quinta-feira, 15 de abril de 2010

Lugares malditos 2



O Museu Brasileiro de Esculturas – MuBE – foi inaugurado em 1995, uma placa comemorativa afixada em uma de suas paredes relembra a efeméride. A placa traz o suspeitíssimo nome do prefeito de então, ele, Maluf, e só isso já bastaria para caracterizar o Museu como um lugar maldito. Lembro da herança maldita formada por tudo que carrega o tenebroso rótulo de “obra de Maluf”, e que provavelmente resulta em dinheiro sujo circulando por aí em paraísos fiscais. Mas, sejamos justos, a obra toda foi demorada, tendo se iniciado em 1987 na gestão de, vejam só, ninguém menos que Jânio Quadros. Apesar desse passado, aproveitei a quinta-feira de sol para uma visita ao local.

Impossível não comparar essa visita com meu o último safári cultural, o Parque da Juventude no Carandiru. Semana passada chovia, fui parar nos espaços abertos e verdes da Zona Norte. Hoje fazia sol, me enfurnei naquela espécie de fortificação de concreto armado, naquele verdadeiro bunker da Chancelaria que é o prédio do MuBE.

Logo na chegada, o susto habitual: os onipresentes bancos de concreto sem encosto, totalmente refratários ao uso e estranha preferência dos arquitetos brasileiros. A arquitetura do prédio, orgulhosamente assinada por Paulo Mendes da Rocha – moderno que só ele – é exemplo típico daquilo que já chamei de “arquitetura de maquete”, tão bem apropriada para as linhas modernistas: empilhamento de volumes geométricos simples, que ficam lindos em uma maquete mas que, em escala humana, tornam-se francamente repelentes. Fico imaginado figuras como Jânio e Maluf, cuja competência em estética acredito ser duvidosa, contemplando a maquete e achando o máximo.

Caminhando pelos espaços planos de concreto aparente da nossa Linha Maginot paulistana, uma surpresa: no Museu Brasileiro de Escultura praticamente não há esculturas ! Excetuando-se algumas obras doadas pelos artistas, a sensação de abandono é total. Descendo nas entranhas do nosso U-bootbunker da Avenida Europa, encontrei alguns espaços com exposições temporárias de pintura. Em primeiro lugar, os quadros de um certo Carlos Araújo, inspirados em trechos bíblicos. Que se louve a coragem de alguém pintar uma Anunciação da Virgem Maria nos dias de hoje, mas o recinto todo da exposição era francamente apelativo: musiquinha sacra ao fundo, dezenas de fotos de Kim Phuc espalhadas pelo chão, em meio a lâmpadas acesas representando velas. Para quem não sabe, Kim Phuc é a famosa menina mártir da Guerra do Vietnã. Mais adiante, cruzei com uma exposição que reunia quadros surrealistas e abstratos de um mau gosto tremendo, ou, no mínimo, de uma irrelevância atroz. Finalmente, procurando um banheiro nos meandros de concreto da nossa Flakturm tropical, me perdi por um instante em espaços vazios, rampas desoladas e janelas que não iluminavam. Um laguinho de águas sujas com carpas infelizes completava o clima geral de desolação.

E a maldição do lugar continua. Atuando em terreno público e com prédio devidamente bancado pelo Município, o MuBE tem sido administrado pela Sociedade de Amigos do Museu. Não se estranhe essa nomenclatura, tal tipo de sociedade é bastante comum por todo mundo, como forma de administrar instituições culturais. A própria Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), de competência indiscutível, tem (ou teve) a sua sociedade de amigos. Pois os amigos do MuBE (ou “turma do MuBE”, como me parece mais adequado chamá-los), fracassou monstruosamente nos últimos muitos anos na tarefa mínima que deles se esperava: a montagem de um acervo para o Museu. E, o que é pior, nesses anos todos o espaço do Museu (não esqueçam, concessão pública) tem sido utilizado freqüentemente para todo tipo de festinhas e festonas, corporativas e particulares. O aluguel, obviamente, vai para o bolso da turma do MuBE, agora transformado em um verdadeiro Museu Brasileiro de Eventos.

Há uma pendência jurídica por aí. Ao que parece, o prefeito pediu a devolução da concessão, na prática, o afastamento da “turma”. A pendência vai se arrastando e, enquanto isso, contemplanos melancolicamente o nosso Luftschutzbunker do Jardim Europa.

15 comentários:

porcho disse...

Gian,

Sou um ex-quase aluno seu (já que estudei na Tamandaré, embora em uma turma de exatas), e acho o blog excelente! A série Lugares Malditos, em especial, está ótima.

