O jogo é de uma grande simplicidade: agrupar
docinhos do mesmo tipo em uma sequência de casas, provocando seu esmagamento e
contando pontos. Algumas variações incluem casas cobertas de gelatina, mais
difíceis de dissolver, chocolates que se multiplicam feito células cancerígenas
(dando ao chocolate uma estranha negatividade) e assim por diante. Ao ganhar
pontos e limpar casas, o jogador está apto a mudar de fase. Estou na fase 86,
conheço gente que passou de 200 e não há fim à vista. O jogo parece ser eterno
e, sem dúvida, é viciante.
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Candy Crush Conatus
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Sobre piratas
Qual o espaço ocupado em nosso
imaginário pela figura do pirata ? Por quê – seja onde for esse espaço – a
figura do pirata provoca fascínio, que quase sempre inclui o poder de sedução
em que pese seu estatuto de marginal ? Sequer é necessário lembrar da imagem
midiática do capitão Jack Sparrow de Johnny Depp, arrancando suspiros sabe-se lá de
quantas pessoas.
Partindo de uma definição trivial, identifico
o pirata como o fora-da-lei que age por conta própria. Seu tempo é histórico, a
ameaça que poderia eventualmente representar acaba se dissolvendo em um passado
mais ou menos nebuloso (afinal, com exceção do especialista, quem pode afirmar
com precisão em que época atuavam ?). Claro, não me refiro aqui a fenômenos
contemporâneos, como os “piratas” da Somália: grupos tão violentos e
desesperados (e reais) que a própria denominação “pirata” nesse caso pede as aspas. Descartando
os “piratas” contemporâneos, incluo no conceito de pirata imaginário a sedução
e o fascínio.
O pirata imaginário é competente,
excepcionalmente competente, tanto que obriga a mobilização de forças excepcionais
para combatê-lo. Ele é o melhor espadachim, o melhor navegador, o estrategista
mais habilidoso. Além disso, o pirata age desprezando convenções, e assim
fazendo constrói uma identidade absolutamente singular. À bordo do navio
pirata, encontramos personagens únicos como Long John Silver, Capitão Gancho,
Tristeza Sangrenta, Rackham o Vermelho, Sam o Caolho e Tom Perna-de-pau.
(Sim, há sites que geram um nome pirata
para você. Vários sites. Por exemplo, em http://www.piratequiz.com/result.php
, após preenmcher um divertido questionário, descobri que meu nome pirata
seria Dirty Sam Kid. Já http://pirate.namegeneratorfun.com/ produziu para mim, meio aleatoriamente, o
impagável nome “John ‘Pieces of Eight’
Blighty, o mão sangrenta da Ilha dos Macacos”.)
Piratas são diferentes dos homens
uniformizados que manejam os navios da Coroa, daquela multidão de capitães e
tenentes e marinheiros, todos eles anônimos e intercambiáveis, que servem
fielmente ao Rei, e a ele obedecem sem pensar.
Dos piratas, invejamos sua
independência, sua identidade, sua competência. Sabemos que, por serem criaturas
singulares, criam suas próprias normas. Talvez seja exatamente isso o que neles
mais invejamos. Queremos ser piratas, porém faço uma advertência: sabemos que é
bem difícil viver em uma sociedade na qual cada um cria suas próprias normas,
em que cada um se considera um pirata.
Mesmo assim, sigo preservando o culto
aos piratas, porque sei que eles nos ajudam a lembrar a precariedade da norma,
das avaliações estreitas e dos rigorosos métodos administrativos, em tudo que podem ter de
limitador e até de destruidor do trabalho criativo. O administrador da fábrica
que nunca pisou no chão da oficina, o contador que não sabe trocar uma lâmpada,
o pedagogo que jamais teve uma classe cheia diante de si, aquele que faz as
leis trabalhistas e não trabalha... esses são os anti-piratas por excelência,
avançando rapidamente na construção de um mundo administrado, entediante, sem
graça nenhuma.
sábado, 13 de julho de 2013
Depois de Junho
A – Estratégias
da ilusão
A
esquerda é dotada de visão arguta, e costuma brandir as armas da crítica como
ninguém (a ponto de o próprio ato de brandir
as armas da crítica ser considerado por si só um gesto de esquerda). A direita
quase sempre evita o debate, mais interessada que está em usufruir do status quo. Dessa forma, o pensamento
crítico acaba sendo quase monopolizado pela esquerda, e é quando pode surgir uma estranha
forma de alheamento da realidade que resulta na elaboração das estratégias da ilusão. O fenômeno é
bastante comum: certos grupos, por simples falta (ou, vá lá, recusa) do diálogo
tornam-se irremediavelmente descolados da realidade, debatendo, fechando-se e
dando voltas em torno de si próprios. Referência: Intentona de 1935 e o
imperdível livro do imperdível Paulo Sérgio Pinheiro, de onde tirei o subtítulo
acima.
