurso de "adolescentezinha que não quer crescer", mas talvez seja isso mesmo. Não quero crescer, porque tenho a sensação de que quanto mais eu amadureço, mais monstros enxergarei ao me olhar no espelho.

Nossa vida toda é um labirinto. Histórico ou moderno, tanto faz: ambos fazem a gente se perder. Se não encontro a saída, estou perdido (mas tenho um objetivo). Se encontro a saída, continuo perdido, mas agora justamente por não ter mais um objetivo claro. E como a vida parece não ter sentido sem metas, buscamos um novo labirinto. E o ciclo recomeça.

E então eu volto à mesma pergunta: Pra que serve a vida?
Às vezes eu acho que posso encontrar uma resposta tentando conhecer mais do mundo. Mas às vezes volto à conclusão de que isso é inútil.

E no meio de todos os questionamentos que tenho, só sei de uma coisa: viver é bom.
E se relacionar com diferentes pessoas é uma parte da vida que me interessa muito. Mesmo sabendo que eu nunca vou conhecê-las por completo, porque nenhuma delas se revelará pra mim. Assim como os meus maiores fantasmas (ou monstros) e sensações intensas, os momentos mais EPIFÂNICOS (ahaha, aprendi essa palavra com você!) da minha vida ficarão restritos a mim ao me olhar no espelho.

Ps¹: Eu tava pensando mais ou menos nisso hoje no metrô. Por isso o desabafo inevitável.

Ps²: O Labirinto de Espelhos ainda te aterroriza?

Stephanie disse...

Ah, e mais um desabafo: Eu tenho medo de sofrer da Crise do Pânico quando for adulta e minhas metas já tiverem sido realizadas. Dizem que isso acontece. Espero que não comigo!

(Isso se eu chegar à idade de ter os sonhos realizados né)

Honey and Milk disse...

Espero que a vida tenha reservado pra mim apenas os labirintos históricos! É perturbador pensar que eu posso passar a minha vida inteira a procura de um significado pra tudo em volta de mim e permanecer presa em um ciclo infinito de labirintos sendo a saída de um, a entrada do outro. No entanto, parece inevitável não encontrar as respostas pra algumas perguntas que por eras desafiaram o homem. Dessa forma, a única conclusão que eu consigo enxergar é que a vida só tem sentido na morte. Assim como só se percebe a luz, com a existência do escuro. Irônico e enlouquecedor, não acha?!

Gian disse...

Stephanie: 1) Quer saber ? Esse negócio que vc não vê o mundo como eu ou os demais adultos é MIN TI RA. Os adultos geralmente não manjam puerra nenhuma do mundo, a diferença é que a gente sabe falar bonito sobre essa ignorância. 2) Sim, ainda me ateerroriza. 3) Que "crise do pânico" o cacete. Duvido que suas metas sejam "finitas": vc sempre saberá renová-las, que diabos.

Andrea: a vida só teria sentido na morte se a morte trouxesse respostas às perguntas que fazemos. Mas isso é uma convicção meio simplória, não ?

Honey and Milk disse...

Talvez, mas será que alguém no mundo consegue afirmar com certeza que encontrou um sentido pra vida?!

Gian disse...

H&M: Certamente. Acho que minha interpretação é que foi meio simplória: talvez a morte seja apenas o nada, e isso sim é tremendamente irônico e enlouquecedor.

Unknown disse...

Bem, talvez a vida realmente seja um labirinto. Nós vivemos errando… Até percebermos que não existe saída e que não vale a pena sonhar e nos tornarmos velhos moribundos. Como dizia um poema do livro "Alice no País do Espelho":

Somente crianças, ao ouvirem a história,
Com olhos ansiosos, atentas à glória,
Percebem o ouro no meio da escória…

E fazem seus ninhos na Terra Encantada,
Sonhando de dia e na noite estrelada
Com mortos verões transformados em nada…

E ao serem jogadas na estranha corrida
É a mensagem dourada afinal percebida:
Que a vida é um sonho e que o sonho é a vida!…




O Glauquito deve estar no céu, fazendo um carnavalzinho com o Tuneba (Henfil).

Renata M. disse...

Gigi,

esse labirinto do playcenter tb é da minha época! E sim, ele era aterrorizante. Lembro que ninguém, mto menos eu, tinha coragem de ir para a parte mais escura...e qtas vezes eu não dei de cara com o vidro pensando ser caminho livre...rsrsrs.

Beijinhos.

Gian disse...

Bia: vejo que vc conseguiu postar aqui, obrigado por insistir.

Re: pior mesmo é quando a pessoa dá de cara com o espelho ! Perturbador, isso.

Lucas Bispo disse...

Muito bom o texto. O labirinto histórico, então, representa a solução de tudo o que duvidamos e tememos, no racionalismo? Em um ponto fixo de nossa mente (que também pode ser considerada um labirinto). Me lembrou aquelas terapias que para curar os problemas atuais do paciente o terapeuta "procura" o trauma gerador de tudo isso. Seria esse o ponto central do labirinto de todos nós? E o labirinto moderno não seria o esoterismo, a espiritualidade, já que a procura é externa ao ser, ou seja, não está contida em sua mente.
Outra ponto que me lembrou é um dos mitos de Ícaro. Para sair de dentro do labirinto usa asas de cera que derretem ao Sol e tornam-se pesadas demais perto da umidade do mar. Ou seja, não adianta tentar fugir do labirinto, de você mesmo, deve procurar a "saída" -sendo ela o centro ou apenas o exterior- sempre.

Giovanna disse...

Me apaixonei por tudo aqui caro Gan, simplesmente incrível. Tudo o que você escreveu me fez pensar, imaginar, sentir, refletir! Parabéns.

Unknown disse...

Olá professor Gian, fui seu aluno cerca de uns 6 anos atrás. Hoje já formado em Direito pela UEL, eis que decido, para recordar, visitar seu Blog (que fui conhecer uns poucos dias atrás), e me deparo com excelentes textos e reflexões!
Muito legal sua iniciativa, os textos me fazem lembrar de suas aulas, da forma cativante que nos fazia refletir, ao mesmo tempo em que absorviamos informações em suas ótimas aulas de História. Continue assim, sinto falta de toda essa atmosfera do pensamento nas ciencias humanas, frequentemente estarei visitando esse Blog. Abs

Riolo disse...

Anauê, Cláudia, senta lá!!

O que dizer de uma pessoa que vem ler o blog, acha uma menção ao pensamento religioso e faz de tudo isso um drama, sem prestar atenção ao assunto principal do texto (que nem era fé)?! Não é de juristas assim que o Brasil precisa, pq de bancada religiosa já estamos fartos. Deus nos livre desse sectarismo, Deus nos livre dos fundamentalistas conservadores!!