Que continue assim!

Abraços,

renato pagnano disse...

Carlos Araújo, nossa não necessita dizer mais nada, fecha com o Paulo Maluf, só faltou o bobão do Oscar, mão santa cheia de merda, levantando os dedinhos fazendo o 11.

Lara disse...

Me lembra uma Fazenda em Parelheiros...

Gian disse...

Do "Estado de S.Paulo" de hoje: o MuBE acaba de ganhar uma nova escultura para sua mirrada coleção, um busto da Diretora !!! Nas suas palavras: "Não fui eu, mas o Conselho do Museu que encomendou". Ah, bom, foi a TURMA que encomendou um busto da chefe da turma.

bobby* disse...

pro, eu ainda nao li o post mas estou com uma duvida cruel: oque é essa imagem do lado esquedo do blog ? um cachorro ? um passarinho ? hahah abraço!

bobby* disse...

acabei de ler aquele post sobre pixação e tal.. tudo bem transformar pixação em grafite mas as latinhas são muto mais caras e nao é qlq pixador q tem habilidade para grafite.. fui =)

Emy disse...

MuBE! O lugar "artístico" mais triste que eu já vi.
O prédio é cinza, as grades estão enferrujadas, as poucas esculturas são de gosto duvidoso, as carpas moram numa água verde de tanto musgo.
Saí triste desse lugar triste. E a fama se espalha e logo será um prédio fantasma...se já não é.

Gian disse...

Bobby: a imagem do lado esquerdo é o "Anjo da História". Veja em: http://gianprof.blogspot.com/2009/01/2009.html

Quanto a pixadores não terem habilidade para grafite... sem comentários, né ?

Eileen Winther disse...

Giaan, te mandei um e-mail para o endereço da sua conta do blogger. Por favor responda :DD.

Unknown disse...

entendi =) sobre o anjo da historia.. achei bem subjetivo e interessante.

mas.. alegre coloquios... Platão usou em qual contexto ?
seriam colocações alegres ?

tchüss

Unknown disse...

Agora eu entendi o que você quis dizer, durante a aula de cultura medieval, quando disse que a arquitetura, atualmente, não é tão boa (ou algo assim).

Unknown disse...

Ow Gian! Paulo Mendes tem muita coisa daora, nem vem! Hahaha

Eu conversei com ele uma vez na FAU. Ou melhor, assisti meu primo assediá-lo.

[Comentando só mesmo pra contrariar, risos.]

Mary Ann
;*

Unknown disse...

Oi Gian! Muito boa a série sobre lugares malditos.. vale lembrar a praça a Liberdade que tem uma história bem similar a do Buttes-Chaumont... e ainda falando sobre degradação dos locais públicos basta visitar o Parque da Luz.... uma regiao que poderia ser um pólo cultural: Pinacoteca+ Estação da Luz+ Museo da Língua portuguesa, mas que representa hoje um local nada seguro para e fazer uma caminhada.

Abraço

Unknown disse...

Oi Gian, tudo certo?
Acabei de ler seu post sobre o MuBE e ao terminar sinto que concordei em apenas um aspecto com você: O fato de o acervo do museu estar desfalcado. Afinal nenhum curador teve a capacidade de mante-lo em condições decentes. Mas acredito que a exposição do Carlos Araújo, como muitas outras que lá ja estiveram, são pontos positivos e tornam o museu visitável. Digo isso porque conheço o trabalho do Carlos e sei que (mesmo que com técnica não muito avançada)ele conquistou muito em termos profissionais. Inclusive a exposição de sua obra 'Citações' no Vaticano. Mas enfim, para um país que cultua Romero Britto, Carlos Araújo deve ser um martírio.

Seu blog é MUITO bom, parabéns!!

Abraço,
Lucca - Tamandaré Sala 21

Unknown disse...

É triste ver o tipo de ensino que está sendo passado a futuros profissionais... Professores são formadores de opinião, deveriam ter mais cuidado ao proferir opiniões próprias que acabam por se tornar compartilhadas pelos alunos quando na verdade são falsas verdades. Você como professor de história deveria pesquisar mais sobre a obra, as relações que cria com a cidade, o contexto na qual foi feita, o arquiteto, e tentar sair um pouco dessa visão individualista e elitista. Quem sabe assim perceberia um problema maior: o concreto e os guarda-corpos de aço lhe chamaram mais atenção do que as grades que cercam o museu. Isso sim é agressivo para os olhos e para a esfera pública.

Chico Costardi
Arquitetura e Urbanismo - EESC/USP