B – Parole,
parole
Quando
o discurso se faz na rua ou sobre o palanque (ou se manifesta em blogs...), ele
deixa de ser preciso, e morre vítima do reducionismo mais sórdido e do
maniqueísmo mais tolo. Raros são os momentos históricos em que um Lenin
conseguia captar o espírito das massas e traduzi-lo em slogans curtos de
impacto imediato. Talvez na sociedade russa pós-feudal (ahn ?) isso ainda fosse
possível, mas a experiência do século 20 já mostrou o quão raro isso pode
existir em uma sociedade complexa. Referência: dos totalitarismos à democracia
formal (sem amarrá-los no mesmo feixe, mas observando a instrumentalização do
discurso em ambos).
C – Violência
gera violência
Ao
iniciar um ato de violência, a resposta imediata inevitavelmente será a
violência. A descida rumo aos instintos mais primários resulta em uma
infantilização brutal, que acaba se manifestando em discussões tão bizantinas quanto
pueris sobre “Quem começou primeiro” [sic]. No dia em que o filho morre nos
braços da mãe, faz-se necessário parar e pensar se a luta vale a pena. (“Mas, esperem um pouco, do jeito que está os
filhos já estão morrendo nos braços das mães !”. A saída me parece bem mais complexa
do que quebrar vidraças.) Referência: o euroterrorismo nos anos 70.
D – Estratégias da
ilusão II
O
capitalismo estimula valores como a competição, individualismo e lucro, bem
como a realização do sucesso através da posse de objetos materiais, e do mais mágico de todos os objetos: o dinheiro.
Nesse contexto, a corrupção é inerente ao sistema. Partindo dessa constatação e
fazendo uma leitura rasa do materialismo marxista, a conclusão só pode ser:
basta mudar a organização material da sociedade (sua ordem socioeconômica) que
o universo de valores também irá mudar. O mecanicismo por trás dessa concepção
é evidente, e três ou quatro modalidades de organização socioeconômica alternativas
praticadas a partir do século 20 provaram o tamanho do problema e a apontaram
para a persistência da corrupção, sob novas roupagens. Referência: modelos soviético,
chinês, albanês. Khmer ? Chavismo ?
Volto
às sociedades complexas. O bom Max Weber observava, argutamente, a criação de
amplas estruturas burocráticas necessárias para efetivar a produção e a
distribuição, bem como a administração de sociedades populosas e centros
urbanos gigantescos. Privadas ou públicas. Oras, abolindo-se a atual organização
socioeconômica e descartando-se os modelos históricos alternativos fracassados,
alguém me diz como sobreviver como 7 bilhões de pessoas no planeta, sem as tais
organizações burocráticas gigantescas, essas
sim, corruptíveis na sua própria essência ?
Resumindo
e colocando em outras palavras, em que sentido a luta deve se encaminhar ? Onde
devem ser abertas as novas trincheiras ?
domingo, 23 de junho de 2013
De-sa-ba-fo
I
Não tenho
a menor dúvida de que um grande pecado das gerações mais velhas é enxergar o
presente com a vista turvada pelo passado. A suposta sabedoria vinda da
experiência muitas vezes faz com que o novo seja simplesmente falsificado, evitando
o entendimento. Por outro lado, as gerações mais jovens tendem a enxergar o que
para elas é novo com um evento inédito na história. Dessa forma, parte-se
alegremente para a repetição o que já foi, incluindo todos os seus erros. Nos
dois casos, tanto para os mais velhos (sábios que pouco sabem) quanto para os
mais jovens (virgens caminhando para o estupro), acabamos repetindo o passado,
seja praticando a farsa ou lamentando a tragédia.
Diante
disso, lamento constatar: perante a história, somos todos “os mais velhos” ou
“os mais jovens”, não há exceções. Contam-se nos dedos aqueles que conseguiram
captar o presente do seu tempo, em toda sua plenitude e com toda sua
singularidade.
Um dia,
diante da crise, Jânio pareceu ser aquele que entendeu o seu tempo, pairando acima
das desavenças e anunciando o novo. Era mentira. Anos depois, foi a vez de
Collor surgir como o profeta do tempo presente, o messias da Nova Era. E foi
uma farsa. A grande questão hoje não seria: como evitar uma tragédia ?
II
Por que
escrevo ? Não tenho dúvida que, por alguma uma estranha perversão epistemológica,
penso melhor por escrito do que falando. Se o enunciado do meu discurso falado
costuma ser, ao mesmo tempo, consistente e convincente – chegando às vezes na
proximidade do belo – é porque antes ele foi previamente elaborado como
escrita. Quanto ao debate impromptu,
sou uma catástrofe: os argumentos me escapam, os esquecimentos são recorrentes
e o esprit de l’escalier está sempre
à espreita.
Dessa
forma, tento entender as coisas através da escrita, e compartilho minha busca
aqui ou ali – por exemplo, neste blog. Porém, seria tolo em não reconhecer que também
existe um componente de vaidade na escrita, ainda mais quando se assina um
texto. Sempre cito um episódio ocorrido nos últimos anos de vida de Foucault,
quando o filósofo desabafou: “No fundo escrevemos porque desejamos ser amados”.
(Claro, o estágio avançado de sua doença fez com quem ninguém se atrevesse a
fazer o gracejo inevitável: “Então porque não escreve mais fácil, para que mais
gente possa entendê-lo e, portanto, amá-lo ?”).
Aproveito
a citação de Foucault para usar mais algumas de suas palavras como
justificativa: “a escrita serve para cortar”. Para ferir. De que adianta uma
escrita complacente ? Se não utilizar o discurso para abalar o chão onde me
apoio e, se possível, remover o solo sob meus pés, de que serviria tudo isso ?
