domingo, 21 de setembro de 2008

Ditos e Escritos

Ao final de uma das aulas da semana passada, fui procurado, como de hábito, por alunos cheios de dúvidas, angústias e incertezas. Um deles me disse ter lido um poema de Cecília Meireles que o fez lembrar de algo que pensou ao ler o blog e o obituário de Ponticelli. Estendeu-me uma cópia, que segue abaixo:

Os presentes dos mortos

Os presentes dos mortos
arrastam-se ternamente
no encalço dos vivos

Usam um silêncio diferente
pousam de um modo peculiar

Como também morreram um pouco,
têm uma feição pálida e ausente.
Comanda-os de longe esquiva estrela.

Como, porém, não morreram de todo,
aproximam-se com branduras de fantasma,
e a cada instante se detêm,
medrosos, por se encontrarem em nossa frente.

Somos tão bruscos, tão agressivos!
É tão insensível aos delicados modos de morte
a condição do áspero ser vivente!

(Cecília Meireles – Mar Absoluto)

Algo me chamou atenção nesse episódio. Primeiro, o fato de que não tenho a mínima idéia do alcance do discurso, ou seja, de como as pessoas lidam com aquilo que ouvem ou lêem. Coisas são ditas, coisas são escritas... e daí ? O que acontece com essas palavras ? Quais efeitos elas provocam ? De Górgias (séc.V a.C.): O Discurso é um senhor soberano que, com um corpo diminuto e quase imperceptível, leva a cabo ações divinas. Na verdade, ele pode tanto deter o medo como afastar a dor, provocar a alegria e intensificar a compaixão. Sem achar que meu discurso tem todo esse alcance, ainda assim me pergunto: que tipo de pensamento minhas palavras despertam ? Também me chamou atenção o fato de que sequer sei o nome do menino que me entregou o poema e que, de alguma forma, ficou tocado pela leitura do obituário de Ponticelli. Assim como não sei o seu nome, ignoro o nome de muitos dos seus colegas. Em outras palavras: enuncio um discurso que irá provocar um efeito ignorado em pessoas anônimas. Isso tem algo de assustador.

Voltando à Primeira Guerra Mundial, lembro que após o Armistício multiplicaram-se por toda a Europa os monumentos ao “soldado desconhecido”. A idéia, ao que parece, surgiu em Verdun, quando dezenas de milhares de soldados simplesmente desapareceram sob o dilúvio do fogo de artilharia, reduzidos a poeira. Sem direito a um túmulo individual, não seriam relembrados como heróis, mas foram capazes de sacrifícios tão grandes quanto os outros. Impossível não fazer alguma relação com a multidão de alunos anônimos que passam pelas salas de aula e que se envolvem na proposta do curso de História, e se dedicam e, ao final do ano, seguem para suas carreiras acadêmicas levando sabe-se lá o quê da experiência do cursinho. Aproveito a poesia de Cecília Meireles, que me foi entregue de forma tão delicada e atenciosa, e dedico-a a todos esses “Alunos Desconhecidos”.

7 comentários:

Unknown disse...

Ahhh Gian q lindo!
Apesar da forma tão impessoal q se dão as coisas no cursinho, as suas aulas em especial tem um impacto enorrrrmeeee na minha vida e tenho ctz q na vida de muitos outros "anônimos" no anglo!
É mais ou menos...
*aquela vergonha q dá de nunca ter pensado em coisas tão simples e essencias na vida, q só vc me faz refletir...
*passar um fim de semana inteiro extasiada por causa de uma certa aula...
*dar pulinhos de felicidade só de ver uma postagem nova no seu blog...
*ter a certeza de q serei um ser humano bem melhor por ter tido um professor assim tão dedicado...( q se propõem a atualizar o blog quase meia noite! rs )
*aquele alívio q dá no coração por saber q o mundo não é tão feio quanto parece só por causa da existência de pessoas como vc...
E olha q é tudo só mais ou menos assim...

Obrigadaaaaa Giannnnn!!!


Aliás,meu nome é Daniele =]

Gian disse...

"Aliás, meu nome é Daniele" é ótimo !

JÉSSIKA disse...

É Gian, eu concordo plenamente com a Daniele.
E na verdade mesmo com essa relação tão distante entre professores e alunos que existe no Anglo é incrível como muito do que vocês falam me levam a refletir e principalmente a amadurecer. É facilmente perceptível que eu não sou mais a mesma pessoa de antes do curso. E isso é sensacional, vai muito além de vestibular sem dúvida alguma.
E sempre rola um comentário entre a gente de "Nossa, como eu queria conversar mais com ele!".
Depois das suas aulas eu passei a ver com outros olhos a História (que confesso que nunca tive interesse) e simplesmente me apaixonei pela matéria.
Só queria te dizer mais uma vez, porque você já até cansou de ouvir isso, que você é SENSACIONAL!
Muito obrigada por tudo, de coração. E eu sou muito feliz por ter a oportunidade de ser uma de suas "alunas desconhecidas".
Um beijão.

Sentir disse...

Fiquei 48 minutos procurando um email que continha uma frase mais ou menos assim: "e do meio da multidão vc levantou e olhou pra mim", uma pena eu não ter encontrado para poder colocar um trecho aqui. Talvez melhor assim, já que acabei relendo mta coisa da minha caixa de entrada...e isso despertou a minha potencia da vontade de escrever.

x disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
x disse...

Depois que eu li isso não tive como não comentar...
Realmente as palavras dos professores podem ter um alcance onde eles menos esperam, um exemplo disso sou eu mesmo.Quando comecei o curso era do tipo exatóide bitolado que abominava humanas, mas com o passar do tempo fui aprendendo a gostar, por causa das aulas do jucenir até a chegar a tal ponto de cabular aulas de matematica e fisica só pra assistir as aulas do Gian nas salas de humanas.
Nunca imaginei que historia fosse uma materia tao interessante que pudesse me ensinar tanto em um ano(que ainda nem terminou..), principalmente sobre politica, e são esses tipos de coisas que tornam certos engenheiros diferentes,assim como fisica/biologia/etc para os advogados.
O pontapé inicial dado pelo Gian e pelo Jucenir pra entender melhor o mundo certamente me fará cursar a POLI de um jeito diferente.
Muito Obrigado
ass. um simples aluno de exatas

Vinicius disse...

Enquanto alguns alunos desconhecidos dedicam algumas palavras, pensamentos e agradecimentos a esses "professores conhecidos" que nos ajudam a mudar um pouco a nossa estreita maneira de nos enxergar no mundo.
Obrigado pela ajuda indireta!
Suas aulas são um estímulo contra a preguiça rs!!

Abraços