quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lugares malditos


Toda cidade tem seus lugares malditos, onde a memória de uma grande catástrofe ou de muitos mortos sobrevive, em que pese a total remodelação do local. Em Paris, meu lugar maldito favorito é o aprazível parque Buttes-Chaumont, onde as criancinhas brincam alegremente sem saber que lá era o cadafalso da cidade, onde enforcados ficavam pendurados durante semanas, onde um poço fundo servia para despejar cadáveres e, eventualmente, algum vivo indesejável. Em São Paulo, temos o agradável Parque da Juventude na Zona Norte, construído no local da antiga penitenciária do Carandiru. Lembremos que em outubro de 1992 uma rebelião no presídio terminou com a invasão do complexo pela Polícia Militar e a morte de nada menos que 111 presos (muito embora já tenha ouvido pelo menos um relato de pessoa que esteve presente – um repórter – e que jura que o número de mortos foi bem mais elevado).

Seja como for, o tempo estimulante da quarta-feira (nublado, chuva fina) fez com que eu me deslocasse até o Parque para conhecê-lo. Descendo do metrô, quase um susto: falta de árvores (ou árvores mirradas) e bancos de concreto, daqueles sem encosto, quase que à prova de conforto. Mas, a primeira má impressão foi logo se dissolvendo. Entrando mais dentro no Parque, cruzei com uma paisagem agradável de grama impecavelmente cuidada em terreno suavemente ondulado, tendo como fundo uma mata densa, de árvores antigas [foto]. Descanso para os olhos após a vista agressiva da cidade no entorno. Pelos caminhos, bancos de madeira, com encosto !

Ainda caminhando, me deparei com o súbito surgimento do inesperado, aquelas pequenas surpresas que têm o poder de tornar tão agradável uma caminhada. Uma estátua simpática, uma estrutura de ferro em meio a árvores altas, uma ponte sobre o córrego (infelizmente fedido). Claro, notei uma freqüência estranha no Parque. Ninguém corria pelos gramados, ninguém jogava bola, os brinquedos infantis (de madeira) estavam às moscas. “Onde estão as crianças ?”, pensei. Talvez fosse o tempo frio. Mas havia pessoas no parque: casais jovens esgueirando-se entre as árvores, homens adultos caminhando sozinhos e de forma suspeita (imaginei que fosse a habitual fauna de tarados que sempre freqüenta parques. Depois pensei, “Ops, sou um homem adulto caminhando sozinho pelo Parque !”)

Notei que o Parque era intensamente vigiado: PMs, Guarda Metropolitana, seguranças privados. De fato, alguns personagens simplesmente tenebrosos apareceram pelo caminho, imaginei que sem policiamento, aquele Parque seria um local assustador. Triste, mas essa é toda tragédia de nossas cidades: aqui jamais pode ser criado um espaço público agradável. Uma vez construído, esse espaço será transformado em residência por moradores de rua, em seguida atraíra foras-de lei em geral, incluindo aquela turma de pixadores que acha "bonito" a transgressão (e usa isso como justificativa para escrever o nome da crew nos muros, u-hu, estamos mudando o mundo ! Mais um espaço "liberado" da sociedade burguesa hipócrita !). Em seguida, vêm os traficantes, violência, abandono, degradação... quantas vezes não vimos o filme ?

Seja como for, reconheci o local em uns 15 minutos e me dirigi para o atraente e recém construído prédio da Biblioteca de São Paulo, em cuja Sala de Leitura eu pretendia passar algumas horas agradáveis. Levei até meu sac aux livres à tiracolo, com o livro do Giannotti sobre Marx, o quarto volume da História da Vida Privada e o Dance, dance, dance, romance de Murakami, meu autor pop preferido. Porém, ao entrar na Biblioteca, uma surpresa: eu deveria deixar meus livros no guarda-volumes. Justificativa singela do funcionário:

- É proibido entrar com livros na Sala de Leitura.

Lugar maldito. Saí de lá e pixei na primeira parede F*U*C*K*T*H*E*S*Y*S*T*E*M, com letras góticas.

18 comentários:

Will disse...