Por o dedo na ferida das certezas é deslocá-las constantemente, e é acreditar
que os valores, esses sim, devem ser chacoalhados
um atrás do outro. Às vezes é muito mais fácil quebrar vidraças que valores.
III
Quando vi
as ruas ocupadas por um punhado – e no começo era apenas isso, um punhado – de
gente defendendo uma causa que, na sua especificidade inicial parecia ser
diminuta, quando vi os ”suspeitos de sempre” (grupos como “juventude maoísta”, “Coletivo
Anarco-Punk do Baixo Augusta” etc.) ocupando as ruas, eu confesso, assumo
e não peço condescendência: não dei a mínima bola. Foi quando escrevi o texto
do dia 13 de junho, pela manhã, e aproveitei para “usar a faca”, inclusive
pensando naqueles que participaram da manifestação do dia 11 e em seguida divulgaram
fotos no facebook posando de heróis do instagram.
No mesmo
dia, no final da tarde, não apenas a polícia baixou o cacete de forma violenta
– o que talvez se justificasse no caso de uma multidão de Hitlers – como também
o movimento ganhou em tamanho e pauta reivindicativa: não mais os centavos, mas
mudanças na política de transporte público, reestruturação da Polícia com
abolição da PM, etc. Claro, aderi: é o momento em que se sai da situação de
conforto para berrar. Seguiu-se a passeata de segunda-feira, após a qual
escrevi o texto sobre a necessidade de enterrar 1968: contra utopias e
propostas vagas (portanto contra o que hoje é chamado “coxinização” do
movimento), pedindo uma inclusão para quem saiu as ruas pela primeira vez (tentando
fugir dos slogans da velha política maniqueísta. Claro, muitos dos que saíram
às ruas pela primeira vez nos dias seguintes começaram a fazer passeata
cantando “Eu sou brasileiro/ com muito orgulho/ Com muito amor”, e aí já é
forçar a amizade).
Mesmo com
mais essa volta do parafuso, ainda tento encarar o que é novo e enxergar o
presente destruindo as lentes do passado. Não sei se tenho sucesso e, em caso
negativo, já disse, não espero condescendência. Encerro com uma de minhas citações
preferidas:
Acho que só devemos ler a espécie
de livro que nos ferem e nos trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos
acorda com uma pancada na cabeça, porque o estamos lendo ? Por que nos faz
felizes ? (...) Mas nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre,
que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do
que a nós mesmos, como ser banido para a floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado para
quebrar o mar de gelo que há dentro de nós. É nisso que eu creio. (Franz Kafka, “Carta a Oskar
Pollok”, 1904)
terça-feira, 18 de junho de 2013
Novas considerações desapaixonadas
1
– Suspeito que o movimento ganhou dimensão porque a classe média foi para as
ruas. Pelo menos foi isso que vi no 17 de junho e nas, digamos, cem mil pessoas
que lá estavam. Eram jovens, quase sempre bem vestidos, quase sempre brancos
(isso é francamente perturbador), grande número de estudantes universitários.
(E vamos combinar assim : ninguém deixa de ser classe média por estudar Sociais
na USP, ok ?). Guardo na memória um comentário que ouvi de um grupo de trabalhadores
uniformizados (da Eletropaulo ?) que contemplava a passeata: “Trabalhar que é bom
essa gente não quer...”.
4
– Se a classe média for embora e as massas proletárias não comparecerem, a
única coisa que vai sobrar para o movimento vai ser a violência, como única
forma de preservar a duramente conquistada visibilidade. Mais um vez, escrevo no
calor da hora: são 22h20 e começam a chegar notícias de lojas saqueadas e bens
de consumo roubados no centro de São Paulo. Claro, legitimando a repressão; e o resultado
é que se continuar assim ninguém mais vai para a rua, muito menos a classe média.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Enterrando 1968
A cena foi vista
na passeata do dia 17 de junho em São Paulo: o jovem começou a entoar o refrão de
“Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, um dos hits
revolucionários de 1968, e ficou sozinho. Ninguém acompanhou. Foi quando tive a
intuição de que as novas gerações finalmente não precisam mais viver – e, sobretudo,
agir – sob a sombra de 1968.
Identifico um duplo
legado de 1968. Em primeiro lugar, a reivindicação de utopias, conforme
exemplificado pelos famosos slogans do maio de 68 francês (“A imaginação no poder”,
“É proibido proibir”, “Sejamos realistas, peçamos o impossível”). Se por um
lado tais slogans são de uma simpática beleza poética, e podem até sustentar
manifestações durante, digamos, uma primavera, por outro são evidentemente de
realização impossível. Ao invés de apontarem para um projeto, indicam tendências,
que se perdem em meio a abstrações infinitas.
Em segundo
lugar, o 1968 brasileiro trouxe a transformação da luta política em um
confronto maniqueísta. A ditadura militar facilitava a tendência, sendo
claramente identificada como um mal que deveria ser combatido, o que
transformava todos os seus adversários no campo do bem. Uma vez que os líderes da luta contra a ditadura estavam no campo da esquerda, aguardava-se o surgimento do nosso Lenin, quem sabe na pele de um José Dirceu ou Vladimir Palmeira.
