quinta-feira, 13 de junho de 2013

Considerações desapaixonadas sobre a "baderna"



Sobre as manifestações ocorridas na cidade, nos últimos dias:

1 – A primeira pergunta é: quem são os manifestantes ? De imediato, identifico sua pluralidade. Há aqueles que vão às ruas por se oporem ao aumento das tarifas no transporte (acredito que sejam a minoria), há os chamados radicais, que aproveitam qualquer manifestação para expressar sua oposição ao “sistema” (são os que aparecem mais) e finalmente há os que aproveitam a mobilização para manifestar o seu descontentamento difuso (acredito que sejam a maioria). O descontentamento difuso, por sua vez, resulta do fato de que a democracia formal parece não resolver os problemas que afligem o cotidiano paulistano ou brasileiro, desde a paralisia urbana até a violência bárbara. O que está em jogo é a brutal ineficiência do Estado, e essa situação não parece que vai mudar, dadas as nulidades políticas que nos cercam (de Dilma a Alckmin, passando pela trágica constatação de que o grande plano B da nação é Aécio Neves Zero-à-esquerda). Em outras palavras, basta.

2 – Nas manifestações, há a Juventude Petista, mas um diretório do PT foi invadido; há a história trágica do policial solitário que iria ser linchado pelos manifestantes, mas que acabou sendo salvo por outros manifestantes; há os que são contra aumento da tarifa do transporte coletivo, mas chegam de carro próprio para a manifestação. O que importa aqui não é apontar contradições – que seria de nós sem elas ? – mas insistir ainda uma vez na pluralidade do movimento. Talvez essa seja sua grande riqueza.

3 – Sobre os que cometem atos de destruição: não sei qual o sentido de pixar (mais) uma parede. Ou de depredar o já precário transporte coletivo. Ou de prejudicar a vida de literalmente milhões, que só querem chegar em casa que depois de um dia de trabalho cansativo. Circula por aí uma imagem, supostamente engraçada, do famoso quadro da Queda da Bastilha, com um balão de diálogo acrescentado: “Sem quebrar nada pessoal”. A única graça possível está no paralelo entre Paris de 1789 e São Paulo de 2013. Lamento constatar, mas aqui não há uma Bastilha a ser tomada. Não existe uma revolução em andamento, para a frustração de muitos que participam do movimento.

4 – A crítica generalizada à cobertura da imprensa me causa espanto. Acredito que boa parte dessa crítica tenha um fundamento duvidoso: a mídia não publica a verdade. Oras, qual a novidade nisso ? Se um jornal chama os manifestantes de São Paulo de vagabundos e os de Istambul de ativistas, é porque há uma tomada de posição. E daí ? Melhor assim do que um veículo da imprensa que se anuncie como portador da verdade. Pensando nisso, começo a imaginar que muitos dos que reclamam da mídia o façam partindo de um outro fundamento, nem sempre admitido: a mídia não publica o que EU considero verdade. Nos dois casos, são bases bem frágeis para criticar a imprensa.


5 – Até quando vamos viver sob a sombra e a inspiração daqueles herois que combateram a ditadura ? Não duvido do heroísmo de alguém diante da tortura, mas penso em seu legado. Para muitos, ter um passado de luta é credencial para a construção de uma identidade presente. Diante da vigência do estado de Direito, as oportunidades de construir um currículo heróico como o desses combatentes do passado recente são escassas. Daí a necessidade de fazer coisas como invadir a reitoria da USP, ser perseguido pela polícia em alguma manifestação (qualquer manifestação). Tenho essa impressão ao constatar que um bocado de jovens de classe média, estudantes universitários (meus ex-alunos !) divulgam copiosamente sua participação nas manifestações através das redes sociais. Não haverá aqui uma manifestação do egoísmo pequeno-burguês em se aproveitar de um movimento popular para fins individualistas ?

4 comentários:

Clarissa L. disse...

Gian,
li e reli seu texto, perplexa pelo compartilhamento dos ex-alunos apaixonados por qualquer coisa que você diz.
hoje ele faz mais sentido do que no dia que voce escreveu, e digo isso com um enorme peso nos ombros, não por culpa, mas por decepção, talvez até um desespero.
Não, não se trata de colocar na conta que participamos de um ato.
não, não se trata de invadir a reitoria pra exercer nosso direito pequeno burguês de fazer tudo que bem quisermos.
Não se trata de levar bala de borracha pra fingir que é de luta.
A pauta é real, a conquista é real. O que não é real é o que veio depois.