Eu imagino sua cara quando soube q nao poderia entrar com o livro heheheh. Eu nunca fui neste parque, tenho um certo trauma - meus pais me obrigavam a passear nos parques e eu ODIAVA. No da Aclimaconha agora tem uns aparelhos novos pra fazer exercicio, dentro d alguns meses eles estarao detonados pelo povao, uma pena. Eu tava conversando sobre isso com um amigo meu hj: O governo ate q faz algumas coisas, mas o povo detona. As latas d lixo do parque todas quebradas, as latas d reciclagem jah estao zuadas com lixo no chao, as estatuas q tinham estavam quebradas e logo menos estarao os aparelhos d ginastica.
Reli meu comentario, achei bem vazio, mas recuso a apagar agora q jah perdi moh tempo escrevendo tanta nhonha. eh isso =)

Will disse...

Ah.. uma coisa q eu via muito pixado quando era criança era Anarquia - cresci associando anarquia como sinonimo d bagunça. =/

Unknown disse...

Gian, eu moro na zona norte e ja tive a oportunidade de visitar este parque. Acho que você nao passou para outra parte do parque, da area esportiva, que tem varias quadras poli-esportivas e até de Tênis !!! hehehe... então.. La frequenta um publico variado entao deve-se deixar de lado as diferenças. Eu me sinto a vontade em jogar meu futebol com os moleques lá! Mas muitos dos meus colegas se sentem encomodados... Quero falar sobre...

Unknown disse...

... a arte urbana!
Eu ja fiz graffiti, que são os desenhos mais coloridos em muros da cidade e conheço pixadores. Ambas devem ser encaradas como formas de arte e também uma maneira de uma minoria se expressar. As "crews" representam ideologias também e não apenas uma demarcação de território. É muito facil desprezar o que se ignora... heheh Recomendo um livro sobre a pixação : TTSSS... A GRANDE ARTE DA PIXAÇAO EM SAO PAULO, BRASIL by Daniel Medeiros (Org.). Abraço prof. curto mto suas aulas !

Honey and Milk disse...

Sinceramente eu acho que qualquer parque tem cara de lugar maldito!
O combo: árvores vazio e escuro a noite não me parece muito atraente! hahaha
Mas de dia eu sempre adorei andar de bicicleta pelo ibirapuera (apesar da hiperlotação!)

Na verdade, por estudar na frente do Trianon eu peguei trauma de parque! Esse ,em especial, é MUITO gelado e assustador a noite! E o pior: os fumantes/drogados/estranhos do meu colégio reuniam-se lá pra...bom.. sei la o que eles faziam la! sempre tive muito medo pra ir checar! hahahahaha

Beeijoo Giaan pessegão!

Ps: Tenta ir na livraria cultura ou na fnac da paulista pra ler! Vale a penaa =)

Ps 2: fala a frase na sala 02 de humanas na tamandare! To morrendo de curiosidade poxa! hahahaha

Unknown disse...

incomodados ***


______
pf, frase na sala + top da tamandaré: A 17. obrigaduummmm

Stephanie disse...

Só tenho uma coisa a dizer: já procurei "pecegão" e variáveis no google e não encontrei nadinha que remetesse a alguma gíria portuguesa. Acho que te enganaram mesmo, essa palavra não existe em Portugal.

Mariana Teresa Galvão disse...

Já estava preparando meus dedinhos no parágrafo dos moradores de rua, mas seu final me surpreendeu...

Gostei.

Unknown disse...

A Cultura é uma ótima livraria (a melhor da cidade?), mas, como local de leitura, é zoada demais… Não recomendo. Na verdade, eu não conheço nenhum lugar realmente tranqüilo e público aqui em São Paulo, se descobrir, me avise.
*
Frase!

Gian disse...

Will: seus comentários são sempre os mais espontâneos e, sem ter pretensões intelectualóides, sempre acrescentam algo ou enriquecem a reflexão. Obrigado pela freqüência.