Oras, o 2013
brasileiro parte de uma reivindicação bastante concreta (contra o aumento das tarifas
de ônibus urbano), e tira daí um verdadeiro projeto de mudanças. Se não
revolucionárias, pelo menos capazes de transformar algo na vida das pessoas. Dentre outros, o que se
ouve pelas ruas:
- transporte público de qualidade, incluindo preços seriamente subsidiados e mudança na ênfase das políticas públicas de transporte (que até hoje sempre beneficiaram transporte individual em prejuízo do coletivo);
- oposição à PEC 37, ao Estatuto do Nascituro, à “Bolsa Estupro”;
- reorganização completa das forças de segurança pública, incluindo a abolição das PMs.
Reinvindicações
vagas e com alvos difusos (como “abaixo a corrupção”) mal se ouvem em meio ao barulho
da multidão. Slogans anarquistas contra o “sistema” também se perdem. Ou melhor,
acabam atrelados aos atos de violência repudiados pela ampla maioria dos que vão
ás ruas. Acho.
Escrevo no calor
da hora, e percebo os tradicionais partidos “de rua” (PSTU, PSOL,
PCO) tem pouco espaço no movimento. O MPL se diz apartidário e, de fato, nas
manifestações, a quantidade de bandeiras dos partidos ditos radicais é mínima.
Hoje, lá pela tantas, ouvi brevemente um coro “Ei, PSTU, vai tomar... “ etc. Nesse
sentido que entendo que o objetivo do movimento certamente não é implantar, sei lá, o centralismo
democrático como primeiro passo para a introdução
da ditadura do proletariado. Enfim, até agora não apareceu nenhum candidato a Lenin em nenhum palanque. O que há de revolucionário é um desprezo generalizado
à classe política, e mesmo quando vejo cenas de “vândalos” escalando o
Congresso nacional, ameaçando o Legislativo carioca ou cercando o Palácio de
Governo do Estado de São Paulo, não me incomodo muito.
Seja como for, 1968 deixa de projetar a sua sombra, que durante muito tempo impediu que se pensasse por conta própria, que se agisse por conta própria. Finalmente, 1968 está enterrado, e as gerações atuais não estão mais condenadas a repeti-lo, nem como farsa nem como tragédia.
Seja como for, 1968 deixa de projetar a sua sombra, que durante muito tempo impediu que se pensasse por conta própria, que se agisse por conta própria. Finalmente, 1968 está enterrado, e as gerações atuais não estão mais condenadas a repeti-lo, nem como farsa nem como tragédia.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
Considerações desapaixonadas sobre a "baderna"
Sobre as manifestações ocorridas
na cidade, nos últimos dias:
1 – A primeira pergunta é: quem
são os manifestantes ? De imediato, identifico sua pluralidade. Há aqueles que
vão às ruas por se oporem ao aumento das tarifas no transporte (acredito que
sejam a minoria), há os chamados radicais, que aproveitam qualquer manifestação
para expressar sua oposição ao “sistema” (são os que aparecem mais) e
finalmente há os que aproveitam a mobilização para manifestar o seu descontentamento
difuso (acredito que sejam a maioria). O descontentamento difuso, por sua vez,
resulta do fato de que a democracia formal parece não resolver os problemas que
afligem o cotidiano paulistano ou brasileiro, desde a paralisia urbana até a violência
bárbara. O que está em jogo é a brutal ineficiência do Estado, e essa situação
não parece que vai mudar, dadas as nulidades políticas que nos cercam (de Dilma
a Alckmin, passando pela trágica constatação de que o grande plano B da nação é
Aécio Neves Zero-à-esquerda). Em outras palavras, basta.
2 – Nas manifestações, há a
Juventude Petista, mas um diretório do PT foi invadido; há a história trágica
do policial solitário que iria ser linchado pelos manifestantes, mas que acabou
sendo salvo por outros manifestantes; há os que são contra aumento da tarifa do
transporte coletivo, mas chegam de carro próprio para a manifestação. O que importa
aqui não é apontar contradições – que seria de nós sem elas ? – mas insistir ainda
uma vez na pluralidade do movimento. Talvez essa seja sua grande riqueza.
3 – Sobre os que cometem atos
de destruição: não sei qual o sentido de pixar
(mais) uma parede. Ou de depredar o já precário transporte coletivo. Ou de prejudicar
a vida de literalmente milhões, que só querem chegar em casa que depois de um
dia de trabalho cansativo. Circula por aí uma imagem, supostamente engraçada,
do famoso quadro da Queda da Bastilha, com um balão de diálogo acrescentado: “Sem
quebrar nada pessoal”. A única graça possível está no paralelo entre Paris de
1789 e São Paulo de 2013. Lamento constatar, mas aqui não há uma Bastilha a ser
tomada. Não existe uma revolução em andamento, para a frustração de muitos que participam
do movimento.
