Ainda está em cartaz em São Paulo o filme com Marisa Monte sobre a velha guarda da Portela, O Mistério do Samba. Trata-se de um documentário com depoimentos dos membros mais antigos da escola de samba, que contam suas histórias e cantam seus sambas, dando origem a momentos de beleza indizível. Ao final do filme, a platéia, deliciada, não conseguiu segurar os aplausos: foi a primeira vez que essa reação não me causou constrangimento em uma sala de cinema.O depoimento de velhos sempre provoca algum tipo de ternura, ainda mais quando sabemos que, no caso do filme, alguns deles morreram antes mesmo de ver o resultado final nas telas, casos de Argemiro Patrocínio (1923-2003) e Jair do Cavaquinho (1920-2006). O filme trata da memória: trata-se de uma grande coletânea de histórias e “causos” do passado envolvendo membros da escola, moradores de Oswaldo Cruz, subúrbio do Rio de Janeiro onde nasceu a Portela. No meio do emaranhado de relações pessoais – amorosas, familiares e de trabalho – que surge a partir dessa narrativa, vai nascendo o samba, contando as coisas simples da vida ao mesmo tempo em que desvenda estados de alma mais profundos. É assim que o filme nos “pega”, uma vez que compartilhamos de alguma forma essas experiências de vida. Quando lamentamos não ter a mesma sensibilidade dos compositores para transformar isso em arte, já é tarde; estamos irremediavelmente identificados com os “velhinhos”, não conseguimos conter o aplauso no final do filme.
A participação de Marisa Monte (que é branca, zona sul e bem falante) se faz serenamente. Em nenhum momento ela parece deslocada ou querendo roubar a cena. Não ocorre estranhamento sequer nas cenas finais, quando ela canta cercada dos membros da velha guarda na quadra da escola de samba. Nesse momento final, o tema é justamente o da continuidade, da permanência da tradição ou mesmo do surgimento de novas. Mais do que nunca, aflora a sensação de pertencimento a uma coletividade (o bairro de Oswaldo Cruz ? a Humanidade ?), através de sua expressão mais nobre: a arte.
(Como comparação, o músico norte-americano Ry Cooder não conseguiu evitar o estranhamento, em 1996, quando fez um documentário semelhante, reunindo a velha guarda da música cubana então em pleno esquecimento. O filme, Buena Vista Social Club, tem momentos constrangedores cujo auge é o concerto final, em Nova York, quando a slide guitar de Ry Cooder acompanha uma sucessão de boleros aguados.)
Assistam o filme, antes que saia de cartaz. Um trailer pode ser visto em http://www.omisteriodosamba.com.br/ , e a foto acima é de seu Argemiro, responsável por momentos verdadeiramente impagáveis.
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PS.: A direção competente é de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda.
3 comentários:
10h29? Como você é rápido!
Muito feliz por me fazer contemplar a face terna e simples da vida. Adorei tudo: o documentário, seu texto e as mãos...
*Ao som do delicado dedilhado de "Sempre Teu Amor"*
Pois bem...!
Summertime.
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