Massas se incorporando gritando contra corrupção, a favor da saúde, pela melhora da educação – isso não é pauta, isso é conversa de bar.
Massas gritando pelo impeachment da Dilma, massas que não entendem o que é federalismo.
Massas hostilizando os partidos de esquerda que sempre estiveram a frente desse ato, somando forças com o pequeno MPL, que nesse momento se tornou gigantesco.
Mas você erra, há sim muito objetivo em pixar paredes, é a voz impressa onde os olhos não podem se negar a ver. Tem sentido em queimar ônibus, é a perplexidade que se expressa, da periferia pro centro, com políticas de descaso que se arrastam – é uns se apropriando da violência que dizem por ai que só é legitima quando praticada pelo Estado.
Quem de fato estava apropriado da pauta do mpl sabia que isso não era uma janela revolucionária, não eramos nós, conscientes da pauta, que argumentávamos com a bastilha, com o muro de berlim - ainda assim, a piada é boa - estamos questionando a que serve, e a quem serve, tudo que isso que esta nos posto nessa cidade que não é nossa, mas deveria. Não como propriedade, mas como direito de ocupa-la.
Não vejo essa contradição que aponta em ir de carro para a manifestação. E essa é fácil de cair – eu não preciso ser gay pra lutar contra homofobia, não preciso ser mulher pra lutar contra o machismo, não preciso ser uma arvore pra lutar pelo meio-ambiente, não preciso ser deficiente pra lutar por acessibilidade, absolutamente não preciso. A consciência de classe é diferente de se proletarizar, você sabe disso, Gian.
A USP é um lugar extremamente libertador, e em igual proporção, alienante. Dentro da nossa bolha, compramos o que quisermos pra discutir nas festas com outros amigos comunistas - mas não, Gian, não é disso que vive o movimento estudantil Não vamos as ruas pra satisfazer nosso egoísmo pequeno burguês, a gente vai porque não consegue ficar dentro da nossa bolha reclamando – a gente vai porque tem voz, e essa é nossa força.
Mas todas essas criticas que faço são referentes as manifestações até o 4º ato, quando tudo mudou o jogo.
Daí pra frente, seus questionamentos ficam bem mais pertinentes – mas infelizmente, não era sobre isso que você tava falando.

Desapaixonadamente,
uma ex-aluna.

Gian disse...

Oi, Clarissa, obrigado por escrever.

É muito, muito difícil pensar que passo boa parte da vida pregando para os já convertidos. Sendo assim, levar umas pancadas (críticas) na cabeça de vez em quando acaba fazendo bem. Não apenas vc, mas outros dois ex-alunos se animaram a criticar esse texto (via facebook), e tenho certeza que muitos outros também o rechaçaram, criticaram etc, porém não se animaram a tornar públicas suas críticas.

Todavia, chamo a atenção para a cronologia: o texto que vc comenta foi escrito na manhã de quinta-feira, tá lá o horário, 10h59. Muita coisa mudou nas poucas horas após a sua escrita (por exemplo: PM agiu indiscriminadamente, outras propostas começaram a ser ouvidas nas ruas, etc)

Discordar, discorde sempre, mas entenda que até o momento da escrita o movimento se parecia com 9847378 outros que eu já havia visto até então, todos eles inócuos na sua radicalidade e utopismo e, SIM, vitrine para um bocado de gente posar de herói proletário via rede social facebook.

Mas penso bastante no que vc falou, talvez ainda hoje eu escreva algo sobre ao assunto. Desapaixonadamente. Afinal, assim que se debate, não ?

Erica Watanabe disse...

Gian, achei muito interessante suas colocações, mas achei que cabe uma observação quanto ao seu comentário sobre as críticas à mídia. Sei que você escreveu o texto antes da pancadaria da quinta-feira, mas um grande debate aconteceu entre os jornalistas no meio disso tudo que eu acho pertinente apontar.

Não acho que a crítica à imprensa foi no tom generalista contra "a grande mídia", sempre "tendenciosa e manipuladora". O clima entre os colegas de profissão foi de imensa descrença e tristeza – muitos jornalistas foram massacrados na quinta, sendo que no dia seguinte tiveram que acordar com notícias legitimando a violência da qual foram vítimas, publicadas pelos próprios veículos para os quais trabalhavam.

Acho que isso mostra um problema muito mais sério do que um simples recorte político na linha editorial do jornal. É um sinal do quão defunto está o jornalismo, o que por si só não é um fato trivial.

Gian disse...

Interessante mesmo é a sua visão, de "dentro" da imprensa, digamos assim. De fato, nem passou pela minha cabeça essa cisão entre jornalista e veículo. Sendo assim, eu pergunto: uma vez que o jornalismo está defunto, qual o futuro ? Ou melhor, qual o PRESENTE ? Vc acha que a internet já substitui, de fato, os dinossauros da imprensa escrita ?