4 – A crítica generalizada à
cobertura da imprensa me causa espanto. Acredito que boa parte dessa crítica
tenha um fundamento duvidoso: a mídia não
publica a verdade. Oras, qual a novidade nisso ? Se um jornal chama os
manifestantes de São Paulo de vagabundos
e os de Istambul de ativistas, é porque
há uma tomada de posição. E daí ? Melhor assim do que um veículo da imprensa
que se anuncie como portador da verdade. Pensando nisso, começo a imaginar que
muitos dos que reclamam da mídia o façam partindo de um outro fundamento, nem
sempre admitido: a mídia não publica o
que EU considero verdade. Nos dois casos, são bases bem frágeis para
criticar a imprensa.
5 – Até quando vamos viver sob a sombra e a
inspiração daqueles herois que combateram a ditadura ? Não duvido do heroísmo
de alguém diante da tortura, mas penso em seu legado. Para muitos, ter um passado
de luta é credencial para a construção de uma identidade presente. Diante da
vigência do estado de Direito, as oportunidades de construir um currículo heróico como o desses combatentes do passado recente
são escassas. Daí a necessidade de fazer coisas como invadir a reitoria da USP,
ser perseguido pela polícia em alguma manifestação (qualquer manifestação).
Tenho essa impressão ao constatar que um bocado de jovens de classe média, estudantes
universitários (meus ex-alunos !) divulgam copiosamente sua participação nas manifestações
através das redes sociais. Não haverá aqui uma manifestação do egoísmo pequeno-burguês
em se aproveitar de um movimento popular para fins individualistas ?
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Democracia e fetiche
A reflexão surgiu quando ouvi o notório Renan
Calheiros defendendo-se de críticas, logo após ser nomeado pelos seus pares
Presidente do Senado (ou será que foi quando ouvi Sarney defendendo-se após ser
nomeado nem lembro mais o quê ?): “Aqueles que criticam o Legislativo estão
atacando a democracia”. Existe uma variação desse argumento, que é usada quando
a imprensa critica um governante: “A imprensa não respeita os representantes
eleitos pelo povo, prova de que ela é inimiga da democracia”.
Nos dois casos, trata-se de manifestações do que chamo
fetichização da democracia. Como em
todo fetiche, trata-se de um desvio do conceito, que passa a ser entendido de
forma parcial, através de apenas um dos seus aspectos. Na verdade, no
fetichismo, as coisas são entendidas apenas como aparência daquilo que são.
Enfim, uma ilusão.
Na fetichização da democracia, tudo se resume ao voto,
e somente ao voto. Todo governo eleito é considerado democrático, independente
de suas ações, “afinal, foi o povo que escolheu”. Na fetichização da
democracia, tudo está pronto para a violência contra o Estado de Direito, e o
Judiciário está sempre sob ameaça. Na fetichização da democracia, o
presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara assume abertamente
posições homofóbicas, e tudo bem pois foi escolhido por um Congresso
democraticamente eleito. Na fetichização da democracia, esvazia-se qualquer
projeto nacional de longo prazo: tudo se resume a preservar no poder o
“democrata” de plantão. Na fetichização da democracia, faz-se necessário
agradecer aos eleitores, àquela maioria que fez o favor de eleger o governo: o
populismo torna-se moeda corrente. Na fetichização da democracia, tudo vale
para “salvar a democracia”, inclusive a violência: em 1964, o golpe foi
justificado como forma de defendê-la.
As origens da fetichização da democracia (alguns
preferem o termo democracia formal)
podem ser encontradas naqueles momentos em que a democracia passa a ser uma simples bandeira de luta, e como tal transforma-se em slogan. Refiro-me a
longos períodos de ditadura, em que a democracia não é praticada e
transforma-se em um ideal, tendo início seu esvaziamento de conteúdo. (Em
nossos caso brasileiro, de fato, os últimos anos do Regime Militar assistiram à
luta pela redemocratização; porém, na época, por acaso alguém se perguntava que
democracia queríamos ? Não, pois o inimigo era tão formidável que era melhor concentrar
as forças e aglutinar as massas atrás de slogans fáceis como “Diretas Já”).
O segundo ingrediente necessário para a fetichização
da democracia é a fragilidade das instituições, tradicionalmente submetidas aos
desmandos dos poderosos. Fragilizadas, podem ser assaltadas pelos que agem “em
nome do povo”. Chega, cansei de aspas: falo aqui de Chaves na Venezuela, de
Erdogan na Turquia, de setores do PT em torno do governo federal. Observe como
coloco esse nomes ao lado de esbirros como Calheiros, Sarney & Feliciano,
além de uma nada nada discreta referência ao Regime Militar.
Desconfio que a luta desde há muito deixou de ser
entre socialismo e capitalismo. Suspeito que se trate cada vez mais de lutar
pela civilização contra a barbárie. Voltarei a isso.
domingo, 19 de maio de 2013
Mais constrangedor impossível
A foto é constrangedora sob
todos os aspectos. Um automóvel. A compra de um automóvel. Balões coloridos
celebrando o ato da compra do automóvel. Um comprador distraído surpreendido
diante de uma câmera e sem tempo de pensar em uma rota de fuga.
Não gosto de automóveis. Imagino
que as gerações futuras irão rir de nós: inventamos uma civilização tecnológica
na qual um indivíduo, para se deslocar, leva consigo 700 quilos de ferro, aço,
plástico e vidro, e ainda por cima emite poluentes no processo. A
irracionalidade da coisa toda é escandalosa. Automóveis são, ao mesmo tempo, desastres
ambientais e urbanísticos. Necessitam de largas vias asfaltadas (isto é, de
solo impermeabilizado) para circular. Estimulam a agressividade e o
individualismo, no âmbito do trânsito. Se levar em conta as condições de produção
de automóveis na indústria, seja fordista ou toyotista, imagino que o desastre
seja também social.