Bobby: de fato, não fui até o fim do Parque, a chuva apertou. Sobre grafite e pixação, pode ter certeza que não fiz um comentário leviano, há uma ampla reflexão sobre o assunto no blog desde 2008 (dê uma fuçada !). Ou seja, não desprezo e nem ignoro, mas creio ter opinião crítica a partir de um olhar arguto sobre o fenômeno. Resumindo muito, acho que os pixadores aproveitam o prestígio do grafite para se dizerem artistas, e passam a chamar de arte qualquer rabisco em muro. “Tá dominado – galera ZL” pixado na parede não enriquece (ou estetiza) em nada a experiência coletiva de viver em cidade. Quanto à “ideologia” das crews, francamente, o que li ou ouvi até agora foi apenas um monte de jargão juvenil pseudo-anarquista: legitima-se o ato de pixar através de argumentos que parecem libertários, mas que são simplesmente bobinhos. Enfim, obrigado pela recomendação, já tinha ouvido falar do livro e estou francamente interessado nele.

H&M: Curioso... pensar em TODOS os parques como lugares malditos. Senão malditos, tenebrosos. Somos uns urbanóides, todos nós, isso sim.

Stephs: me deixa em paz com minhas gírias portuguesas arcaicas e... o que diabos isso tem a ver com o blog ???

Mariana: relendo o texto, me vi beirando o preconceito em vários trechos. Cabe uma retificação (mas não um desmentido). Farei em breve, em algum lugar.

Bia: concordo, impossível ler algo na Cultura. Na verdade, é quase impossível COMPRAR coisas na Cultura, de tanta gente. Mas, certamente eu tenho um lugar na cidade que é público e onde posso ler serenamente. E eu não conto, é secreto.

Unknown disse...

Gian, eu acabei de ler seu post de 2008 sobre pixação! Gostei. Eu tenho o livro que eu citei, se vc quiser eu te empresto! Abraço

Gian disse...

Bobby Boy: há uma reflexão de maior densidade sobre arte de rua nos posts de 12 e 17 de julho de 2009. Dê uma olhada. AbraZos.

Giovanna disse...

Aonde eu moro estudantes de escola particular não podem pegar livros circulantes na (única) biblioteca. O lugar é horrível, não tem nem saneamento direito e nem com a minha bolsa da máquina fotográfica eu consigo entrar, depois brasileiro não lê. Adoro seus textos

Bá :) disse...

Gian!
Adoro o seu blog! (adicionado à minha lista do bloglovin')
Então,sinto muita falta de parque na cidade.Tem o Ceret perto da minha casa,mas é tipo,'barra pesada' e bem cheio.É engraçado como tem lugares,como a Inglaterra,que a cada estação de metrô (ou pelo menos na maioria...)existe um parque,com arvores fofas e tudo mais.Bom,só queria fazer um adendo...

Beijos,até amanhã na sala 02 :)

Unknown disse...

ei gian, tem um site legal aqui ó: http://graffiti.org/ abrazos

Honey and Milk disse...

Ah eu sei que eu ja comentei nesse post, maaaas nao me contive!
Hahahah
Como mais nova viciada no seu blog, eu tava fuçando ( ééé FUÇANDO! nao é olhando nem observando...é bisbilhotando mesmo! hahaha)
e me deparei com um post bem antigo.. acho que de 2008 sobre os "alunos desconhecidos"
Como eu faço parte desse grupo GIGANTESCO de pessoas que ja assistiram à sua aula, me senti tocada pelo post!
E eu não sei quanto aos outros alunos.. Mas quanto a mim, suas palavras tem sido acolhedoras e seu blog uma verdadeira diversão pós-aula.

Obrigada mesmo por tornar esse ano de cursinho tolerável! Sem professores assim, seria impossível não entrar em crise!

Do fundo do coração: NUNCA pare de escrever aqui! por faavoor =)

beijoo da sua mais nova fã, admiradora e baba ovo! hahaha

Unknown disse...

eu nao sou mais desconhecido HAHAHA INVEJE ME, "mel e leite"

pos scriptummmmmm: Do fundo do coração: NUNCA pare de escrever aqui! por faavoor =) (1)

Do pouco um TUDO . disse...

Gian, pensei em você imaginando as criancinhas brincando alegremente no parque, rs .
Gostei muito do seu blog, tem muito do seu jeito nele .