sábado, 27 de setembro de 2008

Bolsa e tédio


Pode existir algo mais entediante do que uma quebra na Bolsa de Valores ?

Nos últimos anos (ou pelo menos até onde vai minha memória econômica), acompanhei um número expressivo de quedas na Bolsa. Quase sempre eram anunciadas de forma apocalíptica, prenunciando tempos sombrios, seja pela imprensa ou por acadêmicos subitamente trazidos à luz dos holofotes. Nesses momentos, os economistas sempre anunciam os diagnósticos mais desbaratados, o que nos leva a refletir seriamente sobre o estranho caráter da ciência econômica: a única das ciências humanas que tem sua atividade focada para a nebulosa tarefa de prever o futuro. Aliás, essa constatação acaba pondo sob suspeita o estatuto “cientifico” da disciplina, aproximando-a da astrologia ou das artes ciganas em geral. Felizmente a História já deixou para trás esse vício, não sem antes derramar muito sangue. Ao Anjo da História, um brinde.

Lembro de quebra da Bolsa de Nova York em 1987, quando o índice Dow Jones despencou cerca de 20%. Como comparação, no auge da Crise de 29, a maior baixa diária do índice foi de 12%. Em seguida, ocorreram as “mini-quebras” da Bolsa de Nova York em 1989 e 1997, seguidas do colapso após o 11 de setembro de 2001. Todas essas crises atingiram o Brasil e trouxeram um princípio de pânico econômico. Da mesma forma, as sucessivas crises dos chamados mercados emergentes, como a crise mexicana de 1994, a asiática ou tailandesa de 1997 e a russa de 1998. Além das crises externas que atingiram o Brasil, lembro dos afamados “pacotes” econômicos, que criaram sua cota de caos econômico e queda nas Bolsas locais. Rapidamente, cito os planos Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor (1990) e Collor II (1991). A isso acrescento a lembrança da iminente vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002, que provocou nada menos que o colapso cambial, com a meteórica desvalorização do Real e os efeitos nefastos de sempre na Bolsa.

Em outras palavras: somente na minha memória, o mundo acabou em 1986, 1987, 1989, 1990, 1991, 1994, 1997 (duas vezes), 1998, 2001, 2002 e, agora, em 2008. Haja Juízo Final. Assim não há alma que agüente.

Aqui não há otimismo. Dizer que essas quebras na Bolsa são fogo de palha não quer dizer que as coisas vão bem, mas que a instabilidade é parte integrante do sistema. A quebra periódica do sistema financeiro é fundamental para que o sistema financeiro continue existindo. Além disso, após a Crise de 29, foram criados mecanismos de controle e intervenção (de matriz keynesiana) que permitem rápido combate às crises, cujos efeitos mais agudos são deixados para trás em cada vez menos tempo. Enfim, que essa reflexão não seja encarada como algum tipo de previsão, mas, sobretudo, que sirva pelo menos como uma advertência contra os profetas do apocalipse: aqueles que partem da leitura apressada dos cadernos de Economia dos jornais e ficam se arvorando ares de sabedoria ao antecipar o futuro. Um grande TPXI! para todos eles.

8 comentários:

Pedro Barreto disse...

Bolsas de valores são realmente uma chatice... Tentar ler o caderno "Dinheiro" da Folha é uma aventura para a paciência. Eu acho engraçado quando há aqueles artigos como "Ainda bem que eu errei" ou "Acertei parte, ainda bem que não tudo", parece mesmo, como você disse, um tipo de astrologia, a qual está passível de erros grotescos.

Gian disse...

Concordo. Porém, há coisas boas no famoso caderno "Dinheiro". Dentre os que escrevem regularmente, recomendo a coluna de Vinicius Torres Freire, que costuma ser didática e bem pouco rançosa.

Lu Crepaldi disse...

e viva as artes ciganas! É sempre um conforto ler os seus textos, em meio ao sensacionalismo jornalístico de hoje.

Gian disse...

Viva !

Erika YK disse...

Gian, Gian... Que bom que você não me deixa jogar no "mar engolidor do esquecimento" sentimentos tão importantes quanto o despertar de uma orquestra (tocando Wagner fica mais fácil de se manter acordado, mesmo depois de um vinho horrendo), a consciência do meu próprio tédio de "sentir sem que se sinta, com a angústia de sentir" (esse é o meu preferido) ou o conforto de saber que tudo isso já aconteceu e que as coisas acabam mesmo acabando bem. Espero por um "mais breve possível" final feliz.

Gian disse...

"... se manter acordado, mesmo depois de um vinho horrendo..."

Se sutileza matasse, vc teria mil vidas.

Erika YK disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Em 1986 também? O mundo quase acabou porque eu nasci, meu caro. Era glamour demais pra esse mundo.

A única coisa que me irrita é que essa alta do dolar e consequencias pelo mundo podem atrapalhar minha viagem à Europa. Oh jesus!

"Sou um senhor feudal".