Choro lágrimas de sangue
sempre que constato que, na cidade onde vivo, sou obrigado a possuir um
automóvel, devido à absoluta precariedade do transporte público (entenda-se: insuficiência
dramática de linhas de metrô). Por pior que seja, sem automóvel meu deslocamento pela cidade se tornaria ao mesmo
tempo mais restrito, arriscado e dispendioso
em tempo. Sendo assim, tenho que suportar a vergonha de possuir um automóvel.
O surgimento de uma nova geração
de automóveis, compactos, me dá um pingo de otimismo para enfrentar o
apocalipse motorizado. Gosto de pensar que a posse de um mini carro possa ser
considerada como um humilde manifesto
contra a cultura dos carros e carrões, das cilindradas e potências, dos
SUVs e da lei do mais forte. Sendo assim, eventualmente compro carros, compactos.
É quando percebo um dos aspectos
mais constrangedores do complexo automobilístico: a venda para o consumidor
final. Trata-se do mundo pervertido e sorridente das concessionárias e seus vendedores
entusiásticos. Vendem carros, contribuem para a destruição, mas sempre sorrindo
e oferecendo um cafezinho a cada etapa. Aqui, não existem relações verdadeiras, mas
apenas um mundo falso de sorriso, abraços e felicitações feitas sob balões coloridos.
No mundo nebuloso das concessionárias,
apesar dos sorrisos eternos (e congelados) não existe nenhuma alegria verdadeira.
O humor não é possível. Na concessionária, ao constatar que meu veículo novo, Fiat Cinquecento, é “cinza”,
procuro na tabela de cores seu nome oficial. Os técnicos de marketing da Fiat
são ótimos em nomear as cores, e batizaram meu cinza de “grigio sfrenato”.
Sorrio e pergunto ironicamente para o vendedor, “Mas o freio desse carro é bom
mesmo ?”. Não sou compreendido, porém ele continua sorrindo.
Depois das infinitas e kafkianas
formalidades de praxe – que incluem assinar um documento, devidamente reconhecido em cartório, afirmando
que não troquei o motor do carro usado que dei como parte do pagamento por
outro – chega finalmente a hora de pegar o carro novo. O menino que me
apresenta o painel de instrumentos e suas infinitas funções (das quais usarei
uns 10%, se tanto), é entusiástico como todas as pessoas na concessionária. Lá
pelas tantas ele me apresenta o botão “ESC Sport”, que devo acionar quando quiser
diminuir o risco de capotagem. Perguntei o que aconteceria se eu o deixasse
desligado, e o rapaz, sorridente e incapaz a de prestar a mínima atenção no que
eu dizia, continuou concentrado, recitando seu mantra agora sobre as múltiplas
funções do computador de bordo. Seguiu-se a foto constrangedora que adorna o
post.
Finalmente, já ia saindo
quando o vendedor me alcançou e disse, inclinando-se sobre a janela: “Parabéns
pelo carro. Você merece !”. Aquilo foi demais para mim. Disse: “Não, eu não mereço
! Talvez eu seja uma pessoa má ! Talvez eu tenha cometido crimes, o que você
sabe de mim ?”.
Sem saber responder, ele
continuou sorrindo.
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Chutando cachorro morto...
...mas
como saber se está morto mesmo ? E se personagens medíocres como o deputado
Feliciano não forem uma aparição tardia da espiritualidade medieval, mas sim
um sinal dos tempos ? Por via das dúvidas, deixo de lado o tédio que me provoca
argumentar contra o fundamentalismo religioso e assesto minhas baterias contra essa
triste personagem: que naufrague miseravelmente, é o meu desejo mais profundo.
Africanos
descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é
polêmico (...)
O
que mais chama atenção na declaração do deputado, além da imbecilidade intrínseca, é a expressão “isso é fato”. Como
assim, “fato” ? Tá na Bíblia é fato ??? Desde quando ? Trata-se de um sintoma do
fundamentalismo religioso mais indigente, que toma a Bíblia como uma verdade absoluta
e interpreta suas citações literalmente. Me entedia até as lágrimas ter que
argumentar sobre o absurdo de considerar como verdade absoluta um texto,
qualquer texto. Ainda mais um texto antiquíssimo, escrito sabe-se lá por quem, sabe-se
lá deus (hahaha, “deus”) quando. Aliás, quem quiser maiores informações sobre o
episódio bíblico citado pelo deputado, pode dar uma olhada em Genesis 7:21 a
7:29.
Outra
pérola da sabedoria do deputado foi pronunciada nesse fim de semana. Durante um
culto, e referindo-se aos protestos contra sua pessoa que ocorriam na porta do templo, afirmou:
Essa
manifestação toda se dá porque, pela primeira vez na história desse Brasil, um
pastor cheio de Espírito Santo conquistou o espaço que até ontem era dominado
por Satanás.
