domingo, 5 de outubro de 2008

Passeando na imaginação

Ainda está em cartaz em São Paulo o filme com Marisa Monte sobre a velha guarda da Portela, O Mistério do Samba. Trata-se de um documentário com depoimentos dos membros mais antigos da escola de samba, que contam suas histórias e cantam seus sambas, dando origem a momentos de beleza indizível. Ao final do filme, a platéia, deliciada, não conseguiu segurar os aplausos: foi a primeira vez que essa reação não me causou constrangimento em uma sala de cinema.

O depoimento de velhos sempre provoca algum tipo de ternura, ainda mais quando sabemos que, no caso do filme, alguns deles morreram antes mesmo de ver o resultado final nas telas, casos de Argemiro Patrocínio (1923-2003) e Jair do Cavaquinho (1920-2006). O filme trata da memória: trata-se de uma grande coletânea de histórias e “causos” do passado envolvendo membros da escola, moradores de Oswaldo Cruz, subúrbio do Rio de Janeiro onde nasceu a Portela. No meio do emaranhado de relações pessoais – amorosas, familiares e de trabalho – que surge a partir dessa narrativa, vai nascendo o samba, contando as coisas simples da vida ao mesmo tempo em que desvenda estados de alma mais profundos. É assim que o filme nos “pega”, uma vez que compartilhamos de alguma forma essas experiências de vida. Quando lamentamos não ter a mesma sensibilidade dos compositores para transformar isso em arte, já é tarde; estamos irremediavelmente identificados com os “velhinhos”, não conseguimos conter o aplauso no final do filme.

A participação de Marisa Monte (que é branca, zona sul e bem falante) se faz serenamente. Em nenhum momento ela parece deslocada ou querendo roubar a cena. Não ocorre estranhamento sequer nas cenas finais, quando ela canta cercada dos membros da velha guarda na quadra da escola de samba. Nesse momento final, o tema é justamente o da continuidade, da permanência da tradição ou mesmo do surgimento de novas. Mais do que nunca, aflora a sensação de pertencimento a uma coletividade (o bairro de Oswaldo Cruz ? a Humanidade ?), através de sua expressão mais nobre: a arte.

(Como comparação, o músico norte-americano Ry Cooder não conseguiu evitar o estranhamento, em 1996, quando fez um documentário semelhante, reunindo a velha guarda da música cubana então em pleno esquecimento. O filme, Buena Vista Social Club, tem momentos constrangedores cujo auge é o concerto final, em Nova York, quando a slide guitar de Ry Cooder acompanha uma sucessão de boleros aguados.)

Assistam o filme, antes que saia de cartaz. Um trailer pode ser visto em http://www.omisteriodosamba.com.br/ , e a foto acima é de seu Argemiro, responsável por momentos verdadeiramente impagáveis.
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PS.: A direção competente é de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda.

3 comentários:

Unknown disse...

10h29? Como você é rápido!

Muito feliz por me fazer contemplar a face terna e simples da vida. Adorei tudo: o documentário, seu texto e as mãos...

*Ao som do delicado dedilhado de "Sempre Teu Amor"*

Luana Harumi disse...

Pois bem...!

Sentir disse...

Summertime.