É
isso aí. O deputado Feliciano tem o Espírito Santo, e os outros não. Aqui chegamos
no âmago da postura imbecilizante de certas religiões neoevangélicas: seus membros têm o Espírito Santo, nós não. Em caso extremo, somos identificados com Satanás.
Não
é sempre, mas a religião tem a incrível capacidade de emburrecer. No nosso
caso, não basta mais achar graça das sandices do deputado Feliciano: sua crença,
bem como suas palavras e atos (devidamente fundados nessa crença) nos levam até nada
menos que as portas do fascismo.
domingo, 17 de março de 2013
Boteco x chique
É o mesmo caso de banheiro-público: uma
contradição de termos. Foi em algum momento da década de 1990 que surgiram os
primeiros “botecos-chiques” em São Paulo. De imediato, ironizei: como diabos um
boteco pode ser chique ? Os dois conceitos me pareciam excludentes e a ideia,
como um todo, uma falsificação. Para coroar minha indignação, e reforçando a
defesa dos bares bons e sem frescura, formulei um princípio: quanto melhor o
bar, pior o banheiro.
Claro, foi um erro. Em pouco tempo,
percebi que o conceito de boteco-chique incluía coisas como, por exemplo, um
cuidado excepcional na conservação e serviço do chopp pedido. Jovens leitores
nem imaginam o abismo que separa o padrão do chopp de hoje com o de uns vinte
anos atrás. Por exemplo, outrora o chopp era coroado por uma espuma pouco espessa e sem gosto, o que
acabou gerando o hábito nacional de pedir chopp sem colarinho. Hoje em dia, o
normal é um generoso e saboroso creme
espesso, que deixam um bigode feliz no rosto alegre do bebum.
Mesmo frequentando os botecos-chiques, o
princípio relativo aos bares permaneceu, e logo comecei a recolher lembranças de banheiros cujo
decrepitude chegava ao ponto do pitoresco. Por exemplo, os do inesquecível Champion,
um daqueles restaurantes chineses da Liberdade que nos ajudam a conhecer uma deliciosa culinária chinesa, baseada em frutos do mar e muito além dos afamados rolinhos
primavera e frangos xadrez, deus-nos-livre. Em episódio devidamente registrado
pela imprensa, um caranguejo foi encontrado passeando pelos seus banheiros. Ou aqueles
Cafés parisienses, alguns excepcionalmente charmosos, mas que fazem questão de
manter as históricas “privadas turcas”, tão arcaicas, tão anti-higiênicas, tão
francesas.
Na minha memória, há um lugar reservado
para o bar do querido Ezequiel, de Ouro Preto, um estabelecimento absolutamente
precário tocado por sua irmã, Celita, na garagem da casa onde moram. Servindo cerveja e
suas deliciosas cachaças artesanais – “temperadas”
com mel, chocolate ou ervas – Ezequiel decidiu anos atrás construir um banheiro
anexo à sua garagem, talvez para poupar o muro dos vizinhos. No cubículo em que
mal se consegue permanecer em pé e mover a porta ao mesmo tempo, o simpático
barman instalou uma pia, uma privada e, sem ter como encaixar a caixa d’água no
pequeno espaço, instalou-a do lado de fora, ao ar livre, com seu acionamento
sendo possível apenas estendendo-se a mão para fora da janela (um dos vidros da
janela foi propositalmente quebrado para permitir a manobra, veja a foto
acima).
Mas,
o meu campeão na série banheiros pitorescos em todos os tempos foi o do velho Duarte, quando ainda
mantinha seu estabelecimento ao lado do Anglo. Pois em uma das poucas
vezes que fui até seu bar, tomei um par de cervejas, quis ir ao banheiro e logo vi a placa pendurada na porta, “Banheiro Quebrado”. Falei, “Pô, Duarte,
e agora, como vou fazer ?”. Ao que o bravo bartender respondeu, me estendendo as
chaves: “Que é isso, professor, pode ir. Eu só pus a placa pra desencorajar o
uso”.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Banheiro x público
Há uma contradição evidente no termo “banheiro público”. Banheiros são locais de intimidade e atividade privada – o próprio uso desta palavra para designar o vaso sanitário é significativo. Uma parte dos atos realizados em banheiros podem ser compartilhados com outra pessoa, e quando isso acontece geralmente indica uma intimidade excepcional, por exemplo, aquela resultante de uma vida compartilhada. Porém, há outros desses atos que jamais dividimos, mesmo com o ser mais amado na situação de maior proximidade.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Boston abaixo de zero
Miami International Airport, 23 de
janeiro, 7h53
Escala na Flórida, sempre uma
oportunidade de observar o comportamento dos compatriotas fora de casa. Antigamente,
era muito fácil identificar um brasileiro no exterior, sobretudo na Europa:
bastava procurar alguém com um boné escrito NY ou um moleton de universidade
americana ou as inevitáveis camisetas “Hard Rock Cafe – Miami”. Queríamos ser
americanos. Hoje, por mais estranho que seja, os brasileiros se vestem com mais
discrição, embora tenham conseguido mais do que nunca personificar o norte-americano:
comportamo-nos como novos-ricos desvairados.
Doral Billiards, Miami, 23 de janeiro,
21h35
Quase um cenário de filme. Já no
estacionamento percebo uma quantidade significativa de pick-ups e carros esporte.
No interior enfumaçado (é permitido fumar), mesas de sinuca, cerveja em jarras, atendentes
peitudas e telões exibindo vários esportes ao vivo. Por todos os lados, posters com
mulheres voluptuosas anunciam exibição de UFC no fim de semana. Das paredes escorre
testosterona.
ao longo da Freedom Trail, Boston, 24 de
janeiro, 13h02
Boston também é chamada de Beantown,
devido à fama de comedores de feijão que seus habitantes têm. Ou melhor, tinham:
reviro a cidade em busca de um bom prato de feijão no estilo Boston e simplesmente
não encontro. Em compensação, tem gente vendendo lobster bisque em qualquer
esquina. Os bostonianos tornaram-se novos ricos desde há muito, e deixaram seus
pratos de feijão no passado.
Estação do metrô Kendall/M.I.T., Cambridge,
24 de janeiro, 18h12
No metrô Kendall/M.I.T. há estranhas
alavancas na parede da plataforma de embarque. Uma vez puxadas, elas imprimem
movimento pendular a grupos de martelos pendurados no teto, entre as duas
linhas de trem; os martelos, por sua vez, atingem longos cilindros sonoros de
metal, produzindo som do badalar de sinos. Para quê ? Para nada: apenas para as
pessoas se divertirem enquanto o trem não chega.
Kendall Square, Cambridge, 25 de
janeiro, 8h48
Dez graus abaixo de zero, céu claro, previsão de neve só no fim de semana. Antes de sair do hotel, checar: luva, cachecol, gorro, protetor labial, gel para as mãos (há epidemia de gripe na cidade), mapa, carteira, passaporte, cartão do hotel, bilhetes do metro, celular, moedas, chave da fechadura da mala, óculos de leitura. Vou deixando um rastro de objetos perdidos pelo caminho.
Dez graus abaixo de zero, céu claro, previsão de neve só no fim de semana. Antes de sair do hotel, checar: luva, cachecol, gorro, protetor labial, gel para as mãos (há epidemia de gripe na cidade), mapa, carteira, passaporte, cartão do hotel, bilhetes do metro, celular, moedas, chave da fechadura da mala, óculos de leitura. Vou deixando um rastro de objetos perdidos pelo caminho.
Kendall Hotel, Cambridge, 25 de janeiro,
13h14
Do meu quarto do hotel tenho acesso à
Wi-Fi ultrarrápida do M.I.T. Meu celular quase explode carregando páginas e
páginas a fio da internet.
Park Street, Boston, 26 de janeiro, 11h26
Além de Harvard (20 mil alunos) e do
M.I.T. (10 mil alunos), situados na vizinha cidade de Cambridge, a cidade de Boston – de seiscentos
mil habitantes – ainda abriga a Norht Eastern University (20 mil alunos), a Boston
University (30 mil alunos) e nada menos que 52 outras faculdades ou
universidades menores. O resultado é que a média de idade da população é bastante
baixa, e essa juventude transbordante é vista nas ruas o tempo todo, em grupos ou
isolados, no metro ou de bicicleta. Em 70% dos casos carregam imensos
copos de papel com café, em 80% dos casos estão digitando no celular.
Livraria Barnes & Noble, Prudential
Center, Boston, 26 de janeiro, 12h10
Nessa imensa livraria, as estantes de Filosofia
situam-se entre “Religion” e “New Age”.
M.I.T., Cambridge, 26 de janeiro, 19h49
Sábado à noite, maratona de ficção
científica no cineclube no M.I.T. ! O programa anuncia nada menos que 4 filmes,
além de pizza break e uma atração surpresa (a exibição do
primeiro episódio para a TV de Star Trek, em cópia de 35mm). O programa termina
às 6h da manhã do domingo, e nada menos que 140 Sheldons e Leonards compareceram. Impossível não pensar que, na mesma noite, em outra universidade bem
longe daqui, o pessoal foi para a balada...
North End, Boston, 27 de janeiro, 15h27
Legal Sea Foods, Cambridge, 28 de janeiro,
17h43
“Six for six”, seis ostras por seis
dólares é a promoção do happy-hour. Termina às 6h da tarde.
M.I.T., Cambridge, 29 de janeiro, 11h27
Pelas prateleiras do M.I.T., cruzo com
um Principles of Quantic Mechanics, de autoria de um certo R.Shankar. Trata-se
de uma introdução ao assunto, me explicam. Mas, peraí, R.Shankar ??? Impossível
não lembrar de Ravi Shankar, tocador de cítara indiano e guru dos Beatles a partir
de 1966. Fico imaginando que a dissolução da banda levou o músico indiano a perder
popularidade. Desiludido, voltou para a Índia em busca de novas experiências místicas
– o que o levou, obviamente, à mecânica quântica. Um pouco antes de me aprofundar no delírio, me explicam: R. é de Ramamurti, nada a ver com o mago dos Beatles.
Miami International Airport, 29 de janeiro,
17h19
No balcão da imigração. “Por favor, não
me entregaram o formulário I-94 quando eu entrei. Eu não teria que devolvê-lo
agora ?”. O guarda, de feições cubanas, pega meu passaporte vermelho, olha e me
devolve dizendo: “Você não precisa de formulário I-94. Você é italiano”.
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